UNIVERSIDADE
PABLO DE OLAVIDE
DEPARTAMENTO
DE DIREITO PÚBLICO
PROGRAMA
MÁSTER OFICIAL EM TEORIA CRÍTICA DE DIREITOS HUMANOS
UNIBRASIL
– FACULDADES INTEGRADAS DO BRASIL
A AUTO-APLICABILIDADE DA NORMA
CONSTITUCIONAL QUE PREVÊ O AVISO PRÉVIO PROPORCIONAL
TESE DE MÁSTER
Luiz Alberto de Vargas
Curitiba, dezembro
de 2010.
A AUTO-APLICABILIDADE DA NORMA
CONSTITUCIONAL QUE PREVÊ O AVISO PRÉVIO PROPORCIONAL
Luiz Alberto de Vargas
Tese de Máster apresentada
no Programa Máster Oficial da
Universidade Pablo de Olavide, como requisito para a obtenção do Título de
Máster em Teoria Crítica de Direitos Humanos.
Orientadora: Profª
Drª. Luciana Caplan.
Curitiba
Dezembro, 2010.
Universidade
Pablo de Olavide
Departamento
de Direito Público
Programa
Máster Oficial em Teoria Crítica de Direitos Humanos
UniBrasil
– Faculdades Integradas do Brasil
A Comissão Examinadora, abaixo firmada, aprova a Tese de Máster
A auto-aplicabilidade da norma constitucional
que prevê o aviso prévio proporcional.
Elaborada por
Luiz Alberto de Vargas
Como requisito parcial para a obtenção do Título de
Máster em Teoria Crítica de Direitos Humanos
COMISSÃO EXAMINADORA
Prof. Dr. Wilson Ramos Filho
Presidente
Prof. Dr. Marco Antônio Villatore
Profª. Drª. Luciana Caplan
“O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade
com que acontecem.
“Por isso, existem momentos
inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”
(Fernando Sabino)
Dedicado ao nosso inesquecível
mestre Joaquín
Herrera Flores.
Agradecimento
Este trabalho somente foi possível graças à dedicação, ao entusiasmo e a generosidade da Professora Luciana Caplan, em uma segura orientação que acompanhou todos os passos de sua elaboração.
RESUMO
Tese apresentada ao Programa Máster Oficial em
Direitos Humanos, Interculturalidade e Desenvolvimento
Departamento de Direito Público
Universidade Pablo de Olavide
UniBrasil – Faculdades Integradas do Brasil
A
AUTO-APLICABILIDADE DA NORMA CONSTITUCIONAL QUE PREVÊ O AVISO PRÉVIO
PROPORCIONAL
Autoría:
LUIZ ALBERTO DE VARGAS
Orientadora:
Professora Doutora Luciana Caplan
Curitiba, 10/12/2010.
O presente
trabalho pretende discutir a efetividade do instituto do aviso prévio
proporcional previsto como um dos direitos sociais criados pela Constituição
brasileira de 1988. A norma constitucional inovou ao prever que o aviso prévio,
já previsto na legislação ordinária anterior, tivesse de ser proporcional ao
tempo de serviço, mas não inferior a trinta dias, da forma como fosse previsto
em lei complementar. A despeito de tal norma constar como um direito
fundamental social, até o presente momento, o Legislativo não editou a norma
regulatória, incidindo no que, no direito constitucional brasileiro, se
constitui uma “inconstitucionalidade por omissão”. Com base na teoria crítica dos direitos
humanos, pode-se compreender a importância desse direito social para a
realidade brasileira, bem como as expectativas geradas pela sua inclusão entre
os direitos constitucionais sociais pelo Constituinte de 1988. Revisando a
doutrina sobre os direitos constitucionais sociais e refutando as objeções que
negam a efetividade desses direitos, chega-se a conclusão da imediata e direta
aplicabilidade do direito constitucional ao aviso prévio constitucional, em
especial em acatamento ao art. 5o, parágrafo 1o da
Constituição Federal. Faz-se, assim, um breve balanço sobre a insuficiente
atuação do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e das entidades representativas
de trabalhadores e empregadores na efetivação deste importante direito social.
Palavras-chave: Direitos Humanos.
Direitos fundamentais sociais. Aplicabilidade direta das normas fundamentais. Aviso
prévio proporcional.
ABSTRACT
This monograph discusses the effectiveness of the social law that
provide to the worker the right to a proportional “notice to quit” created by the Brazilian Constitution of
1988. The Constitution law innovated by providing that this right,
previously part of the social rights in the brazilian law, has to be proportional to the length of
service, but not less than thirty days, conform it was already laid down in
ordinary legislation. In spite of this rule is a fundamental social right, so
far, the Legislature has not edited the standard regulatory, what constitutes,
conform brazilian constitutional law, a "unconstitutionality by
omission". Based on critical theory of human rights, one can understand
the importance of social rights for the Brazilian reality and the expectations
generated by its inclusion of constitutional rights in 1988. Reviewing the doctrine of
constitutional rights and, also, refuting the objections that deny the effectiveness of
these rights, we can conclude the immediate and direct applicability of that
constitutional right, especially in deference to the art. 5, paragraph 1. of the Brazilian Constitution. It is, therefore, a brief assessment about the inadequate actions of the
legislative branch, of the judiciary and of the organizations representing
employers and workers in effecting this important social right.
Key words: Human rights. Fundamental
social rights. Direct
applicability of fundamental rights. Right to a proportional “notice to
quit”.
SUMÁRIO
Direitos
como produtos culturais
Os
direitos humanos entendidos no caso concreto, na realidade de cada país e cada
momento histórico
O
direito ao aviso prévio proporcional como direito social constitucionalizado
1. CAPÍTULO I - OS DIREITOS SOCIAIS
1.2 O valor jurídico da Constituição.
1.3 A supremacia da Constituição
1.4 Da superação do conceito de “normas programáticas”
1.5 A vinculação dos particulares às normas constitucionais
1.6 Os direitos sociais como normas jusfundamentais
1.7 Os direitos sociais, econômicos e culturais e ação do
Estado
1.7.1
Direitos de promoção e direitos de defesa
1.7.2 Direitos sociais e direitos civis e políticos
1.8 As dificuldades de concreção dos direitos fundamentais
sociais
1.9 A justiciabilidade dos direitos sociais e as chamadas
normas de eficácia limitada
1.10 Os remédios jurídico-constitucionais à omissão do
legislador
2 CAPÍTULO II – A EFICÁCIA POSSÍVEL DO DIREITO
CONSTITUCIONAL AO AVISO PRÉVIO PROPORCIONAL
2.1 Importância do aviso prévio no Brasil
2.1.1 Aviso prévio e a proteção contra a despedida imotivada
2.1.2
Aviso prévio e a insuficiência da proteção social no Brasil
2.2 Aviso prévio como instituto de Direito Civil.
2.2.1 Do aviso prévio nos contratos de execução continuada
2.2.2 Do aviso prévio nos contratos de prestação de serviço
2.3 Aviso prévio como direito trabalhista
2.3.1 O aviso prévio como comunicação
2.3.2 O aviso prévio como retribuição
2.4 Tentativas de implementar o aviso prévio proporcional
2.4.1 Iniciativas legislativas
2.4.2 Regulamentação pela negociação coletiva
2.4.3 Decisões em processos individuais sobre aviso prévio
proporcional
ANEXO
I – Projetos de lei apresentados no Congresso Nacional a respeito do aviso
prévio proporcional
ANEXO
II – Artigo Juíza do Trabalho Vania Cunha Mattos (1989)
ANEXO
III – Trecho de acórdão Desembargador Ricardo Carvalho Fraga (3ª. Turma – TRT
4ª. Região)
ANEXO
IV – Trecho de sentença Juiz do Trabalho Rafael da Silva Marques (2008)
No presente trabalho, com base na teoria crítica dos direitos humanos, contextualiza-se a importância do aviso prévio proporcional na realidade brasileira, questiona-se a base teórica da rejeição à efetivação dos direitos fundamentais sociais e apresenta-se um breve balanço da real implementação desse direito nesses mais de vinte anos que se seguiram à sua introdução no sistema jurídico brasileiro pelo Constituinte de 1988.
Entendendo-se os direitos humanos como produtos culturais, há de se buscar na realidade própria e no momento histórico particular de cada pais a mais clara compreensão do real significado dos direitos cristalizados no ordenamento jurídico, devendo-se dar conta de que, por trás da aparente similitude, existem razões históricas, políticas, econômicas e sociais que podem, além de justificar a própria a existência do direito, dar-lhe importância inédita, somente entendida pela compreensão dos reais contextos onde se inserem.
Assim, o aviso prévio proporcional tem uma dimensão bem mais significativa para o direito brasileiro do que em outros países, o que, talvez, pode se justificar pela precária proteção em nosso direito contra a despedida imotivada.
Por outro lado, sendo este um direito social fundamental, há de se situar, teoricamente, o aviso prévio proporcional no debate pela efetivação desse direito, seja pela análise do valor jurídico das normas constitucionais, seja pela discussão quanto às possibilidades de garantia dos direitos sociais, assim como das dificuldades em relação à judiciabilidade dos mesmos.
Cotejando-se as diversas posições doutrinárias a respeito do tema,
busca-se algum consenso possível quanto à eficácia dos direitos sociais
constitucionais, dotando-os de garantias equivalentes às que se reconhecem aos
direitos civis e políticos.
Especificamente quanto ao aviso prévio no direito brasileiro, deve-se entender o mesmo buscando suas origens no direito civil, mas sua posterior incorporação ao elenco de direitos trabalhistas, rompendo os elementos de reciprocidade e equivalência de obrigações, típicas da noção de igualdade formal que marca o direito privado.
Já como direito trabalhista constitucionalizado e
tendo em conta as expectativas criadas pela Constituição de 1988, em especial
pela promessa de imediata e direta
aplicabilidade dos direitos fundamentais, prevista no art. 5o,
parágrafo 1o da Constituição Federal, é de se fazer um breve balanço
sobre a atuação do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e das entidades
representativas de trabalhadores e empregadores na efetivação deste importante
direito social.
Analisando-se as diferentes propostas legislativas que tramitam a propósito da regulação do direito ao aviso prévio proporcional, assim como revendo decisões judiciais que enfrentaram essa matéria e constatando como os atores sociais trataram esse tema na mesa da negociação coletiva, pode-se chegar a alguma conclusão como a sociedade brasileira encarou a promessa constitucional de maior proteção ao trabalhador despedido com mais tempo de serviço, contida na norma constitucional do art. 7, XXI, bem como os possíveis próximos passos na luta pela efetivação desse direito fundamental social.
Assim, no primeiro capítulo, situaremos os direitos humanos – e particularmente os direitos sociais - como produtos da luta coletiva concreta de determinada coletividade em determinado período histórico, de modo que a contextualização dessa luta como essencial para a devida compreensão do fenômeno jurídico, sem o que se corre o risco de uma teorização vazia e descarnada, que desconhece de onde provém e, em especial, para onde se encaminha o processo de conquista de maiores e mais elevados espaços de dignidade no mundo atual.
A simples constatação de que o constituinte de 1988 previu um “aviso prévio proporcional” para todos os trabalhadores urbanos e rurais pode servir como indício de que o direito em questão não se trata de apenas uma parcela adicional nos casos de resilição do contrato de trabalho. Um olhar mais aprofundado sobre a realidade brasileira revela a importância desse instituto, em especial no contexto de um país em que a “despedida livre” representa um significativo déficit de proteção ao trabalhador brasileiro em relação aos países com mesmo grau ou aproximado nível de desenvolvimento econômico.
A seguir, tratar-se-á do tema dos direitos sociais com ênfase nos direitos sociais constitucionalizados, como é o caso do aviso prévio proporcional. Com apoio da doutrina, reafirma-se a supremacia da Constituição em um Estado democrático de direito, entendendo-se superadas teorias que atribuíam à norma constitucional um papel meramente programático. Modernamente, não se admite que se possa resumir o poder normativo da norma constitucional a uma mera recomendação ao legislador, destituída, por completo, de efetiva e imediata aplicabilidade. Ao contrário, à norma constitucional se reconhece força normativa atual e vinculativa a todos os agentes públicos e, por efeito irradiante, também aos particulares.
Reconhecendo-se as peculiaridades dos direitos sociais em geral (assim entendidos os sociais propriamente ditos, os econômicos e os culturais), problematizam-se as dificuldades específicas de sua concreção, bem como sua possível justiciabilidade, mesmo em relação às chamadas normas de eficácia limitada.
No segundo capítulo, abordar-se-á diretamente a eficácia possível do Direito Constitucional ao aviso prévio proporcional. Em um primeiro momento, situa-se tal direito no marco legal de um Direito do Trabalho que assegura uma proteção ainda insuficiente ao trabalhador brasileiro. Posteriormente, marcam-se as diferenças entre o mesmo instituto no Direito Civil e no Direito do Trabalho, evidenciando que, neste, o aviso prévio proporcional, teleologicamente, destina-se a ocupar um espaço ainda vago em nosso sistema legal trabalhista.
Por fim, se fará um relato das tentativas de implementação do aviso prévio proporcional, seja pela via da negociação coletiva, seja por iniciativas legislativas que regulamentem o inciso XXI do art. 7º. da Constituição Federal. Também são comentadas as decisões judiciais a respeito do tema, mormente aquelas em que o Supremo Tribunal Federal, apreciando mandados de injunção, estabeleceu jurisprudência negativa à pretensão de regular a matéria pela via judicial. Finalmente, discutem-se limites possíveis de decisões em processos individuais que assegurem a efetividade do direito constitucional em questão,
Parte-se da ideia de que o aviso prévio proporcional representa bem mais do que um extravagância do legislador constituinte – e, assim, na contramão das concepções liberais de que a Constituição de 1988 pecou pelo exagero intervencionista nas relações privadas. No cotidiano das relações de trabalho brasileiras, o instituto do aviso prévio passou a ocupar a função social e econômica de outros mecanismos de proteção social, inexistentes ou pouco efetivos em nosso país, como a indenização pela despedida imotivada, o seguro-desemprego, a remuneração adicional pelo tempo de serviço, a proteção acrescida aos trabalhadores menos jovens, além da garantia específica do aviso prévio – e, nesse caso, comum a outros contratos de trato sucessivo, destinada a assegurar um mínimo de estabilidade à pactuação como decorrência do princípio do “pacta sunt servanda”.
