A ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DOS CRÉDITOS TRABALHISTAS APÓS A EXTINÇÃO DA TR
João Ghisleni Filho
Luiz Alberto de Vargas[1]
O
processo judicial trabalhista visa restituir o equilíbrio contratual,
reconduzindo as partes à situação em que se encontravam antes da lesão de
direitos previstos na legislação protetiva, ou seja,
ao equilíbrio contratual, restaurando a consonância entre relação fática e o
ordem jurídica vigente.
Essencial
à essa função restituidora-restauradora
da condenação judicial é a mais perfeita reparação do dano através do pagamento
integralmente corrigido do débito judicialmente declarado, desde a data em que
este era devido até a data do efetivo pagamento.
A
Justiça do Trabalho utiliza para atualização dos débitos a chamada Tabela FADT
(Fator de Atualização dos Débitos Trabalhistas), que visa apenas assegurar, “com base no índice oficial da inflação
do mês anterior, o valor monetário dos créditos do trabalhador até o primeiro
dia do mês seguinte”
Observe-se
que se trata meramente de assegurar o poder aquisitivo dos valores objeto das
condenações trabalhistas, não aqui se cogitando de juros, que, nos termos da lei,
tem natureza diversa, qual seja, a de punir o devedor pela mora, acrescendo ao
débito como uma indenização ao credor por danos emergentes.
Anteriormente,
os débitos trabalhistas eram calculados com base na TRD (Taxa Referencial
Diária), conforme previsto na Lei n. 8177/91:
Art.
39. Os débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo
empregador nas épocas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção
coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora
equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento
da obrigação e o seu efetivo pagamento.
A
preocupação de assegurar a paridade dos créditos judiciais com a elevação do
custo de vida – e, assim, preservar seu poder de compra - à época, era bastante
justificada, tendo-se em conta os altos índices inflacionários, que corroíam
diariamente a moeda, praticamente pulverizando as dívidas que não estivessem
indexadas a algum índice de correção monetária.
Já, na
época, alertava-se para a impropriedade de utilização de um índice destinado à
remuneração de investimentos financeiros para correção de créditos
trabalhistas, pois a TRD surge para “não
ser um indexador, mas para ser apenas um sinalizador de expectativas
inflacionárias para o mercado financeiro”, sendo previsível que, em
algum momento, a TR “deixaria
de refletir a elevação de preços e do custo de vida para tornar-se mero
instrumento de política financeira tornando sem qualquer sentido sua permanência
como indexador trabalhista”.
Em
1993, por meio da Lei 8.660, com a finalidade explícita de desindexar a
economia, foi extinta a TRD, silenciando a nova lei sobre a correção dos
débitos trabalhistas. Consciente da iniquidade de uma interpretação estrita da
norma, que entendesse pela extinção da correção dos débitos trabalhistas a
partir da extinção da TRD, o Judiciário Trabalhista, por construção
jurisprudencial, entendeu que, a partir de então, a correção se faria pela TR
(Taxa Referencial de Juros) que substituiu a TRD para os negócios jurídicos
celebrados antes de 1º de maio de 1993 e que também serviria para como corretor
monetário dos depósitos da caderneta de poupança. Atrelou-se, assim, a
atualização dos débitos trabalhistas aos juros da poupança popular, naquele
tempo, o investimento de menor retribuição no mercado financeiro.
O
cálculo da TR era feito de maneira arbitrária, com base na taxa média dos CDBs
prefixados, de 30 a 35 dias, oferecidos pelos 30 maiores bancos, aplicando-se,
ainda, um redutor aproximando-a dos juros dos empréstimos para habitação.
Assim,
a TR serviu para duas funções absolutamente distintas e que, a partir da
necessidade macro econômica de redução das taxas de juros, tornaram-se
incompatíveis, quais sejam, a de preservação do poder aquisitivo do crédito
trabalhista e o de evitar que as cadernetas de poupança destinadas ao pequeno
poupador e isentas de tributo fossem utilizadas como instrumento de evasão
fiscal pelos grandes investidores.
