O FUTURO DA REPRESENTAÇÃO CLASSISTA EM UMA NOVA E MAIS DEMOCRÁTICA JUSTIÇA DO TRABALHO
Discute-se, neste final de
século, com especial interesse a
redefinição do papel das instituições. Debate intenso, que longe está de seu desfecho, nele pode-se
já surpreender, como ponto comum de
todas as teorias, a insuficiência da democracia representativa ante as complexas exigências da sociedade de massas.
Assim, relativamente ao Poder
Legislativo, questiona-se a
exclusividade da representação parlamentar como veículo das reivindicações populares, reconhecendo-se também
nas entidades da sociedade civil -
associações comunitárias, sindicatos,
entidades de classe - função social relevante, a ponto de que estas passam também a participar
institucionalmente no Parlamento,na
forma de conselhos consultivos, direito de
intervenção nos debates nas Comissões Técnicas, Tribunas Livres, etc. Além disso, como exemplo de sintonia
com teses mais avançadas, a
Constituição Federal brasileira reconheceu o direito de iniciativa popular, de modo que os eleitores, através de abaixo-assinato, podem apresentar projeto de
seu interesse. Discute-se muito também
o veto popular, ou seja, a possibilidade
de determinado projeto de lei ser sobrestado pela vontade expressa de significativo número de eleitores. Não se
pode esquecer outros importantes
instrumentos de democracia participativa, como o plebiscito, previsto na Constituição de 1988, assim como
outros que merecem ser incluídos na
Carta Magna brasileira, como o
referendo popular e o "recall". Este último de
significativa importância, uma vez que
permite que determinado parlamentar que
tenha descumprido seus compromissos de campanha tenha seu mandato revogado pela vontade dos eleitores.
As idéias participativas
atingem também o Poder Executivo, sendo
hoje inaceitável o exercício pelo Chefe do
Governo de poder imperial, sendo o belíssimo episódio do "impeachment" do Presidente Collor
uma demonstração inequívoca de que a
sociedade brasileira não convive mais pacificamente com a hipertrofia do Executivo. Assim, cada vez
mais assiste-se a proliferação dos
Conselhos de Administração, da descentralização administrativa, do controle popular sobre os órgãos públicos.
Esta é uma tendência universal, dando
mostras de que, no próximo milênio, a
questão do controle democrático sobre o Estado estará no centro das preocupações políticas.
Chegamos ao Poder
Judiciário,certamente onde o debate de
renovação institucional está mais atrasado, uma vez que, em geral, a estrutura do Judiciário não se
alterou substancialmente durante toda
sua história, mantendo-se como o ramo
do Estado mais infenso às modificações atualizadoras.
O impacto das idéias participacionistas
colhe de chofre o Poder Judiciário,
particularmente vulnerável quanto a sua
legimitidade, uma vez que seus membros não são eleitos, mas são funcionários públicos que assumem condição
de membros de um Poder de Estado sem o
beneplácito do voto popular. Se a representação temporária de mandatários eleitos nos Poderes Executivo e Legislativo não satisfaz, exigindo estrita
fiscalização e permanente controle, o
que dizer do Poder Judiciário, onde seus
membros são vitalícios e não estão sujeito a qualquer forma de controle externo ?
É na óptica da modernização
institucional do Poder Judiciário que
se deve entender as tendências atuais, de
revalorização do júri nos processos penais, de opção pelos juízes leigos em causas de pequeno valor, de
preferência pela mediação e, mesmo,
pela arbitragem em questões específicas.
Fala-se, mesmo, na superação do
Judiciário, pela sua substituição por Conselhos Populares para resolução de questões de vizinha__a e, no âmbito
do contencioso trabalhista, na criação
de Conselhos de Fábrica para julgamento
de processos do trabalho.
É verdade que muitas dessas
idéias são apresentadas sem um
questionamento mais sério sobre as possibilidades concretas da sociedade organizada responder
positivamente a tais desafios, sendo
considerável o risco que a implantação açodada de tais propostas importe mais uma desmontagem das
instituições existentes do que sua
superação por formas mais ava__adas de organização social.
De qualquer forma, nesse
contexto, soa inteiramente
incompreensível o alarido que se produz contra a manutenção,no âmbito do Poder Judiciário Trabalhista, de
juízes leigos, mais apropriadamente
chamados juízes classistas. Ao contrário do que se diz, a representação classista nada tem de atrasada, mas, ao contrário, significa justamente importante
elemento diferenciador do Poder
Judiciário Trabalhista dos demais ramos do Judiciário, que, neste aspecto, recém iniciam a
discussão sobre uma mais intensa participação
da sociedade na administração da just__a.
Os juízes classistas são
temporários, eleitos e, ao menos
formalmente, representam as categorias sociais interessadas. Assim, são, por definição, elementos de
fiscalização e controle da sociedade
sobre o Poder Judiciário e, portanto, cumprem inegável função legitimadora. Além disso, os juízes
classistas são magistrados, ou seja,
proferem suas decisões em órgãos paritários,
as Juntas de Conciliação e Julgamento e nos Tribunais, o que contribui para que estas tenham uma
proximidade maior com os anseios da
comunidade.
Não se olvida que a
representação classista também tem
problemas que poderíamos, sem simplismo, reduzirmos a dois aspectos: a forma pouco democrática de sua
escolha e o despreparo de seus membros
para a função judicante. Entretanto, esses dois problemas não podem ser atribuídos à representação classista em si, mas a falhas na legislação que permitem
que sejam escolhidos classistas sem
representatividade ou capacitação pessoal para o desempenho das altas funções que desempenham. Por outro lado,
os Tribunais do Trabalho e os próprios
sindicatos falham ao escolherem juízes
classistas sob critérios oblíquos, que nem
sempre acertam em prover com os mais qualificados e representativos os cargos de juízes
classistas. Além disso, a não ser como
exceção, inexiste preocupação com cursos de preparação e/ou atualização dos classistas, o que, sem
dúvida, mostra um certo descaso dos
Tribunais e dos sindicatos para com a construção de um Judiciário mais participativo.
De qualquer forma, alterasse-se
a forma de indicação dos juízes
classistas e passo significativo seria dado
para a consolidação definitiva da representação classista como elemento essencial de uma novoa Justiça do
Trabalho. A eleição direta pelas
categorias, profissional e econômica, afastando-se ou restringindo-se bastante a livre escolha pelo Presidente do Tribunal ou pelo Presidente da República,
importaria em aumento considerável da
independência dos Juízes Classistas, o que
contribuiria, sem dúvida, pela elevação de sua qualificação e representatividade.
Já é tempo de pensar o futuro,
na certeza de que o Poder Judiciário
não pode e nem ficará imutável, sendo sua
democratização a tendência irreversível dos tempos atuais.
Porto Alegre,
17 de abril de 1991.
Ricardo Carvalho Fraga
e
Luiz Alberto de Vargas
Juízes do Trabalho, RS