Admitida a importância do instituto, elevado a direito constitucional desde 1988, a efetivação do mesmo segue a mesma “via crucis” dos demais direitos constitucionais ditos “programáticos” ou de “eficácia contida ou limitada” (na infeliz expressão de uma doutrina que divide os direitos constitucionais entre direitos constitucionais “completos” ou “de verdade”; e outros, que não passariam de promessas que se submetem aos critérios de oportunidade e conveniência dos governantes), ou seja, a postergação de sua eficácia sob o pretexto de inexistência de regulação por meio de lei ordinária ou complementar. Tais direitos, marcados pela infeliz conjunção de Inação legislativa e da timidez dos próprios agentes sociais supostamente interessados em sua normativização pela via da negociação coletiva, buscam, talvez como última esperança, o caminho judicial, clamando pelo reconhecimento de que, como direitos sociais, têm garantia reforçada pela própria norma constitucional, no caso, o artigo 5º., parágrafo 1º. da Carta Magna.
Mesmo que o conteúdo da reivindicação social do direito ao aviso prévio proporcional tenha sido mitigado ao longo do tempo – provavelmente como consequência dos sucessivos reveses sofridos na luta por sua efetivação -, verifica-se que o Poder Judiciário tem tido dificuldades consideráveis em reconhecer seu papel social e político nesse processo de efetivação deste direito social, mesmo quando já não se discute mais o aviso prévio como sucedâneo da indenização por tempo de serviço ou como mecanismo de reforço de proteção contra o risco do desemprego (como é o caso da reivindicação ao um aviso prévio de trinta dias por cada ano de trabalho ao mesmo empregador), mas tão-somente uma pequena indenização vinculada ao tempo de serviço ou à idade do trabalhador (cinco dias por ano de tempo de serviço ou para trabalhadores com mais de quarenta e cinco anos, por exemplo). Apesar desta mitigação do direito em debate e apenas das objeções teóricas e políticas contra o protagonismo do Poder Judiciário (supostamente a invadir competência do legislador), não resta alternativa que não a da judicialização do aviso prévio proporcional, confiando-se que os juízes trabalhistas compreendam que, nas atuais circunstâncias, somente o debate judicial poderá destravar o processo social de construção do que foi concebido pelo constituinte: uma relação laboral mais equilibrada por meio de uma proteção mais eficaz contra a despedida imotivada, mormente em relação aos trabalhadores menos jovens e supostamente com mais dificuldade de obter novo emprego. Trata-se, assim, de apostar que o Poder Judiciário Trabalhista leve “a sério” tal direito social constitucional.
Ou, conforme palavras de CHRISTIAN COURTIS, utilizar o poder de Estado dentro do paradigma do direito social com o propósito de “desmercantilizar áreas que julga essenciais para a manutenção de “standards” de vida mínimos para todos os seres humanos, entendendo a igualdade constitucionalmente prometida em seu sentido forte, em sua vertente material ou fática (COURTIS, 2009).
Conforme JOAQUIM HERRERA FLORES (2009, p. 87), o conceito tradicional de direitos humanos que se impôs durante a Guerra Fria baseou-se em duas tendências estreitamente unidas entre si: a universalidade dos direitos humanos e o seu pertencimento inato à pessoa humana. Apresentados, assim, como produtos da “essência imutável do ser humano”, os direitos humanos, em tal concepção abstrata do ser humano, pareceriam a mais adequada resposta do humanismo às atrocidades que ocorriam em todo o mundo, supostamente pondo a salvo dos próprios homens uma “reserva espiritual intocável” que goza todo homem, incondicionalmente, pelo simples fato de pertencer à raça humana. Entretanto, ao assim proceder, tal postura terminou por colocar os direitos humanos fora do processo concreto de luta social pela afirmação da dignidade do ser humano. Pressupondo uma esfera “objetiva” de limites à própria ação malvada do homem, tal concepção aposta em uma instância transcendente e benevolente que guiaria um suposto processo de mero reconhecimento de uma natureza inata do homem, a que este tem acesso imediato pela sua simples condição de ser humano, permitindo, assim, que a luta ocorra em contexto “liberado de impurezas contextuais”, guiada por uma ingênua esperança em um futuro melhor, descomprometida com o processo histórico.
Já uma teoria realista e crítica dos direitos humanos se fundamenta em quatro condições e cinco deveres básicos ( Herrera Flores, 2009, p.61-5):
A primeira condição é assegurar uma visão realista sobre o mundo em que vivemos, aprofundando o entendimento sobre a realidade de forma a orientar racionalmente a ação social.
A segunda condição é que o pensamento crítico seja um pensamento de combate, que se estenda a todos os campos do pensamento – mesmo o da linguagem -, pois desempenha um importante papel de conscientização e de mobilização.
A terceira condição é que a teoria crítica se apóie tanto nas garantias formais reconhecidas juridicamente como nas práticas que assegurem poder aos grupos mais desfavorecidos no momento de lutar por novas formas, mais igualitárias e generalizadas de acesso aos bens protegido pelo direito.
A quarta condição é que, ainda que não renegue suas raízes culturais, o pensamento crítico deve representar uma ruptura com o sistema dominante, propondo a construção de uma plataforma crítica que, consciente da complexidade grupal em que vivemos, busque suplantar os limites do marco hegemônico de ideias e valores, de forma criativa e afirmativa.
Essas quatro condições devem estar presentes para gerar espaços de luta pela dignidade, onde se articulam com uma série de deveres que nos induzam a práticas libertadoras.
O primeiro dever básico é o reconhecimento de que todos devemos ter a possibilidade de reagir culturalmente frente ao entorno das relações em que vivemos.
O segundo dever é o respeito, já que o reconhecimento é condição necessária, mas não suficiente, para construção de uma zona de contato libertadora entre culturas diferentes. Somente pelo respeito será possível aprendermos, na prática, quem tem posição de privilégio ou de subordinação neste hipotético encontro de culturas.
O terceiro dever é a reciprocidade, com base para devolver o que tomamos dos outros para construir nossos privilégios. Tal dever se estende à natureza, da qual dependemos primariamente para reprodução de nossa vida.
O quarto dever é a redistribuição, ou seja, o estabelecimento de regras jurídicas, fórmulas institucionais e ações políticas que possibilitem a todos, não somente satisfazer suas necessidades vitais primárias, mas também a construção de sua “dignidade humana” não submetida aos processos depredadores do sistema imposto pelo capital, ou seja, a esperança de um mundo melhor.
Em tal
diferente visão (em que os direitos humanos são entendidos como produtos
culturais), supera-se o humanismo abstrato (como se a condição humana fosse
algo eterno e uniforme) por um humanismo concreto, em que a condição humana é
sustentada pela capacidade de seres humanos reais atuarem sobre o real através
de teorias e práticas, em processos de luta pela dignidade.
Assim, os direitos humanos podem ser definidos como
conjuntos de
práticas que potencializem a criação de dispositivos e de mecanismos que
permitem a todas e todos poder fazer suas próprias histórias e poder
transformar os processos de divisão social do trabalho que impõem condições
desiguais de acesso aos bens que fazer que vida seja digna de ser vivida (HERRERA
FLORES, 2005)
Ou, dito de outro modo, os direitos humanos são produtos culturais que nos comprometem com a construção de atitudes e aptidões que permitem poder fazer e levar adiante nossas vidas com o máximo de dignidade.
Assim, não podemos nos conformar que a luta pelos direitos humanos seja restrita às propostas normativas “universalistas”, absolutamente abstraídas da realidade concreta. Ao contrário, há de se redefinir valentemente o mundo, afirmando nossos valores e diferenças, articulando pontos de resistência e construindo formas organizativas isentas de dominação hierárquica, direcionadas à articulação e à cooperação.
A visão dos direitos humanos como produtos
culturais tem direta relação com a correta compreensão dos complexos processos
sociais em que a lutas pela dignidade ocorrem no mundo correto, imprescindível
para orientar a teoria e a prática emancipadoras.
Toda formação social constitui processos culturais, ou seja, adota formas
particulares de, concretamente, reagir ao entorno, tanto nas relações que seus
componentes estabelecem entre eles mesmos, seja na relação de cada componente
consigo mesmo, seja na relação com a natureza. Todas as formas de reação frente
à realidade são manifestações culturais e não se pode estabelecer que um
processo cultural seja mais válido e legítimo que outro, pois todos devem ser
considerados, dentro de uma visão não-uniformizadora ou homogeneizadora. Uma concepção “cultural”
dos direitos humanos nos leva a entendê-los como produtos de determinado
contexto concreto, em certo espaço e certo período histórico. Não estamos,
portanto, diante de um fenômeno natural e/ou metafísico, transcendente à
própria práxis humana, mas de um produto cultural.
A visão dos direitos humanos como produtos culturais se contrapõe à visão
tradicional e centralizadora que procura apresentar determinadas culturas como
civilizadas em contraposição a outras, mais “atrasadas”, “bárbaras” ou menos
civilizadas. Será preciso desenvolver uma “sensibilidade para a diferença” para
compreender que tal visão tradicional dos direitos humanos nada mais é que o
produto da modernidade ocidental surgida de um capitalismo de cinco séculos. .
Portanto, não é o único caminho possível para a dignidade, mas apenas um dos
processos culturais que para ela se dirigem. Se pensarmos em um futuro melhor para todos os
povos do mundo, necessariamente, teremos de abordar a relação e a interação de
todos os “caminhos para a dignidade” existentes, mesmo porque os assim chamados
direitos universais, proclamados como patrimônio formal de toda a humanidade,
ainda são promessas não cumpridas para 4/5 da população mundial. As
"razões" econômicas ocultam a irracionalidade do crescimento em si,
quando este tem como resultados a desigualdade, a marginalização social e a
exclusão de 4/5 da população mundial. Nesta sociedade planetária, mais de um
bilhão de homens e mulheres vivem abaixo do limiar de absoluta pobreza.[1] Além disso, “enquanto os 28 países com melhor índice
de exclusão social (IES) possuem 14,4% da população mundial e participam com
52,1% da renda gerada anualmente; os 60 países com pior IES detêm 35,5% da
população mundial e se apropriam de apenas 11,1% da renda produzida no mundo
(POCHMAN, 2009). Por isso, quando se trata de direitos humanos, o método de
trabalho a ser utilizado começa por tomar em conta a realidade, que deve ser interpretada
a partir das práticas sociais concretas- e não por meio de uma visão idealista
calcada em categorias jusnaturalistas, que termina por favorecer a manutenção
da ordem hegemônica.
Relevante destacar que a luta pelos direitos humanos integra o processo
pelo qual cada formação social, cultural e historicamente, constrói seu caminho
para a dignidade.
Assim, podemos adotar alguns pressupostos teóricos que serão relevantes
para o desenvolvimento deste trabalho:
a) os direitos humanos não podem ser entendidos fora dos contextos sociais, econômicos, políticos e territoriais em que se dão, devendo fugir de todo tipo de análise metafísica ou transcendental que procure negar sua essência real e material (e, portanto, humana);
b) o estudo e a prática dos direitos humanos devem ser praticados desde um saber critico que desvele os conflitos de interesses dentro da sociedade. Além disso, devem ter em conta as transformações que ocorrem continuamente nos contextos sociais, culturais e políticos.
Sendo o Direito uma obra cultural na busca da Justiça, CAPÓN FILAS aponta como elementos estruturais do sistema: como entradas, a realidade e os valores críticos; como saídas, as normas e a conduta transformadora (CAPÓN FILAS, 1998, p. 19). Tal conduta, a ser praticada por atores sociais e operadores jurídicos, está orientada para a transformação da sociedade, quando esta pareça injusta e de pouca valia.
A seguir, veremos como tal luta pela transformação da sociedade através da efetivação dos direitos sociais não prescinde do conhecimento concreto da realidade social, econômica e política em que estes estão inseridos.
Situar os direitos humanos na realidade brasileira importa conhecer a história específica de cada direito. No caso de direito humano presentemente analisado (direito a aviso prévio proporcional), imprescindível conhecer a realidade onde está inserida a luta social concreta pela sua transformação de promessa constitucional em efetivo direito a ser usufruído pelo trabalhador recém-desempregado.
Em tal busca, ainda que não se desconheça
práticas e modelos internacionais, há de se entender os direitos humanos no
contexto real de país em desenvolvimento, de enorme desigualdade social e de
ainda altos índices de desemprego.
Como se teve oportunidade em afirmar em outro texto (ARAÚJO, 2008), em uma concepção crítica dos direitos humanos que supere uma visão meramente liberal, não satisfaz a mera criação de normas jurídica que alberguem tais direitos, mas se questiona se elas importam em uma aplicação efetiva em benefício de um acesso igualitário dos bens a todos os cidadãos. Nesse sentido, o Direito não é apenas simples representação da realidade, mas é também instrumento de mudança social.
A Constituição de 1988 é um marco relevante para a afirmação dos direitos sociais no Brasil. Ainda que tal constitucionalização tenha sido tardia em relação aos demais países, a Constituição-cidadã afirmou sério compromisso com a evolução da sociedade.
Antes de tudo, é importante relembrar que o processo constituinte foi, talvez, o mais importante evento político-legislativo ocorrido em nosso País, com ampla mobilização popular e acompanhamento diuturno de seus trabalhos pelos setores organizados da sociedade, gerando enormes esperanças de um novo tempo de progresso e justiça social em um Brasil, que emergia após o período obscuro do regime militar.