Dessa
maneira, para inibir a migração dos grandes investidores para a caderneta de
poupança, editou-se a Lei 12.703/12, mudando a remuneração da poupança e
passando o Banco Central, a partir de setembro de 2012, a fixar a TR em zero.
Na prática, assistiu-se a extinção da TR sem atentar-se (ou se importar) com os
efeitos da medida sobre a correção dos créditos trabalhistas.
Tenha-se
em conta que, de 01/9/2012, data de extinção prática da TR até 01/8/2013, a
inflação oficial (índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA) foi de 5,83%, o
que significa um prejuízo para os credores trabalhistas.
Tal
impacto não atinge apenas os trabalhadores, mas os credores em geral. Já tinha
já reconhecido o Supremo Federal, ao julgar a ADI 493-DF, que a TR não reflete
a perda de poder aquisitivo da moeda
Porém,
no julgamento da ADI 4.357-DF, o STF deu um passo adiante e declarou a
inconstitucionalidade do parágrafo 12º do art. 100 da Constituição da
República, ao determinar a correção dos precatórios pelos mesmos índices de
remuneração da poupança, ou seja a mesma TR utilizada
para correção trabalhista.
Nas
palavras do relator, ministro Ayres Britto, “a
correção monetária é instrumento de preservação do valor real de um determinado
bem, constitucionalmente protegido e redutível à pecúnia. Valor real a preservar
que é sinônimo de poder de compra ou poder aquisitivo, tal como se vê na
redação do inciso IV do art. 7º da CF, atinente ao instituto do salário mínimo”.
Assim,
já existe decisão judicial da mais alta Corte declarando a inconsistência
jurídica da adoção da TR como fator de atualização de débitos judiciais e a
exigência normativa de substituição desse índice por outro que reflita
precisamente a desvalorização da moeda em nome da preservação do direito
subjetivo do credor e da eficácia das decisões judiciais..
Não se
pode negar que as consequências da decretação da inconstitucionalidade da
utilização da TR como índice de correção monetária não se restringe à
atualização dos precatórios, mas se estende a todos os demais créditos
judiciais, inclusive os trabalhistas.
Portanto,
o “zeramento”
da TR tem impacto contundente nos processos trabalhistas, inviabilizando a
construção jurisprudencial que, até então, garantia a correção dos créditos
judiciais e gerando a necessidade urgente de nova interpretação pretoriana que
igualmente torne efetiva a norma prevista na lei 8177/91 que, em essência, visa
proteger o crédito laboral da corrosão inflacionária.
Tal
exigência não é somente ética, mas também jurídica, a partir de decretação da
inconstitucionalidade do uso da TR como fator de atualização monetária. A
substituição da TR por outro índice, esse que efetivamente reflita a
desvalorização monetária decorrente da inflação não deve tardar, sob pena de grave distorção dos valores devidos nos
processos judiciais trabalhistas.
Como
resultado da cultura inflacionária alta o Brasil ainda possui inúmeros índices,
com as mais variadas metodologias, que medem a inflação de vários segmentos.
Entre
os institutos que realizam essa tarefa, os principais são [1]:
- A
FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), da
Universidade de São Paulo (USP), que elabora o IPC-FIPE;
- A
Fundação Getúlio Vargas (FGV), entidade privada de ensino, cujo principal
índice é o IGP-M (Índice Geral de Preços ao Mercado);
- O
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos,
entidade civil sem fins lucrativos, que assessora o movimento sindical e é
responsável pelo ICV (Índice de Custo de Vida);
- O
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), instituição da
administração pública federal e principal fonte de informações e dados do
Brasil, responsável pelo IPC (Índice de Preços ao Consumidor), pelo INPC
(Índice Nacional de Preços ao Consumidor) e pelo IPCA (Índice Preços ao
Consumidor Amplo).
Cada
índice é calculado com metodologia própria e servem a diferentes finalidades.
Assim, o IPC-FIPE pesquisa somente a cidade de São Paulo e reflete o custo de
vida de famílias com renda de 1 a 20 salários mínimos. Utiliza metodologia que
atualiza uma ponderação dos preços, de forma a eliminar bruscas variações
sazonais. É um dos mais antigos do país.
O IGP é
uma média ponderada do índice de preços no atacado (IPA) com peso 6; do IPC-RJ, que mede os preços ao consumidor no Rio de
Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Porto Alegre e Brasília,
com peso 3 e do custo da construção civil (INCC) com peso 1. É usado em
contratos de longo prazo, como aluguel, no reajuste de
tarifas públicas e planos de saúde antiga. Uma variação deste, o IGP-M é
elaborado para contratos do mercado financeiro.
O
ICV-DIEESE, também medido apenas em São Paulo, mede o custo de vida de família
com renda média de R$2.800,00 e foi criado para subsidiar a negociação
coletiva.
O INPC
mede o custo de vida nas principais onze regiões metropolitanas
do país para famílias com renda de 1 a 5 salários mínimos. Resulta do
cruzamento de dois parâmetros: da pesquisa de preço de nove regiões de produção
econômica com a pesquisa de orçamento familiar (POF) que abrange famílias com
renda de 1 a 6 salários mínimos.
O IPCA
é o índice utilizado pelo Banco Central como medidor da inflação oficial do
país. A pesquisa é feita em nove regiões metropolitanas em famílias com renda
mensal de 1 a 40 salários mínimos.
A
variação dos índices depende de inúmeros fatores e, a cada período, conforme os
rumos da economia, um ou outro índice parece mais favorável ao credor ou ao
devedor. Assim, nos últimos doze meses (jul/2012-jul/2013) ,
os mais importantes índices apontaram a seguinte inflação [2]:
INDICE |
INFLAÇÃO |
IGP-M |
5,18% |
INPC |
6,38% |
IPCA |
6,27% |
ICV |
6,63 |
Em
recente artigo publicado na LTr
de julho de 2013, César Reinaldo Offa Basile, sobre a mesma matéria, defende a aplicação do INPC
como “...único índice capaz
de recompor satisfatoriamente as perdas inflacionárias e devolver o poder
aquisitivo da moeda nacional”. Aponta, ainda, o referido
articulista, que outras leis, como por exemplo a
11.430 de 26.12.2006 (que acresceu os artigos 21-A e 41-A e deu nova redação ao
artigo 22 da Lei 8.213/1991) e a Lei 12.382 de 25.2.2011, que dispõe sobre
diretrizes de valorização do salário mínimo, já lançam mão de tal indexador.
O
ministro Castro Meira, do STJ, proferiu decisão na Execução em Mandado de Segurança
nº 11.761 – DF(2008/0132683-2), em 27.5.2013 com o
seguinte teor, examinando questão decorrente do posicionamento do STF: “Corretos são os cálculos apresentados
pela CEJU, porquanto, além de ter sido o IPCA-E o índice empregado na conta
homologada, olvida-se a União de que o Supremo Tribunal Federal, na ADI
4.357/DF, em 14.3.2013, declarou a inconstitucionalidade, por arrasto, das
expressões “independentemente de sua natureza”(para efeito de correção
monetária) e “índices oficiais de remuneração básica”, contidos no art.1º F da Lei
9.494/97, com a redação da Lei 11.960/2009. Significa dizer que, no tocante à
correção monetária, mesmo a partir de julho/2009, continuará sendo adotado o
IPCA-E-IBGE, e não mais o índice previsto no Manual de Orientação de Procedimentos
para os Cálculos na Justiça Federal.”
Destacamos,
para fins de esclarecimento da referida decisão, que a pretensão deduzida pela
União era no sentido de continuidade da aplicação da TR.
Assim, entre tantos índices, haverá de se eleger aquele que melhor reflita a
perda do poder aquisitivo do credor trabalhista, tarefa urgente que está a
exigir a reflexão e o debate de todos os operadores jurídicos e da comunidade
trabalhista em geral.
[1] Antonik, Luiz Roberto e Carvalho Veiga, Daniel Rogério. “Taxas de inflação e índices de preço,
uma abordagem política”. Doc.eletr. Acesso em 20/8/2013.
[2] Fonte: Saite Investimentos e Notícias. Acesso em
20/8/2013.
[1] Desembargadores do Trabalho, integrantes da Seção Especializada em Execução do TRT da 4ª. Região.