A Assembleia Constituinte tornou-se palco de acirrada disputa parlamentar entre os blocos progressista e conservador (este último, autodenominado “Centrão”), sendo os direitos sociais reunidos no correspondente ao art. 7º. do anteprojeto original, um dos principais pontos de embate[2]. Ao final, como resultado dos enfrentamentos, chegou-se a uma fórmula conciliadora, podendo-se dizer que o texto final representa um compromisso mínimo de toda a sociedade brasileira.
É este compromisso mínimo expressado no atual art. 7º. da Constituição Federal que foi entregue à Nação pelo Constituinte de 1988, incumbindo prioritariamente ao Poder Judiciário a tarefa de zelar pela efetivação dos direitos ali consagrados.
O direito de o trabalhador receber uma comunicação
prévia do empregador de que será despedido sem justa causa é previsto no
ordenamento jurídico brasileiro desde 1850, tendo sido originalmente destinado
a contratos comerciais. Introduzido na legislação trabalhista em 1923 (Decreto
16.107), não era um direito do trabalhador, mas um dever em face do empregador
em caso de rompimento contratual. Como
direito do trabalhador, o aviso aparece definitivamente com a CLT (Capítulo VI,
artigos 487 a 491) em 1943. Antes disso, o Decreto n°.
18.107/28 já estabelecia aviso prévio recíproco de oito dias, porém foi
revogado pela Lei n°. 62/35. Somente com o Decreto n°.4.037/42 restabeleceu-se
a reciprocidade e, assim, o direito do empregado ao aviso prévio, o que se
consolida com a CLT, em 1943.
Não se trata de originalidade brasileira, porque tal direito está previsto na legislação trabalhista da maior parte dos países e, inclusive, se integra no macro-conceito do “direito ao trabalho”, sendo um elemento do elenco de institutos destinados a proteger o trabalhador contra os riscos da despedida imotivada e do consequente provável período de desemprego que a seguirá[3]. No caso do aviso prévio, pensava-se em conceder ao trabalhador um período de tempo em que, já sabedor do desemprego em futuro breve, pudesse reavaliar sua condição profissional, buscando um novo emprego, outra atividade remunerada ou melhor qualificação profissional. A ideia é que esse período de tempo fosse remunerado, ainda que o trabalhador não estivesse dispensado de todo da prestação de trabalho, mantendo-se parte da jornada de trabalho.
O instituto do aviso
prévio em tempos modernos não é tampouco exclusividade do Direito do Trabalho,
mas é típico dos contratos de trato sucessivo, sendo bastante usual nos
contratos de Direito Civil. Porém sua aplicação no Direito do Trabalho é tão
diferenciada quanto pode ser um contrato de compra e venda em relação a um
contrato de trabalho, já que o que se discute, no caso, é a proteção à pessoa
do trabalhador, a preocupação com sobrevivência deste e de sua família, o resguardo
da sua dignidade humana contra os riscos do desemprego e da miséria.
Assim, ao estabelecer
o legislador constituinte que os trinta dias do antigo aviso prévio previsto na
CLT passassem a ser o mínimo para qualquer trabalhador, urbano ou rural, contratado
por prazo indeterminado, implicitamente pretendeu-se assegurar, por meio da
“proporcionalidade ao tempo de serviço” que os empregados “com mais tempo de
casa” – e, assim, provavelmente mais idosos e sujeitos a maiores riscos em
relação ao desemprego – teriam um tempo adicional remunerado para reconstruir
sua vida profissional em relação aos trabalhadores com menos tempo de serviço. E,
na medida em que não se pode presumir que o legislador constituinte
subestimasse fortemente as dificuldades evidentes dos trabalhadores mais idosos
para obtenção de novo emprego, esse “tempo adicional” certamente deveria ser
significativamente superior a trinta dias, ou seja, ao período mínimo que um
aviso prévio poderia ter, mínimo de proteção previsto em lei.
Talvez possa ocorrer que este seja um “direito menor” no conjunto dos direitos sociais previstos na Constituição brasileira, mas, na realidade concreta de nosso país, ele poderia se constituir em um elemento bastante significativo para tornar mais efetiva uma das promessas não cumpridas da Constituição de 1988, qual seja a proteção contra a despedida imotivada, contida emblematicamente no inciso I do art. 7o da Constituição Federal.
Assim, pretende-se, neste trabalho, realizar um breve balanço da efetividade que foi possível nestes mais de vinte anos de direito constitucional ao aviso prévio proporcional, o que, certamente, pode ser significativo para que se compreenda melhor o patamar de respeito à Constituição que logramos chegar como sociedade. Com base em tal compreensão, propõe-se um novo olhar sobre as possibilidades de efetivação da norma constitucional por meio do reconhecimento da auto-aplicabilidade da mesma tendo e contando com uma atuação jurisprudencial mais comprometida com a realização concreta dos direitos sociais.
Antes, porém, há de se situar teoricamente os direitos sociais, analisando as diversas objeções que, ao longo da história, tem negado sua efetividade, sua correspondência como direito fundamental e, mesmo, a própria supremacia das normas fundamentais.
Quando se trata da efetividade de um direito constitucional, há de se entender as variadas objeções apresentadas pelo liberalismo, desde a negação do valor jurídico das normas constitucionais[4] até a redução de sua efetividade a conteúdos mínimos ou bastante diluídos.[5] Do mesmo modo, alguns autores apontam para a existência de direitos constitucionais meramente programáticos, negando que sejam verdadeiros direitos, mas meras recomendações ao legislador.[6] Outros, por constatarem a judiciabilidade deficiente dos direitos sociais se opõem a incluí-los como normas constitucionais, já que não representariam mais do que fonte de frustração e equívoco, pois os únicos direitos fundamentais que mereceriam esse nome seriam os individuais ligados à liberdade[7]. Por fim, também há os que negam, na prática, a aplicabilidade direta dos direitos sociais trabalhistas previstos na Constituição[8].
Em nosso ponto de vista, a negação ou redução do valor jurídico dos direitos sociais não é compatível com a dimensão sociológica e histórica desses direitos, o que impõe uma leitura mais atualizada das normas constitucionais, mormente quando se trata de situá-las no contexto de um Estado Social de Direito. Portanto, em seguida, se analisará o valor jurídico da Constituição, se questionará a existência de normas constitucionais programáticas e se refletirá sobre a real efetividade dos direitos sociais.
Recorrentemente procura-se negar aos direitos sociais qualquer efetividade prática, imputando-lhes uma estrutura radicalmente diversa dos direitos individuais clássicos, relativos à liberdade e à vida. Tais concepções parecem desconhecer que todo direito necessita de proteção do Estado, algo que relativiza bastante a diferenciação que se pretende fazer entre direitos sociais e direitos de liberdade.
Uma visualização mais aproximada das concepções clássicas é mais fácil nas hipóteses de proteção de direitos de primeira geração, como a proteção da vida, como no caso de ações de homicídio, por exemplo. Ainda que haja divergências[9], parece claro que estamos diante de uma exigência de “ações positivas do Estado, fáticas ou normativas, que tem por objeto a delimitação das esferas de sujeitos jurídicos de igual hierarquia, como assim também a imponibilidade e imposição desta demarcação” (ALEXY, 1997, p. 436, trad.)[10].
Já quanto se trata de satisfazer outro tipo de direito, também merecedor da proteção estatal, como os chamados direitos promocionais, o caráter positivo da ação estatal é bastante mais presente. Aqui, o que se espera do Estado não é abstenção, mas, ao contrário que aja positivamente, para promover os direitos envolvidos.
As objeções liberais a uma interpretação que leve a ações estatais deste tipo, de conteúdo positivo, são clássicas e remetem à doutrina constitucional do século passado que, ao mesmo tempo em que negava que o caráter normativo da Constituição pudesse impor-se ao Estado como norma fundamental de garantia, negava, por sua vez, ao Estado todo poder vinculante e global de direção da sociedade, rechaçando que a constituição (como norma diretiva fundamental) pudesse se impor como norma á sociedade[11].
Foi precisamente contra esse pensamento liberal que as Constituições do pós-guerra retomam os dois aspectos negados pelo liberalismo, construindo o conceito de “supremacia da Constituição” seja como “máxima forma de garantia dos direitos e liberdades”, seja como “norma diretiva fundamental a seguir para a realização dos valores constitucionais” (FIORAVANTI, 1996, p. 128, trad.)[12].
Com o passar dos anos, por uma lenta elaboração, os direitos sociais se cristalizaram nas constituições ocidentais, a elas se incorporando como valores fundantes dos Estados do pós-guerra. A normatização de tais direitos importa, na prática, na plasmação de um pacto constituinte que, abarcando amplamente as classes sociais, definiu um modelo de sociedade, que se pretende integradora e solidária e, assim, assumiu um solene compromisso de tornar realidade os direitos fundamentais, definidos como valores centrais da modernidade. É necessário lembrar que, sobre tal compromisso se assenta boa parte da legitimação democrática dos Estados modernos, passando suas constituições a ser bem mais do que emblemáticos signos de um pacto social. Elas mesmas, as Constituições, passam a ser a garantia de tais compromissos, no caso, de que os direitos reconhecidos como fundamentais sejam efetivos.
Portanto, deve-se entender uma Constituição como norma
jurídica fundamental, não apenas como no sentido de que seja fundamento de
validade de todo o ordenamento, mas, principalmente, porque
"contém a ordem jurídica básica dos diversos setores da vida social e política, de modo que pré-configura de forma similar aos programas de partido, um modelo para a sociedade" (OTTO, 1998, p. 44, trad.).[13]
Assim, formam-se desenhos básicos para a ordem econômica e
para a sociedade em seu conjunto, em que não se assinala apenas para o Poder
Público os limites do permitido, mas que impõe a este também o dever positivo
de criar uma ordem. Assim, a Constituição, toda ela, se transforma em um
programa, e a legislação já não é mais o instrumento de uma ação política livre,
dentro dos limites negativos impostos pela Constituição, mas é o desenvolvimento da Constituição, do
programa que ela contém. A Constituição já não incorpora somente a concepção
política do que o Estado deve ser, mas sim o programa que ele deve fazer (OTTO, 1998, loc. cit.).
Referindo-se à Constituição brasileira, EROS ROBERTO GRAU
(2000, p. 199) denomina-a Constituição
dirigente, na medida em que contém um conjunto de diretrizes, programas e
fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade que lhe conferem o caráter
de um plano global normativo, o do
Estado e da sociedade.
Na correta interpretação desse plano global contido na
Constituição, é preciso ter em conta os princípios fundamentais que a
conformam, ou seja, a dignidade da pessoa humana, como fundamento da República
e como fim da ordem econômica; os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa (art. 1o, IV) como fundamento da República e a
valorização do trabalho humano e da livre iniciativa como fundamento da ordem
econômica (art. 170, “caput”) e construção de uma sociedade livre, justa e
solidária como um dos objetivos fundamentais da República (art. 3o,
I).
Além disso, a Constituição serve para fundamentar um modelo de organização política para a comunidade[14], cumprindo uma função de unificação do ordenamento jurídico em torno dos valores fundamentais, visando evitar sua dissipação por apreciações pontuais ou desvios que possam ser produzidos nos sucessivos desenvolvimentos normativos. Trata-se, assim, de colocar tais valores fundamentais a salvo de “possíveis excessos das dinâmicas políticas”, colocando-os em uma posição de “primazia constitucional” de forma que se projetem sobre toda a dinâmica normativa e atividade jurídica, sem que sejam afetados “pelas tensões ou desvios que se produzam nos planos inferiores” (PEÑA FREIRE, 1997, p. 80, trad.).[15]
Estes valores, que se aglutinam em macro-conceitos da liberdade, da dignidade e da igualdade têm, nas normas constitucionais, uma forte expectativa de realização plena, ainda que diferida no tempo. Trata-se de valores permanentes e definitivos, que, ainda que possam ser atualizados, devem ser resistentes a políticas econômicas conjunturais.
Assim, a mudança de expectativas econômicas, como ocorreu, por exemplo, em face da recente crise mundial de crédito, não deveria implicar em uma alteração substancial das cláusulas de bem-estar geral contidas no pacto social constituinte, que deveria ser entendidos como “intangiveis, incorporados como estão às regras fundadoras do contrato social” (BRUNET e BELZUNEGUI, 1999, p. 158)[16].
O problema da efetividade das normas constitucionais propõe, assim, como questão prévia, estabelecer o devido valor jurídico da Constituição. Para tanto, não se pode interpretar somente mediante análise formal-jurídica, mas que exige, também, a ponderação de todo que se disse a respeito da consolidação dos valores constitucionais como fundadores da sociedade moderna. Adiante, há de se dar conta do problema da suposta natureza programática dos direitos sociais, da sua possibilidade de se constituir em direitos subjetivos.
Conforme GARCÍA DE ENTERRÍA, reconhece-se à
Constituição uma “supralegalidade material” que a ela assegura “uma
predominância jurídica hierárquica sobre todas às demais normas do ordenamento,
produto dos poderes constituídos pela própria Constituição, obra do superior
poder constituinte”. Assim, as demais normas somente são válidas se não
contrariam, não apenas o sistema formal de produção das mesmas estabelecido
pela Constituição, mas, sobretudo, o “quadro de valores e de limitação do poder
em que a Constituição se expressa¨ (GARCÍA
DE ENTERRÍA, 1994, p. 50 trad.). Assim,
(...) la
Constitución es ¨resistente¨ frente a cualquier norma u orden contraria a sus
mandatos (...) Esta resistencia o plus de validez, o inmunidad de la
Constitución frente a todas las normas y actos que de ella derivan, es la base
misma de su supremacía, y, por tanto, la piedra angular de su eficacia como
pieza técnica en la construcción del Estado y del ordenamiento jurídico. (GARCIA
DE ENTERRÍA, 1994. p. 64-5).
Temos, aqui, dois aspectos a considerar: primeiro, a Constituição define o sistema de fontes formais do Direito e mantém uma relação de superioridade com as demais normas do sistema, de modo que a norma constitucional prevalece e afasta do ordenamento jurídico qualquer outra norma que a contrarie; segundo, tal supremacia não se baseia em razões meramente formais, mas substanciais.
Como comenta CARRILLO, a Constituição deixa de ser
programática, como teorizava Kelsen, fortalecendo-se a função jurídica da norma
suprema. A noção de Constituição se introduz plenamente no ordenamento
jurídico, abandonando a ideia tradicional de que a norma fundamental pertencia
ao mundo da política – e não ao âmbito do Direito (CARRILLO, 1995, p. 32). Assim, conforme RUBIO LLORENTE, a
Constituição se afasta
historicamente das teorias de objetivação do poder político em que ¨al mismo tiempo en que se
priva del al monarca, (...) también se priva del al pueblo¨, pues ¨se escamotea
la noción de soberanía popular y la de poder constituyente y se arranca del
Estado ya constituido¨ (RUBIO LLORENTE,
1997, p. 48).
Assim, de um ponto de vista formal, basta por em relevo que as normas constitucionais, em seu conjunto, prevalecem sobre todas as demais normas jurídicas, sendo o parâmetro de validade no ordenamento jurídico. É o que se denomina a “primazia manifesta à vinculação constitucional” frente a todos as outras normas do ordenamento jurídico, que se constitui o elemento-chave na construção e na validade de todo o ordenamento jurídico. Por isso, em qualquer momento de aplicação das normas – por operadores públicos ou operadores privados, por juízes, legisladores ou administradores -, tal supremacia constitucional deve ser obrigatoriamente levada em conta “en el sentido que resulta de los principios y reglas constitucionales, tanto los generales como los específicos referentes a la materia de que se trate¨ (GARCÍA DE ENTERRÍA, 1994, p. 95).
Conforme ENTERRÍA, as consequencias mais importantes da primazia normativa da Constituição podem ser assim resumidas na completa vinculação de todos os tribunais e sujeitos públicos e privadas a todas as normas constitucionais. Por outro lado, todas as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas no sentido mais conforme com a Constituição (princípio da interpretação conforme com a Constituição). Em caso das normas de direito ordinário não se conformarem com a Constituição, tais normas deve ser entendidas como inválidas, de forma que não devam ser aplicadas pelos Tribunais que, ao contrário, devem declará-las inconstitucionais. Além disso, em certas matérias, em especial no que concerne à regulação de direitos fundamentais, a Constituição é de aplicação direta como norma de decisão de qualquer classe de processo, por ter revogado todas as leis que opõem à sua regulação. Por fim, em caso de leis posteriores à Constituição, entende ENTERRÍA que, em se tratando de tutela direta de direitos fundamentais, incumbe ao juiz dar efetividade à norma constitucional, independentemente da declaração de inconstitucionalidade da lei ordinária. (GARCÍA DE ENTERRÍA, 1994, p. 78).
Tal compreensão não é compatível com o entendimento de que as normas constitucionais possam ser distinguidas entre exigíveis e não exigíveis.
Assim,
se deduz o valor normativo e imediato de todas as normas constitucionais o que
¨afecta a todos los ciudadanos y a todos los poderes públicos, sin excepción y
no sólo al Poder Legislativo como mandatos o instrucciones que a éste sólo
cumpliese desarrollar - tesis tradicional del carácter ¨programático¨ de la
Constitución - ; y entre poderes públicos, a todos los Jueces y Tribunales
- y no sólo al Tribunal Constitucional¨.
No mesmo sentido, em comentários à Constituição portuguesa, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA apontam a possibilidade de aplicação direta de normas constitucionais, mesmo sem lei intermediária ou contra e em lugar dela, quando se trate de normas que dizem respeito a direitos, liberdades e garantias (GOMES CANOTILHO; MOREIRA, 1991, p. 46).
De outro lado, a supremacia constitucional não se limita ao plano formal, pois se reconhece uma “força conformadora” que não se limita apenas aos direitos e garantias individuais, mas se estende também aos campos da ordem econômica e social. Conforme GOMES CANOTILHO e MOREIRA,
Também está em
crise a concepção clássica de Constituição que restringe a sua função à
limitação do poder e à garantia das liberdades públicas. O texto constitucional
não pode nem deve ser considerado como simples estatuto jurídico de repartição
do poder de Estado e de garantia dos direitos e liberdades. (GOMES CANOTILHO;
MOREIRA, 1991, p. 43).
Tal característica de vinculatividade se encontra em todas as normas constitucionais, pois, conforme RUBIO LLORENTE, ¨a Constituição, toda Constituição que possa assim ser chamada, é fonte de direito no sentido pleno da expressão, quer dizer, origem mediata e imediata de direitos e obrigações – e não somente fonte das fontes¨ (RUBIO LLORENTE, 1997, p. 52, trad)[17].
Tal pensamento, como se verá, é incompatível com a ideia de normas praticamente destituídas de valor normativo, implícita no conceito de normas programáticas.
Um dos aspectos mais importantes na análise do valor normativo da Constituição diz respeito à aceitação ou não de que determinadas normas constitucionais seriam destituídas de juridicidade, não tendo capacidade de tutelar qualquer tipo de direito ou de interesse.
Tal equívoco decorre da ideia de que parte da Constituição
possa constitui apenas uma “promessa política”, destituída de força normativa,
desconhecendo-se seu compromisso histórico-institucional e invertendo-se a
hierarquia interpretativa, de forma a dar prevalência à regra ordinária em
relação à constitucional.
VEZIO CRISAFULLI combate tal ideia, afirmando que, uma Constituição é, sempre e acima de tudo, um ato normativo, não diversamente da Lei Ordinária, mas dotada de um maior valor. Em consequência, as contradições internas devem ser eliminadas, dando-se prioridade às normas postas na Constituição, enquanto fonte superior a qualquer outra lei posterior. Ademais, o autor “reprova o procedimento administrativo e da jurisprudência de superar as contradições, suprimindo praticamente um dos termos (a Constituição nova), aplicando-se o direito precedente, como se a Constituição não fosse lei (ato normativo), e lei predominante e superior” (LYRIO PIMENTA, 1999, p. 151).
GOMES CANOTILHO, a respeito da Constituição portuguesa, pondera ser pouco apropriado falar de “normas constitucionais programáticas”, preferindo o termo “normas-fim”, pois “informam uma atividade” e “dirigem materialmente à concreção constitucional” (GOMES CANOTILHO; MOREIRA, 1991, p. 89). Mesmo tais normas não são meras “exortações morais”, “promessas” ou “apelos ao legislador”, juridicamente não providos de qualquer vinculatividade, pois a elas se reconhece “positividade jurídico-constitucional”. O autor português as denomina “normas diretivas de ação estatal de alcance essencialmente político”, pois é certo que
não se
limitam a legitimar a pressão política sobre os órgãos competentes, não sendo
irrelevantes sob o ponto de vista jurídico-constitucional: por um lado, podem
constituir fundamento constitucional de ações e medidas estatais que, sem elas,
poderiam não ser constitucionalmente lícitas; por outro lado, elas
consubstanciam valores constitucionais que não podem deixar de ser relevantes
em sede de interpretação constitucional (e legais).
(GOMES CANOTILHO; MOREIRA, 1991, p. 113)
Assim, ainda conforme o autor, mesmo em relação às chamadas “normas programáticas”, se lhes reconhece:
- que vinculam o legislador, de forma permanente, à sua realização (imposição constitucional);
- que, com diretivas materiais permanentes, vinculam positivamente todos os órgãos concretizadores, devendo estes tomá-las em consideração em qualquer dos momentos da atividade concretizadora (legislação, execução, jurisdição);
- que são limites negativos, que justificam a eventual censura na forma de declaração de inconstitucionalidade dos atos que as contrariam.
O próprio JOSÉ AFONSO DA SILVA, provavelmente o mais citado autor brasileiro no que diz respeito à efetividade das normas constitucionais, admite que não existem normas constitucionais sem valor jurídico, apontando tais normas programáticas como capazes de assegurar, pelo menos, “situações subjetivas de vantagem, que podem caracterizar simples interesse, simples expectativa, interesse legítimo e até direito subjetivo” (AFONSO DA SILVA, 2000, p. 176).
Portanto, podemos afirmar com segurança que, mesmo
as impropriamente chamadas normas programáticas são preceptivas, estabelecendo
deveres de atividade do Estado e impondo o cumprimento de determinado programa,
assim como tornam inconstitucionais as leis que as contrariam.[18]
Sejam como parâmetro
de regulação do ordenamento jurídico, sejam como fonte da melhor interpretação
da legislação infraconstitucional, as normas constitucionais devem ser tomadas
em seu conjunto, entendidas todas suas disposições como desenvolvimento de seus
valores fundamentais.[19]
No mesmo sentido, GARCÍA DE ENTERRÍA, que
considera, também, que
TODAS las normas
constitucionales vinculan a todos los Tribunales y sujetos públicos y privados,
que deben aplicar ¨la totalidad de sus preceptos sin posibilidad alguna de
distinguir entre artículos de aplicación directa y otros meramente programáticos,
que carecerían de valor normativo.
(GARCÍA DE ENTERRÍA, 1994, p. 68).
Assim, o autor adverte os Juízes, como todos os sujeitos
públicos ou privados, enquanto vinculados pela Constituição e balizados pelo
dever de aplicá-la integralmente, devem aplicar a totalidade de seus preceitos
sem possibilidade alguma de distinguir entre artigos de aplicação direta e
outros meramente programáticos, que supostamente careceriam de valor normativo.
Conforme tal autor, nem todos os artigos da Constituição têm o mesmo alcance e
o mesmo significado normativos, mas todos, sem dúvida, enunciam normas
jurídicas, independentemente de sua possível imprecisão ou indeterminação.
Mais enfático EROS ROBERTO GRAU (ob. cit, p. 179)
assevera que "assim como jamais se aplica uma norma jurídica, mas sim todo
o direito; não se interpretam as normas constitucionais isoladamente, mas toda
a Constituição. A interpretação conforme a Constituição de todo o
ordenamento jurídico se impõe, não apenas na chamada interpretação declarativa,
mas também na indevidamente chamada interpretação integrativa, assim entendida
a que "supre insuficiências dos textos legais a aplicar", assim como
na proibição implícita "de qualquer construção interpretativa ou dogmática
que conclua em um resultado direta ou indiretamente contraditório com os
valores constitucionais”.
Ainda que a exigibilidade não seja direta (ou seja, não configure um direito subjetivo que possa ser reivindicado diretamente pelo cidadão aos Tribunais), não se pode deixar de reconhecer que qualquer norma constitucional seja vinculante.
Mesmo quando se trata em uma Constituição como a espanhola, que expressamente parece distinguir entre “direitos e liberdades fundamentais (Capitulo II do Título I) e “princípios diretores da política social e econômica”, não é correto pensar que somente os primeiros possam ser considerados exigíveis. Se os primeiros são considerados “diretamente operativos” (seção primeira), os segundos requerem para sua efetividade um “desenvolvimento técnico por meio das leis (seção segunda). A diferença substancial está nas garantias de uns e de outros, já que, para os primeiros, se assegura uma proteção judicial reforçada (art. 53.2 da Constituição espanhola).
Entretanto, tais diferenças não autorizam o
entendimento de que os “princípios diretores” seriam meras normas programáticas
destituídas de força vinculante. Tais princípios “informarán la legislación
positiva, práctica judicial y la actuación de los poderes públicos¨ (art.
53.3), o que, de pronto, exclui interpretações de que se tratariam de meras
disposições programáticas, destituídas de caráter normativo. Parece também
clara a possibilidade do Tribunal Constitucional declarar inconstitucional uma
lei que contrarie tais princípios, apesar da “infeliz expressão do parágrafo
seguinte”.[20]
Como pautas de orientação para ação do Estado, os princípios diretores não
configuram, por si só, direitos subjetivos públicos que possam ser
reivindicados diretamente aos Tribunais, mas somente conforme seu conteúdo seja
desenvolvido por leis posteriores. RUBIO LLORENTE os denomina ¨fins do Estado”,
com um valor próximo aos dos princípios fundamentais da ordem jurídico-política
e assinalam fins determinados à ação estatal. Ainda que tais preceitos não
resultem obrigações imediatamente exigíveis ante aos Tribunais, impõe uma
obrigação a todos os poderes públicos e, assim, os vinculam. Tal sucede de modo que ¨toda norma o toda
decisión de que de la voluntad estatal emane ha de ser entendida como
aproximación a estos fines e interpretada en consecuencia¨ (RUBIO LLORENTE, 1997, p. 60).
Como exemplo das possibilidades de “objetivação” de tais princípios, importante a contribuição de ver RAMOS MARTIN MATEO a respeito, quando discorre, por exemplo, sobre o princípio diretor “qualidade de vida”:
Estamos evidentemente en presencia de un
principio general, de un valor de características relativas, pero no por ello
meramente subjetivo. Pueden constatarse desviaciones censurables cuando
desaparecen o se deterioran condiciones
previas y legítimas de bienestar. La objetivización es posible en muchos casos
si se recurre a otros postulados constitucionales, como el de la igualdad,
comparándose las condiciones ambientales de los componentes de una misma
comunidad, lo que nos reconduce finalmente al hecho decisivo, a nuestros
efectos, de la posibilidad de reclamar ante los Tribunales posibles atentados,
por acción o omisión, contra la cualidad de vida¨.
(AAVV. “Estudios sobre la Constitución Española. Homenaje al Profesor Eduardo García de Enterría”. Madrid: Civitas, 1991, p. 1450).
No que tange à Constituição brasileira, é possível interpretar-se o art. 6º. da Carta Magna[21] como “princípios diretores”, equiparando-os aos da Constituição espanhola. Tal interpretação não é melhor, na medida em que, ao contrário do que ocorre na Constituição espanhola, não há na brasileira qualquer disposição que autorize tal diferenciação entre normas constitucionais. De qualquer sorte, mesmo que assim não fosse, haveria de se reconhecer que normas contidas no art. 6º. vinculariam, pelo menos, os poderes públicos. Conforme JOSÉ FELIPE LEDUR, ¨a vigência da norma do artigo 6º. da Constituição é direta para o Estado e seus distintos Poderes. Por outro lado, há vigência indireta para a Sociedade, a qual poderá fruir dos direitos previstos nessa norma constitucional na exata medida com que for sendo preenchida de conteúdo. Trata-se de direitos cujo conteúdo em geral terá de ser definido pelo legislador (...) Os indivíduos, a Sociedade possuem o direito de reivindicar esses direitos. Mas é ao legislador que cabe encontrar a solução ante os interesses relativos que entrem em colisão, seguindo um processo público de formação da vontade política¨ (LEDUR, 1998, p. 117).
Nesse contexto, não há mais falar em normas constitucionais destituídas de valor jurídico, podendo-se dar por superada a polêmica histórica sobre “normas programáticas” que, tradicionalmente, serviu para “abrir portas” para o ingresso das teorias constitucionais que, na prática, negam a efetividade de direitos constitucionais, em especial os direitos sociais.
A força vinculante das normas constitucionais afeta igualmente as relações entre cidadãos – e não somente a relação cidadão-Estado, o que é particularmente relevante em se tratando de normas constitucionais que prescrevem direitos fundamentais, pois estas podem ser violadas por particulares, ocasião em que a jurisdição também é via para resolver os litígios ¨interprivados¨.[22]
A aplicabilidade das normas constitucionais, especialmente as que contêm direitos fundamentais nas relações entre os particulares não foi pacífica, vencendo uma larga tradição que associa tais direitos unicamente aos conceitos negativos da liberdade, em oposição ao Estado.
Tal se relaciona significativamente com a configuração do papel que o Estado possa ter na sociedade: de um lado, como substituto da “autoproteção privada” e que se adapta perfeitamente à noção liberal dos direitos fundamentais; de outro, como promotor de determinados valores sociais que a Constituição é portadora e que são “primordiais e básicos para a vida coletiva” - algo que não se encaixa perfeitamente na tradição liberal (GARCÍA DE ENTERRÍA, 1994, p. 98)[23].
A ideia da eficácia dos direitos constitucionais, não apenas frente ao Estado, mas também frente aos particulares é tributária da doutrina alemã (¨Drittwirkung der grundrechte¨ ou eficácia horizontal). Por esta doutrina, os valores constitucionais que vinculam os juízes operam no direito privado, em uma eficácia indireta ou mediata (ALEXY, 1997 p. 512-5).
Com base no pensamento de Nipperdey e Schwabe, ALEXY traz uma nova abordagem a respeito do tema. Nipperdey entende que das normas constitucionais, tomadas objetivamente, fluem diretamente também direitos privados subjetivos do indivíduo. Já Schwabe pensa que os efeitos “interprivados” das normas constitucionais se explicam como conseqüência dos direitos subjetivos públicos.
ALEXY introduz o conceito de “princípio jusfundamental” como conseqüência do caráter objetivo das normas constitucionais. Para ele, as normas constitucionais, como qualquer norma, podem se dividir em princípios e regras. Os princípios são “mandatos de otimização” que estão caracterizados pelo fato que podem ser cumpridos em diferentes graus e que as medidas devidas de seu cumprimento não somente dependem das possibilidades reais, mas, também, das jurídicas em que “o âmbito das possibilidades jurídicas é determinado por princípios e regras opostas”.[24]
Já as regras são “normas que podem ser cumpridas ou não”. Assim, “se uma regra é válida, então há de se fazer exatamente o que ela exige, nem mais, nem menos”, pois as regras “contém determinações no âmbito do fático e do juridicamente possível¨.[25] A diferença entre regras e princípios é qualitativa – e não de grau, o que é particularmente relevante no caso de colisão de princípios ou de conflito de regras. Como comenta JOSÉ FELIPE LEDUR,
o
que transparece dessa observação é que os princípios são normas que podem ser
operadas com elasticidade, ao passo que as regras, por serem rígidas, somente
permitem emprego estrito. (...) Colisão indica a presença de tensões que,
todavia, admitem a coexistência num mesmo espaço, enquanto conflito elimina
qualquer possibilidade de campo comum de incidência. Na realidade, a colisão de
princípios importa o afastamento de um deles, quando se está em face da solução
de um caso concreto. Entretanto, isso não determina que o princípio excluído da
aplicação seja considerado incompatível com a ordem jurídica. Princípios contrários
convivem no ordenamento jurídico.
(LEDUR, 1998, p. 46).
Para ALEXY, em um plano objetivo, as normas jusfundamentais, além de serem regras, se comportam como princípios que se irradiam a todo sistema jurídico. Sem desconhecer a realidade das normas infraconstitucionais, os princípios jusfundamentais “conduzem a direitos e deveres em relações entre iguais que, devido a vigência destes princípios em relação à Constituição, são necessários, mas que, sem sua vigência, não o seriam”[26].
Buscando unificar as diversas doutrinas sobre a eficácia horizontal das normas fundamentais, ALEXY chega à conclusão que, na prática, estas atuam com eficácia direta ou imediata nas relações cidadão-cidadão.
O que é um efeito imediato em terceiros? Para ALEXY,
Há de se excluir, de pronto, duas coisas. Primeiro
(...) não é consistente pensar que os direitos do cidadão frente ao Estado
sejam, ao mesmo tempo, direitos do cidadão frente aos cidadãos (...) Segundo,
não se pode chegar a um efeito imediato em terceiros, apenas trocando o
destinatário dos direitos frente ao Estado. (...) Por efeito imediato em
terceiros há de se entender uma terceira coisa. Ela consiste em que, por razões
jusfundamentais, na relação cidadão-cidadão existem determinados direitos e
não-direitos, liberdades e não-liberdades, competências e não-competências que,
sem estas razões, não existiriam. Se assim se define o conceito de efeito
imediato em terceiros, da teoria dos efeitos mediatos em terceiros e dos
efeitos em terceiros através da mediação do Estado, surge um efeito imediato em
terceiros. (ALEXY, 1997,
p.520).[27]
Esta dupla função que as normas podem desempenhar (como fonte de direitos subjetivos frente ao Estado ou como emanação de princípios objetivos que alcançam também as relações privadas) é claramente evidenciada nas situações em que se há de proteger o cidadão de intervenção de terceiros. Nesse caso, conforme ALEXY, o direito do cidadão a uma ação concreta do Estado contra a intervenção de um terceiro configura um ”direito à proteção” que se afasta do conceito clássico de “direito de defesa” – que é um direito frente ao Estado para que este se omita de intervir. No caso, não se pede a abstenção do Estado, mas, ao contrário, se trata de um direito frente ao Estado para que este atue contra terceiros, para que estes omitam intervenções. Trata-se, portanto, de suplantar o pensamento tradicional que resiste a reconhecer que, mesmo no direito privado ou penal, é possível sustentar a eficácia horizontal ou imediata das normas constitucionais.
As objeções à eficácia dos direitos fundamentais em relação a terceiros são ainda maiores quando se trata dos direitos sociais. Para alguns autores, como CASCAJO CASTRO, “os direitos socais somente obrigariam os terceiros privados quando assim o dispusessem os poderes públicos”[28], ao passo que GARCÍA MACHO afirma que “a introdução de particulares no círculo de destinatários dos direitos fundamentais sociais significaria o fim da liberdade pessoal, da autonomia privada, da liberdade de contrato e do direito privado¨[29]. PEREZ LUÑO é enfático ao sustentar a eficácia dos direitos sociais frente a terceiros como uma conseqüência do valor da igualdade material inerente ao Estado Social de Direito, o que leva “a atuação dos poderes públicos a fim de fazer eficaz a liberdade e a igualdade dos indivíduos¨.[30]
Admitido que as normas constitucionais prescrevam ao Estado ações positivas, de proteção dos valores sociais básicos, inclusive contra terceiros, a polêmica se traslada para a efetividade das normas de conteúdo positivo ou promocional, em especial relativamente aos direitos fundamentais.
Os direitos sociais, conforme OSCAR OLVERA, são direitos
do homem contextualizado (contrapondo-se
à concepção abstrata dos direitos humanos), de titularidade individual e coletiva,
cuja finalidade é garantir um piso social básico (a satisfação das necessidades mais
importantes e relevantes para a vida humana) e de tendência universalista (de caráter evolutivo, destinam-se a
albergar a maior quantidade possível de necessitados, mesmo que não cidadãos).
Desta forma, potencialmente, podem ser utilizados por qualquer pessoa em
determinadas circunstâncias, embasados na consciência social de viver todos em
dignidade (fator de coesão social, com base na solidariedade social)
(OLVERA, 1998, p. 257-261).
Há intensa polêmica quanto à eficácia dos direitos sociais,
na medida em que permitam ou não sua aplicação direta, independentemente da
existência de norma de hierarquia inferior que a regulamente. Como se disse, há
quem sustente a natureza meramente programática dos direitos sociais.[31]
Quando se trata de fazer valer os direitos sociais constitucionais, em especial os ligados ao trabalho, de tal maneira, a tensão política que acompanha toda a evolução do direito do trabalho se translada para uma polêmica jurídica sobre as reais possibilidades de efetivação desses direitos constitucionais. Alguns autores, com base na judiciabilidade deficiente dos direitos sociais, negam a eles qualquer pretensão de vinculação dos poderes públicos, entendendo que a definição de seu conteúdo é um assunto da política. Outros, como CARL SCHMITT, apontam uma suposta incompatibilidade dos direitos sociais como outros valores constitucionais, como a liberdade.[32]
Os direitos sociais são conhecidos como “direitos de segunda dimensão”[33] e compreendem os direitos de créditos ou de prestações, ou seja, direitos que tornam o Estado (e, em decorrência, também os particulares) devedores dos indivíduos, particularmente os menos favorecidos, exigindo ações concretas com o fim de assegurar a estes um mínimo de igualdade e bem-estar social.
Ao contrário de outras constituições (com a Lei Fundamental de Bonn, por exemplo), a Constituição brasileira cataloga uma série de direitos sociais, no Capítulo II do Título II, sendo que este dispõe sobre Direitos e Garantias Fundamentais. Nesse capítulo estão contidos os artigos 6º. (que descreve genericamente os direitos sociais, enumerando expressamente os relativos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, a previdência social, à proteção à maternidade, à infância e à assistência aos desamparados), 7º. (que prevê os direitos trabalhistas), 8º. (que dispõe sobre direitos e garantias às associações sindicais), 9º. (que garante o direito de greve), 10º. (que assegura a participação de trabalhadores e empregados, por suas entidades representativas, em colegiados de órgãos públicos) e 11 (que prevê a eleição de representante dos trabalhadores em empresas com mais de 200 empregados para fins de entendimento direto).
Optou, portanto, o
legislador constituinte pela inclusão dos direitos sociais no capitulo dos
direitos fundamentais, assegurando-os a todos os trabalhadores urbanos e
rurais, ao lado de outros que visem à melhoria de sua condição social. Pelos
mesmos motivos, os direitos sociais tem aplicação imediata, conforme artigo 5o,
parágrafo 1o da Constituição Federal.[34]
Resumidamente, em ALEXY se pode dizer que os direitos fundamentais sejam aqueles que se extraem de normas de direito fundamental ou jusfundamentais. Já as normas jusfundamentais são aquelas expressas nas disposições de direito fundamental contidas essencialmente na Constituição. Tal definição contém um critério formal de norma fundamental que se afasta de critérios materiais ou estruturais (que, por exemplo, restringiriam as normas jusfundamentais àquelas que expressassem os direitos individuais de liberdade ou que limitariam essas normas aquelas que conferissem direitos subjetivos).
Assim, não deve pairar dúvidas de que, na Constituição brasileira, os direitos sociais são normas jusfundamentais (SARLET, 2001, p. 10). É possível identificá-los como integrados a um conjunto de normas que constituem uma “ordem objetiva” constitucional, superando-se uma visão tradicional que procura diferenciar os direitos sociais dos direitos políticos. Segundo CANOTILHO,
tradicionalmente,
afastavam-se dos direitos de personalidade os direitos fundamentais políticos e
os direitos a prestações, por não serem atinentes ao ser como pessoa. Contudo,
hoje em dia, dada a interdependência entre o estatuto positivo e negativo do
cidadão e em face da concepção de um direito geral de personalidade como direito à pessoa ser e à pessoa devir,
cada vez mais os direitos fundamentais tendem a ser direitos de personalidade e
vice-versa.
(GOMES
CANOTILHO, 1991, p. 532).
Pois existe, conforme SASTRE IBARRECHE “uma tendência cada vez mais
estendida, que propõe a superação deste enfoque, eminentemente reducionista e
baseado em uma contraposição, por uma concepção mais integradora que proclama a
unidade dos direitos fundamentais¨ (SASTRE
IBARRECHE, 1996, p. 102).
Ainda conforme este autor espanhol, a única finalidade de todos os direitos fundamentais, sem exceção, radica na “profundização e potencialização” da liberdade dos indivíduos e dos grupos integrados por eles. De tal modo, não existem direitos de liberdade, por um lado e direitos de igualdade, por outro. Todos os direitos são de liberdade, inclusive aqueles que aportam um elemento igualitário, como é o caso dos direitos econômicos e sociais, ao potenciar e reforçar dito elemento de liberdade para todos. Assim, se esfumaçam as diferenças últimas entre direito-autonomia, direito-participação e direito prestação, de forma que todos os direitos aparecem na forma de um catálogo concreto de direitos fundamentais, marcados por sua natureza constitucional e pelo meio dos quais se pretende garantir o papel central do cidadão no processo político com um triplo e simultâneo objetivo:
1º. – respeitar sua esfera privativa de vida pessoal, não passível de coerção pelo poder político;
2º. - erigir o cidadão em dominus da coisa pública; sujeito – e não objeto da mesma, mediante o reconhecimento de sua determinante participação na formação da vontade política do Estado e nas instâncias pública e socialmente relevantes e
3º. – organizar um sistema de prestações positivas do Estado em favor do cidadão, que tornem permanentemente possíveis sua existência, seu livre desenvolvimento e a manutenção de seu papel central no sistema. (SASTRE IBARRECHE, 1996).
Dessa forma, não faz mais muito sentido procurar justificar a eficácia dos direitos sociais por uma suposta diferença tipológica entre eles.
Entretanto, na doutrina tradicional, há uma clara diferenciação entre os direitos sociais “latu sensu” (englobando os sociais propriamente ditos, econômicos, culturais e, mesmo, os ambientais) e os direitos civis e políticos.
Os direitos sociais se encontram como direitos a prestações ou de promoção, o que exige preponderantemente a ação do Estado. Se o constitucionalismo clássico “desconfiava do poder”, proclamando que os direitos e liberdades exigiam um papel abstencionista por parte do Estado, o constitucionalismo social (do qual os direitos sociais são o principal instrumento) pede a presença do Estado como principal agente de transformação social, depositário do bem comum. Isso implica na superação do esquema liberal do Estado não-interventor, pois a transformação da sociedade a que aspira ao constitucionalismo social exige que o Estado tenha um papel ativo (MARTÍNEZ ESTAY, 1997, p. 75).
Contra uma opinião bastante difundida de que os
direitos sociais, ao contrário dos direitos civis e políticos, não passariam de
meras declarações programáticas, de compromisso político (ou, mesmo, uma fraude
tranquilizadora), é de se sustentar que os direitos econômicos, sociais e culturais
geram obrigações concretas ao Estado e, em muitos casos, tais obrigações podem
ser exigidas judicialmente. Antes de tudo, é preciso assinalar que a divisão
entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e
culturais deve ser entendida como relativa. Tanto uns como os outros podem
levar a diferentes níveis de obrigações estatais e possuem, pelo menos, alguns
aspectos que podem ser exigidos judicialmente.
O argumento central dos que diferenciam essencialmente
os direitos sociais dos civis e políticos se refere à natureza supostamente
distinta entre os chamados “direitos de promoção” e os chamados “direitos de
defesa”.
Em uma visão tradicional, trata-se de
diferenciar direitos de defesa de direitos de promoção. Nesse sentido, de um
ponto de vista do direito analisado, pode-se afirmar que, no caso dos chamados direitos de defesa,
ao direito de liberdade de um determinado sujeito se corresponde um dever de
caráter negativo para todos os demais, incluído o Estado, que se obriga a não
realizar atos que afetem o âmbito da autonomia do sujeito (PEÑA FREIRE, 1997, p. 158-9).
As possibilidades de o Estado exigir o cumprimento dos deveres de abstenção seriam altas, porque estes se cumprem por simples inação, o que permite que se transfira às partes da relação jurídica todo o peso da denotação da vulneração, limitando-se a ação positiva do Estado à aplicação de alguma medida de caráter coativo que impila o infrator a cessar sua atividade lesiva quando esta se haja verificado como tal. Em outro caso, quando se trata de direito a prestações, seria necessária uma complexa atividade estatal para denotação ou comprovação de fato, “suscetível de diversas expressões ou de interpretações também variáveis”. Pois, ao não estar precisamente delimitado o conteúdo do direito envolvido, tampouco se pode limitar os atos que o vulneram. Assim, conforme PEÑA FREIRE,
somente
a omissão de todos os atos imagináveis é causa suficiente para entender que o
direito tenha sido vulnerado, enquanto que qualquer ato do poder público poderá
ser entendido como suficiente para a realização do direito. (PEÑA FREIRE, 1997, p. 159)[35].
O mesmo raciocínio se encontra em ALEXY, onde os direitos de
liberdade ou de autonomia assumem a forma de “expectativas negativas” a que
corresponde o dever dos poderes públicos de “não fazer” (proibições), ao passo
que os direitos sociais impõem deveres de “fazer” (obrigações) e sua violação
não se manifesta, como no caso dos de liberdade, na falta de validade de atos
(legislativos, administrativos ou judiciais) – que podem ser anulados pela via jurisdicional,
mas em “lacunas de disposições e/ou carências que reclamariam medidas
coercitivas nem sempre acionáveis” (FERRAJOLI,
1999, p. 109, trad.)
Nas palavras de ALEXY, os direitos de defesa (que exprimem direitos a ações negativas) são distintos dos direitos de proteção (que exprimem direitos a ações positivas) porque exatamente estes têm carga promocional, o que afeta consideravelmente sua justiciabilidade. A dos primeiros criaria menos problemas que a dos segundos por razões teórico-estruturais: os direitos de defesa são para os destinatários proibições de destruir, de afetar negativamente, etc.; os direitos a prestações são para os destinatários mandatos de proteger ou promover algo. Assim,
Está-se proibido destruir ou afetar algo, então
está proibida toda ação que constitua
ou provoque uma destruição ou afetação. Em troca, se está ordenado proteger ou promover algo, não está então ordenada toda ação que constitua ou provoque uma
proteção ou promoção.
(ALEXY, Robert. “Teoría de los derechos fundamentales”. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,
1997, p.
446, trad.)
De tal raciocínio, conclui-se que o Estado, como destinatário das normas de proteção – mais propriamente o legislador –, tem um amplo campo de ação dentro do qual pode eleger como deseja cumprir com o mandato entre as várias opções disponíveis que importem em uma proteção ou promoção do direito.
Mais uma vez, aqui, pretende-se ver uma diferença
entre direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais, de
forma a identificar nestes, por sua origem, um “defeito de nascimento” que, na
prática, os impossibilite de alcançar sua exigibilidade. Em um raciocínio equivocado,
desconhece-se que os direitos de defesa também necessitam da proteção do Estado
e, portanto, exigem um “fazer” (prestações positivas) – para além da mera
omissão –, o que, por sua vez, também demanda recursos do Erário Público. Se
não fosse assim, sequer se poderia pensar em “direitos” civis e políticos, pois
as prescrições normativas se limitariam a impor obrigações negativas ou sanções
(COURTIS, 2009).
Por outro lado, como não se pode falar em mera omissão de agir também no caso dos direitos civis e políticos, certamente, nesses casos, pode-se a eles imputar o mesmo problema apontado por ALEXY aos direitos sociais: haverá sempre um campo de ação dentro do qual o Estado poderá eleger sua ação protetiva, sem que se possa pretender que ser admissível, no exercício de seu dever de agir (e, assim, necessariamente, escolher por uma das ações possíveis – parece racional que escolha a que seja mais efetiva!), o Estado omita-se de agir, alegando que a escolha deve ser feita pelo legislador.
Em realidade, a noção de radical diferença entre direitos sociais e
direitos civis e políticos coincide com a noção liberal de “Estado mínimo”,
para a qual ao Estado incumbiria lidar com as questões de justiça, de segurança
pública e de defesa. Tal posição já não mais se sustenta, nem mesmo no campo do
pensamento liberal. Há claramente uma inter-relação entre as obrigações
positivas e negativas e tal ocorre também quanto se trata de garantir a
liberdade individual. As instituições políticas, judiciais, de segurança
pública e de defesa necessitam também, para consecução de seus fins, que
exercitem uma larga série de obrigações positivas. Da mesma forma, exige-se que
o Estado desenvolva um papel ativo na criação das condições institucionais e
legais para consolidação, funcionamento e expansão do mercado. O mesmo ocorre
quando se pensa em outros direitos civis e políticos, como o do devido processo
legal, do acesso à justiça, do direito de casar, de associar-se ou de eleger e
ser eleito.
Portanto, mesmo os direitos civis e políticos necessitam de uma intensa
atividade estatal destinada a que outros particulares não interfiram nessas
liberdades, bem como para o restabelecimento das liberdades ou, mesmo, para a
reparação dos prejuízos decorrentes de interferências indevidas. Todas essas
funções reclamam obrigações positivas e dispêndio de recursos públicos – e não
mera abstenção do Estado.
Assim, se pode afirmar que as diferenças entre os
direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais são apenas de grau – e não
substanciais. Admitida a impossibilidade de diferença substancial entre esses
dois tipos de direitos, é de se reconhecer que uma distinção para fins
meramente ordenatórios estaria no fato de o núcleo dos direitos econômicos,
sociais e culturais não prescindir da ação estatal. Ainda que, tal como os
direitos civis e políticos, os direitos econômicos, sociais e culturais
constituem um complexo de obrigações positivas e negativas, pode-se dizer que a
prestação estatal é o núcleo, o conteúdo essencial dos direitos e, assim, a
inação do Estado supõe automaticamente sua denegação.
Por outro lado, é de se observar que muitos direitos tradicionalmente
catalogados como direitos civis e políticos têm sido recentemente
reinterpretados dentro de uma perspectiva social. Assim, o surgimento do
direito do consumidor, a formulação do direito de informação para além da mera
liberdade de imprensa e como direito de todo cidadão, a limitação do direito de
propriedade em função do respeito ao meio ambiente, respeito ao direito
ambiente – tudo levou a tornar ainda mais sem sentido a distinção entre
direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais. Como
resumo, pode-se entender que tal distinção tem um valor meramente
classificatório: alguns direitos, por suas características principais, remetem
mais a obrigações negativas pelo Estado (direitos civis e políticos); outros se
caracterizam fundamentalmente por exigir obrigações positivas do Estado
(direitos econômicos, sociais e culturais). No espaço intermediário entre os
dois tipos se situam um espectro de direitos que combinam obrigações positivas
e negativas em proporções diversas, sem que se possa enquadrá-los em um ou
outro tipo, exceto como resultado de uma decisão mais ou menos arbitrária.
Autores como Fried van Hoof questionam a ideia de que somente ao Estado
cabe satisfazer os direitos econômicos, sociais e culturais. Entendendo que é o
indivíduo o sujeito ativo de todo desenvolvimento econômico e social,
incumbiria ao Estado (em um esquema similar tanto aos direitos econômicos,
sociais e culturais como aos direitos civis e políticos) as obrigações de respeitar, proteger, garantir e promover o direito em questão
(BARRIGUETE, 2008). As obrigações de respeitar se definem pelo dever do
Estado de não interferir, obstaculizar ou impedir o acesso ao gozo dos bens que
constituem o objeto do direito. As obrigações de proteger consistem em impedir que terceiros interfiram,
obstaculizem ou impeçam o acesso a esses bens. As obrigações de garantir supõem assegurar que o titular
do direito aceda aos bens quando não puder fazê-lo por si mesmo. As obrigações
de promover se caracterizam pelo
dever de desenvolver condições para que os titulares do direito acedam ao bem.
Nenhum desses níveis pode se caracterizar unicamente através de obrigações
positivas/negativas ou obrigações de resultado/de meios, o que reforça a
unidade entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e
culturais. O debilitamento da distinção cabal entre os dois tipos põe em
questão a principal objeção para a caracterização dos direitos econômicos,
sociais e culturais como direitos exigíveis.
Por outro lado, as obrigações positivas não se limitam às obrigações
prestacionais (que estabelecem uma relação direta entre o Estado e o
beneficiário da prestação e que exigem a disponibilização de reservas
orçamentárias), mas podem implicar em outro tipo de obrigações, em que o Estado
assegura o gozo do direito por outros meios, em que podem tomar parte ativa
outros sujeitos obrigados. Alguns desses direitos podem se caracterizar pela obrigação
do Estado de estabelecer algum tipo de regulação, sem a qual o exercício do
direito não tem sentido. No caso, a obrigação do Estado se situa, não em
despender recursos, mas estabelecer normas que concedam relevância a uma
situação determinada ou assegurar a existência de uma estrutura que se
encarregue de por em prática uma atividade determinada. Por exemplo, o direito de
criar associações implica a obrigação de não ingerência por parte do Estado. Em
outros casos, a obrigação exige que a regulação estabelecida pelo Estado limite
ou restrinja as faculdades das pessoas privadas ou lhes imponha obrigações de
algum tipo. Trata-se de uma regulação que se estende também aos particulares. Por
exemplo, o direito do trabalho. Por fim, o Estado pode cumprir sua obrigação
provendo a população de serviços, seja de forma exclusiva, seja através de
formas de cobertura mista que incluam, além de aporte de recursos públicos, uma
regulação em que certas pessoas privadas se vejam afetadas através de
restrições, limitações ou obrigações. Como exemplo, o sistema público de saúde.
Assim, os direitos econômicos, sociais e culturais envolvem um espectro
amplo de obrigações estatais e, conseqüentemente, falso é o argumento de que
sejam escassas as possibilidades de que tais direitos sejam exigíveis
judicialmente. Cada tipo de obrigação, por sua vez, oferece um leque de ações
possíveis, que vão desde a denúncia do não cumprimento de obrigações negativas,
passando por diversas formas de controle de cumprimento de obrigações positivas
e negativas, até chegar à exigência de cumprimento de obrigações positivas não
cumpridas.
Superada a ideia liberal de não-intervenção do Estado, nova polêmica se cria em torno de que forma o Estado deve assegurar o gozo dos direitos fundamentais sociais. O conteúdo promocional das normas sociais pode ter distintos níveis de dificuldade para sua realização por parte do Estado, como destinatário de tais normas.
Os direitos fundamentais sociais necessitam distintas formas de intervenção pública para sua concreção. Tal diferença se mostra expressiva quando se trata de definir a existência dos chamados “direitos subjetivos públicos”, conforme clássica definição de JELLINEK.[36]
Alguns chegam a desacreditar das possibilidades de alcançar a efetividade dos direitos fundamentais através dos direitos subjetivos. Refletindo sobre aplicabilidade direta de tais direitos, tais autores, por entender difícil compatibilizar Estado de Direito com Estado Social, negam tal possibilidade, propondo que, “desde a Constituição somente se pode amparar o Estado de Direito e que o Estado Social é uma questão própria da legislação e da administração” (MARTÍNEZ ESTAY, 1997. p. 60). Nega-se, assim, a eficácia direta das normas constitucionais sociais que, desse modo, necessariamente teriam de ser desenvolvidas por meio de legislação ordinária.
A melhor doutrina,
entretanto, em geral, aceita a eficácia direta das normas fundamentais sociais,
bem como o efeito imediato de tais direitos fundamentais a ser promovido por
meio da ação do Estado. As dificuldades residem, mais uma vez, na natureza e
alcance de tal ação estatal. A título de ilustrar essa polêmica, dois autores
são trazidos à colação, problematizando as possibilidades de judiciabilidade
dos direitos sociais: PEÑA FREIRE (PEÑA
FREIRE, 1997, p. 154) e FERRAJOLI (FERRAJOLI,
1999, p. 142-5).
PEÑA FREIRE entende que os direitos subjetivos não oferecem um nível de garantia adequado aos direitos fundamentais, pois são “expedientes de garantia individual, reacional, negativo e processual” e, portanto, são uma garantia válida para relações com estas mesmas características, ao passo que “a centralidade da pessoa que vincula o poder político e o sistema jurídico” exige-se a “maximização da garantia”, de forma que se atinja um nível mais elevado de garantia do que a simples habilitação processual
Apontando as dificuldades para tomar os direitos subjetivos em peça-chave de um sistema de garantia constitucional, o autor assinala os óbices políticos, axiológicos e estruturais que deduzem o caráter negativo de reacional destes direitos.
As dificuldades políticas são conseqüência de que os direitos subjetivos necessitam uma “plasmação normativa expressa realizada por um órgão competente para tanto”, fato que remete para as contingências de assinalação normativa que não tem caráter mecânico ou técnico, pois desenvolvida por decisões de órgãos politicamente interessados. Assim, é possível uma “certa desvio” de um sentido constitucional do ordenamento que não seria senão a resultante de maximizar as possibilidades de efetividade e garantia da própria constituição. Portanto, “se vincularmos a garantia de direitos e interesses dos cidadãos à assinalação de direitos subjetivos realizadas pelo poder político mediante decisões normativas concretas e expressas, quedará em mãos deste poder a competência para a determinação do campo de possibilidades da proteção jurídica, quer dizer, o controle da função de garantia. À guisa de conclusão, “somente a existência de um poder independente, quer dizer, funcionando para uma somente finalidade, como é a garantia, desvinculado do sentido político do ordenamento e que atua com posteridade à verificação de desvio de direitos pode assumir as funções de garantia”. Como se vê, o pessimismo de PEÑA FREIRE não se volta tanto contra a atuação do Judiciário, mas, essencialmente, se volta contra a própria ação estatal na assinalação de direitos subjetivos em cumprimento ao mandato constitucional de desenvolvimento dos direitos fundamentais sociais.
Ainda conforme o referido autor, as dificuldades axiológicas se centram na não-adequação do direito subjetivo – “expediente nascido para a tutela de situações jurídicas de desigualdade (fundamenta-se na existência da desigualdade como conseqüência das distintas posições jurídicas entre os indivíduos) para a proteção e garantia de situações de igualdade, próprias dos direitos fundamentais. Estes atuam como as garantias constitucionais do valor igualdade, quer dizer, como técnicas mediante as quais a igualdade (formal e material) resulta assegurada no ordenamento. Sutilmente, aqui, pretende-se que a igualdade assegurada pelos direitos fundamentais não deve ser entendida como tão extensa que se mostre, de algum modo, como acionável para a solução de situações jurídicas de desigualdade resultante de suas distintas posições na sociedade.
Já as dificuldades estruturais são, ainda conforme PEÑA FREIRE, de três tipos: a) a natureza externa ao ordenamento jurídico dos direitos fundamentais (que remetem a uma liberdade entendida como faculdade originária e prévia ao ordenamento jurídico) e a natureza positiva e artificial dos direitos subjetivos (criados ou postos por um ato jurídico); b) os direitos subjetivos assinalam ou autorizam normativamente a um ou demais sujeitos para realizar determinados atos jurídicos (titularidade) ao passo que as faculdades inerentes aos direitos fundamentais como liberdades não obedecem a título ou causa jurídica alguma e corresponde a todos seu desfrute, que se realiza sem necessidade de aquisição ou imputação normativa e mediante comportamentos meramente lícitos; c) finalmente, a capacidade de disposição dos direitos subjetivos se contrapõe à indisponibilidade dos direitos fundamentais.
Mais uma vez, aqui, de maneira sofisticada, os direitos fundamentais são elevados a uma altura a que os seres humanos concretos não logram alcançar, já que resultam de liberdades “originárias e prévias ao ordenamento jurídico”, por definição “comuns a todos os indivíduos”, sem que se possa individualizar e, ao mesmo tempo, “indisponíveis” pela vontade individual.
Claramente aposta PEÑA FREIRE no reconhecimento – não de direitos subjetivos – mas de interesses legítimos[37], que, nas suas próprias palavras, se caracterizariam por sua estrutura imperfeita e por permitir somente uma tutela indireta – já que se refere ao exercício de uma potestade administrativa em que não são afetados direitos substanciais. Assim, o interesse legítimo teria uma “natureza instrumental, vinculada ao procedimento administrativo e somente se veria expressada a partir da derivação ou exercício ilegítimo do poder público administrativo”.
Como conclusão, segundo PEÑA FREIRE, ¨para o caso dos direitos sociais (..) o mecanismo do direito subjetivo é tendencialmente ineficaz para assegurar um elevado grau de garantia. As causas apontam para que não seja possível determinar, nem precisar normativamente as faculdades inerentes ao direito – ademais de ir referido a obrigações de um sujeito distinto do titular – como tampouco é possível enumerar os pressupostos da vulneração”. Assim, há de se buscar a efetivação dos direitos sociais para além da “mera redução das garantias constitucionais a intentos atributivos de direitos subjetivos tecnicamente não acionáveis ou obrigações políticas não coercíveis”.
Em um certo contraponto a tal ceticismo, FERRAJOLI entende que as dificuldades para as garantias dos direitos sociais não são razão suficiente para negar o reconhecimento destes como verdadeiros direitos. Para ele, a razão jurídica atual, para além da tradição juspositivista clássica, beneficiando-se dos progressos do constitucionalismo do século passado, pode hoje configurar e construir o direito como “um sistema artificial de garantias constitucionalmente pré-ordenado para a tutela dos direitos fundamentais” .
A garantia é um conceito central no pensamento de FERRAJOLI. Segundo ele, em sentido amplo, os direitos fundamentais podem ser considerados estratégias dirigidas a proteger interesses relevantes, às vezes vitais. A proteção consiste, basicamente, na invocação desses interesses para que alguém resulte obrigado a não interferir ou a atuar positivamente na preservação dos mesmos, criando-se, conforme a formulação e o alcance prático das obrigações, diferentes níveis de garantia dos direitos. A inexistência ou a insuficiência de tais garantias em alguns desses níveis pode reduzir os direitos, no melhor dos casos, a simples declarações bem-intencionadas e, no pior dos casos, em velado instrumento de manipulação de poder. Desde ponto de vista, não há direitos sem deveres correlatos e, portanto, sem sujeitos que se obriguem a respeitá-los. Mas, por outro lado, não há sujeitos obrigados sem sujeitos capazes de obrigar.
Com base em tais premissas, FERRAJOLI se propõe a completar sua teoria formal ou estrutural dos direitos fundamentais, descrevendo uma “lógica interna”, de certo modo abstrata, de como se operam os direitos no constitucionalismo contemporâneo. Nesta teorização, a relação entre direitos e garantias ocupa um papel destacado.
Conforme FERRAJOLI, os direitos subjetivos se caracterizam como
expectativas de prestações e de não-lesões frente aos poderes públicos e
privados. As garantias, por sua vez, são apresentadas como obrigações
destinadas à proteção dos direitos. Estas obrigações podem assumir conteúdo de
deveres positivos (de fazer) ou negativos (de não fazer). FERRAJOLI distingue dois
tipos de garantias: as primárias (legais) e as secundárias (jurisdicionais). As
garantias primárias compreendem as obrigações em que, em matéria de direitos
fundamentais, as normas se impõem ao legislador (e, indiretamente, ao
administrador). As garantias secundárias, por sua parte, estão constituídas por
deveres em que, também em relação aos direitos, as normas destinam-se aos
órgãos jurisdicionais. A relação entre umas e outras seria de subsidiariedade,
ou seja, as garantias secundárias operariam somente em caso de insuficiência ou
não cumprimento das garantias primárias. Ambas seriam, em suma, deveres a cargo
dos poderes públicos, isto é, garantias institucionais.
Assim, não se deve confundir conceitualmente “direitos subjetivos” (que são as expectativas positivas - de prestações- ou negativas – de não-lesões-) atribuídas a um sujeito por uma norma jurídica com as garantias (deveres correspondentes a estes direitos). A distinção entre as garantias primárias e garantias secundárias se baseia na teoria de Kelsen, para que as primeiras consistem em obrigações (de prestação) e proibições (de lesões); as segundas são as obrigações de reparar ou sancionar judicialmente as lesões dos direitos, quer dizer, as violações de suas garantias primárias. Para Kelsen, “não há direito subjetivo em relação a uma pessoa sem o correspondente dever jurídico de outra” (garantia primária). Por isso, “em caso de violação, incumbe ao juiz aplicar a sanção (garantia secundária). Desta maneira, não há direitos se estes estão desprovidos de garantias.
A teoria kelseniana é muito apropriada para explicar os direitos patrimoniais, pois toma estes como figuras paradigmáticas do direito subjetivo. Entretanto, não pode dar conta dos chamados sistemas nomodinâmicos em que, teoricamente, é possível tanto a existência de antinomias (contradições entre normas) como de lacunas (pela ausência de normas que propiciem a completude). Em tais sistemas – que são próprios para o caso dos direitos fundamentais -, não se pode meramente negar a existência do direito ante a constatação da presença de uma antinomia (normas contraditórias) ou de uma lacuna (como a ausência de garantias secundárias).
Conforme o autor citado, nem sempre se estabelece uma relação normativa entre as garantias primárias e as garantias secundárias. Assim, ante a inexistência das segundas não há porque negar a existência das primeiras, mas, ao contrário, há de se apontar para uma “inobservância dos direitos positivamente estipulados, porque o que ocorre é uma indevida lacuna que deve ser preenchida pelo legislador”[38].
Como conseqüência prática de tais posicionamentos teóricos, nada autoriza concluir que, tecnicamente, os direitos sociais não sejam garantizáveis do mesmo modo que os demais direitos porque os atos requeridos para sua satisfação seriam inevitavelmente discrecionais, não formalizáveis ou não suscetíveis de controles e coerções jurisdicionais.
Devem-se buscar as razões da não-efetividade dos direitos sociais, portanto, no âmbito da vontade política – e não da impossibilidade técnico-jurídica.
Segundo o autor,
es indudable que la ciencia del derecho no ha
elaborado aún - frente a las violaciones que derivan de la omisión de
prestaciones - formas de garantía comparables en eficacia y sencillez a las
previstas para los demás derechos fundamentales, tanto de libertad como de
autonomía. A diferencia de estos últimos derechos, que asumen la forma
de expectativas negativas frente a las que corresponde el deber de los poderes
públicos de no hacer (o prohibiciones), los derechos sociales imponen deberes
de hacer (u obligaciones). Su
violación no se manifiesta por tanto, como en el caso de los de libertad, en
falta de validez de actos - legislativos, administrativos o judiciales - que
pueden ser anulados por vía jurisdicional, sino en lagunas de disposiciones y/o
carencias en las prestaciones que
reclamarían medidas coercitivas no siempre accionables.
(FERRAJOLI,
1999, p. 109)
Conclui FERRAJOLI que a existência de direitos constitucionais não supõe somente a obrigação do legislador de preencher as lacunas de garantias com disposições normativas e políticas orçamentárias orientadas a sua satisfação, mas também ”o estabelecimento de tantas outras diretivas dotadas de relevância decisiva na atividade interpretativa da jurisprudência ordinária e, sobretudo, na dos Tribunais superiores”[39].
Portanto, para FERRAJOLI, reconhecendo a existência de direitos subjetivos também no campo dos direitos sociais, tudo se resume ao estabelecimento de garantias apropriadas, que, embora incumbam essencialmente ao legislador, não exoneram de responsabilidade também as demais autoridades públicas, inclusive o Poder Judiciário.
A polêmica sobre a efetividade das chamadas “normas programáticas” tende a contaminar o debate em relação a outro tipo de norma, sobre as quais não deveria pairar dúvidas sobre sua força normativa.
Assim, a polêmica em relação aos direitos sociais previstos no art. 6º. da Constituição Federal poderem ou não configurar direitos subjetivos públicos é indevidamente trasladada para os direitos sociais trabalhistas previstos no 7º. da Constituição, que arrola típicos direitos subjetivos, assegurados a todo trabalhador brasileiro. O debate aumenta de intensidade na medida em que, em se tratando de direitos trabalhistas, as normas que o estabelecem têm como destinatário, não somente o Estado, mas também os particulares, o que, recorrentemente, traz a debate uma incabível citação do art. 5º., II da Constituição Federal.[40]
Os direitos sociais trabalhistas previstos no art.
7º. da Constituição Federal, no dizer de LYRIO PIMENTA são “autênticos direitos
fundamentais do cidadão”, pois se tratam de direitos constitucionais a que
correspondem “verdadeiras obrigações do Estado e que devem, à semelhança do que
acontece com os direitos e liberdades tradicionais, ser concebidos como
direitos subjetivos públicos do cidadão” (LYRIO
PIMENTA, 1999, p. 129).
Tendo-se visto que as normas constitucionais
obrigam também aos particulares, não se pode admitir que os direitos sociais
sejam exceção à regra, não obrigando aos particulares e vinculando apenas o
Poder Público. Assim, os direitos sociais podem vincular os particulares, como é
tipicamente o caso dos direitos dos trabalhadores. Assim, toda a sociedade,
além do Estado, é o sujeito passivo correspondente aos direitos sociais (GOMES CANOTILHO; MOREIRA, 1991, p. 128).
Em geral, os direitos sociais trabalhistas
contidos no art. 7º. da Constituição Federal são de aplicação direta, ou seja,
tratam de situações em que o trabalhador é expressamente contemplado pela norma
legal, que lhe atribui determinado direito subjetivo, sendo denominadas, na
conhecida doutrina de JOSÉ AFONSO DA SILVA, como “normas constitucionais de
eficácia plena” (AFONSO DA SILVA, 2000, p.
171).
Segundo tal doutrina, as normas de eficácia plena produzem ou tem a possibilidade de, desde a entrada em vigor da Constituição, produzir todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte entender por regular.
Entretanto, outras normas constitucionais, ainda que plenamente e imediatamente eficazes, expressamente prevêem sua regulação por lei futura, são denominadas ainda conforme AFONSO DA SILVA, “normas constitucionais de eficácia contida” e que se caracterizam por:
I - solicitar a intervenção do legislador ordinário, fazendo expressa remissão a uma legislação futura; mas o apelo ao legislador ordinário visa a restringir-lhes a plenitude da eficácia, regulamentado os direitos subjetivos que delas decorrem para os cidadãos, indivíduos ou grupos;
II- enquanto o legislador ordinário não expedir a normação restritiva, sua eficácia será plena;
III – são de aplicabilidade direta e imediata, visto que o legislador constituinte deu normatividade suficiente aos interesses vinculados à matéria que cogitam;
IV- alguma dessas normas já contém um conceito ético juridicizado (bons costumes, ordem pública, etc.) como valor societário ou político a preservar, que implica a limitação de sua eficácia;
V- sua eficácia pode ainda ser afastada pela incidência de outras normas constitucionais, se ocorrerem certos pressupostos de fato (estado de sítio, por ex.).
Como exemplos de normas deste tipo, AFONSO DA SILVA cita o art. 5º., VIII, que assegura a liberdade de religião e de credo político, onde a menção à regulação do direito fundamental ali previsto por futura lei (“fixada em lei”) não lhe retira sua eficácia plena, nem sua imediatidade.
Já muitos dos direitos sociais previstos no art. 7º. da Constituição Federal são definidos por AFONSO DA SILVA como “normas constitucionais de eficácia limitada” e, assim, equiparadas às normas programáticas.
De fato, dividindo as “normas constitucionais de eficácia limitada” em normas de eficácia limitada de princípio institutivo e normas de eficácia limitada de princípio programático, diz o autor: as primeiras visam dar corpo a órgãos e instituições (normas de princípio orgânico ou organizativo); já as segundas são as normas pelas quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos por seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos) como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado”.[41]
Ainda que o autor reconheça, mesmo às normas programáticas, a possibilidade de produzir direitos subjetivos em seu aspecto negativo, nega-lhes que gerem direitos subjetivos no aspecto positivo.
Referindo-se
a tais normas, AFONSO DA SILVA aponta a possibilidade de sua aplicação
independentemente de lei, mas por outras providências, que lhe dotem, ao menos,
de um mínimo de eficácia. Tais normas
regem, até onde possam (por si ou em coordenação com outras normas
constitucionais) situações, comportamentos e atividades na esfera do alcance do
princípio ou esquema que contém, especialmente condicionando a atividade dos
órgãos do Poder Público e criando situações jurídicas de vantagem ou de vínculo.
(AFONSO
DA SILVA, 2000, p. 178).
Conforme o autor, em conclusão, mesmo tais
normas, a exemplo das programáticas, têm eficácia jurídica imediata, direta e
vinculante nos casos seguintes:
I - estabelecem um dever para o legislador ordinário;
II - condicionam a legislação futura, com a conseqUência de serem
inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem;
III - informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua
ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores
da justiça social e revelação dos componentes do bem comum;
IV - constituem sentido teleológico par a interpretação,
integração e aplicação das normas jurídicas;
V - condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário;
VI - criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou desvantagem.
Da mesma forma, segundo JORGE MIRANDA, mesmo normas ditas
programáticas tem a força jurídica, dentre outras, de determinar “a cessação da
vigência, por inconstitucional, das normas legais anteriores que disponham em
sentido contrário”, bem como de proibir “a emissão de normas legais contrárias
e a prática de comportamentos que venham a impedir a produção dos atos por elas
impostos – donde inconstitucionalidade material em caso de violação”. [42]
Já quanto à possibilidade de reconhecimento, pelo Judiciário,
de direitos subjetivos de aspecto positivo derivados da aplicação direta das
chamadas normas de eficácia contida, esta é negado pela maioria dos autores,
para os quais haveria indevida interferência do Judiciário na atividade
legislativa, reservada ao Parlamento dentro da divisão dos Poderes da
República.
Apesar da inegável aceitação geral de tal doutrina, presencia-se, hoje, o surgimento de novas teorias, nomeadamente o chamado “neoconstitucionalismo”, que retorna à ideia de que todas as normas constitucionais, mormente as que definem direitos fundamentais, têm aplicabilidade direta e imediata independentemente de regulação. Para essa corrente, com base na força normativa da Constituição, “o órgão jurisdicional suscitado deve elaborar a norma jurídica ao caso concreto sempre, não sendo possível mais negar ao sujeito suscitante um direito subjetivo constitucional, sob a argumentação de este não fora ainda regulamentado e que, por isso, não tem eficácia jurídica” (GOMES, 2008).
LYRIO PIMENTA questiona, inclusive, se é possível diferenciar aspectos negativos e aspectos positivos do direito subjetivo, já que o aspecto negativo (direito à atuação negativa do Estado) está presente em qualquer direito subjetivo, ou seja, na faculdade de exigir que o Estado não se comporte de maneira contrária àquela conduta prevista no direito em questão. “Logo, o aspecto negativo é uma das formas de manifestação do direito subjetivo, não se constituindo em espécie autônoma”. Assim, conforme LYRIO PIMENTA, a cada dever jurídico previsto na norma programática corresponde um direito subjetivo público do cidadão.
Trata-se, então, mais uma vez de,
ao invés de negar a eficácia das normas constitucionais, de assegurar a
garantia aos direitos fundamentais nelas previstos.
Quando o legislador deixa de regulamentar direito
previsto em norma constitucional incide em “inconstitucionalidade por omissão”,
o que abre as portas do Judiciário para dois instrumentos previstos pelo
ordenamento jurídico brasileiro: a
ação de inconstitucionalidade por omissão, prevista no art. 103, § 2º., da
Constituição Federal e o
mandado de injunção, disciplinado no art. 5º., LXXI. A primeira é controle
jurisdicional abstrato, “a posteriori” e “erga omnes”, enquanto que o segundo é
meio concreto e difuso para paliar a omissão legislativa. O primeiro destina-se a “colmar as lacunas
inconstitucionais, assegurando a plena eficácia de todas as normas
constitucionais”; o segundo destina-se a ”assegurar a efetividade das normas
constitucionais definidoras de direitos e garantias fundamentais” (LYRIO PIMENTA, 1999, p. 192).
Assim, a ação de inconstitucionalidade por omissão cumpre funções essencialmente institucionais, ou seja, a do Poder Judiciário declarar a lacuna normativa e a de cientificar os Poderes Públicos, em especial ao Legislativo, de que deve legislar sobre a matéria objeto da ação de inconstitucionalidade por omissão. Em se tratando de mera comunicação, não há qualquer obrigação do Poder Legislativo em cumprir o que foi decidido pelo Judiciário.
Já sobre o Mandado
de Injunção repousaram as principais esperanças do legislador constituinte de
que, ao contrário do que sucedeu com as normas de conteúdo programático das
constituições brasileiras anteriores, os direitos e garantias da Constituição
de 1988 não fossem vítimas da inércia do legislador.
Sobre as possibilidades da concretização do
direito pretendido pela decisão judicial através do mandado de injunção, ainda
conforme LYRIO PIMENTA, citam-se três correntes doutrinárias:
a)
a primeira corrente entende que ao Poder Judiciário
cabe apenas dar ciência ao órgão competente para suprir as lacunas
constitucionais;
b)
a segunda corrente diz que, ao conceder a injunção,
o Poder Judiciário torna viável o exercício do direito, liberdade ou
prerrogativa constitucional, que se encontra obstaculizado pela lacuna
inconstitucional. Ou seja, o Judiciário edita a norma e atua na sua concreção,
criando normas jurídicas individuais, colmatando, tão-somente no caso concreto,
a lacuna inconstitucional;
c)
A terceira corrente sustenta que o Poder Judiciário
deve elaborar a norma então inexistente, suprimindo a omissão do legislador.
O Supremo Tribunal Federal tem alterado, com o
tempo, sua posição a respeito dessa matéria: primeiramente, adotou entendimento
compatível com a primeira corrente; posteriormente, passou a decidir de acordo
com a segunda corrente; hoje, pode-se dizer que, cada vez mais, se aproxima da
primeira corrente.
De fato, nas primeiras decisões em Mandado de
Injunção, o STF entendeu que o único efeito desse instituto era o de obtenção
da declaração da inconstitucionalidade por omissão, o que, na prática, tolhia
sua própria razão de existir, na censura de JOSÉ AFONSO DA SILVA (AFONSO DA SILVA, 2000, p. 166).
Um passo adiante foi dado no julgamento do MI
n°. 285, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, onde o STF decidiu que, se
após o prazo dado para a edição da norma regulamentadora (60 dias), esta ainda
não tivesse sido editada, o titular do direito poderia obter reparação por
perdas e danos, ou seja, o STF já não apenas comunica ao Legislativo a ausência
da norma, mas determina que o Congresso edite norma em determinado prazo. No
mesmo sentido, o julgamento do MI n°. 283, em que o STF converteu uma norma de
eficácia limitada em norma de eficácia plena, também facultando os impetrantes
a ingressarem em juízo para obterem a reparação pretendida. Declara, ainda,
que, “prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicará a coisa
julgada, que, entretanto, não impedirá o impetrante de obter os benefícios da
lei posterior, nos pontos em que for mais favorável.”
A doutrina majoritariamente concitava o STF a
uma posição mais ativa, como é exemplo o magistério de FLAVIA PIOVESAN, quanto
afirmava que “o mandado de injunção é instrumento apto a viabilizar, no
caso concreto, o exercício de direitos, liberdades ou prerrogativas
constitucionais, que se encontrem inviabilizados por faltar norma
regulamentadora” (PIOVESAN, 2003. p.
150).
Contra o argumento de que a atuação mais ativa do STF na concreção dos direitos constitucionais seria uma invasão da competência legislativa, o Ministro Eros Grau, no julgamento do MI 712, em seu voto, refutou tal entendimento, dizendo que:
Ademais, não há que falar em agressão à “separação dos poderes”, mesmo porque é a Constituição que instituiu o mandado de injunção e não existe uma assim chamada “separação dos poderes” provinda do direito natural. Ela existe, na Constituição do Brasil, tal como nela definida. Nada mais. No Brasil vale, em matéria de independência e harmonia entre os poderes e de “separação de poderes”, o que está escrito na Constituição, não esta ou aquela doutrina em geral mal digerida por quem não leu Montesquieu no original. (..) No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia a norma regulamentadora que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito da impetrante, servidora pública, à aposentadoria especial.
Finalmente, quando do julgamento dos MI 670, 708 e 712, o STF - que desde 1994 (data do julgamento), por ocasião da apreciação do Mandado de Injunção n°. 20, já havia denunciado a omissão legislativa em regulamentar o direito de greve, porém sem avançar em colmar a lacuna legislativa - revisando o posicionamento anterior, decidiu pela adoção da lei de greve do setor privado como regulamentação das greves do setor publico. Conforme voto condutor do Ministro Gilmar Ferreira Mendes[43], acolheu-se a pretensão dos impetrantes no sentido de que, após um prazo de 60 dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria, caso não o faça, determina-se que, solucionando a omissão legislativa, "se aplique a Lei n°. 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber", enquanto a omissão não seja devidamente regulamentada por Lei específica para os servidores públicos".
Em tão drástica mudança de posição, destaca-se a clara preocupação da Corte Constitucional em dar efetividade à norma fundamental que assegura o direito de greve aos servidores públicos, dando cobro a inércia abusiva dos poderes constituídos que, por dezenove anos, frustrou "a eficácia de situações subjetivas de vantagem reconhecidas pelo texto constitucional". Segundo o Ministro Celso de Mello, em seu voto, "revela-se essencial que se estabeleça, tal como sucede na espécie, a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e o consequente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação, de outro, de forma que, presente a obrigação jurídico-constitucional de emanar provimentos legislativos, tornar-se-á possível não só imputar comportamento moroso ao Estado (..) mas, o que é muito mais importante ainda, pleitear, junto ao Poder Judiciário, que este dê expressão concreta, que confira efetividade e que faça atuar a cláusula constitucional tornada inoperante por um incompreensível estado de inércia governamental".
Esta mudança de entendimento parece caminhar
também no sentido de rever a atual posição do STF quanto ao aviso prévio
proporcional, como sinaliza o julgamento do MI 695, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, que, ao limitar os efeitos da decisão favorável ao impetrante nos
limites do pedido (declaração de mora do legislador em regulamentar o direito
ao aviso prévio proporcional e comunicar tal fato ao órgão competente para a
imediata regulamentação), foi mais além ao reconhecer ademais, “que, não
fosse o pedido da inicial, limitado a requer a comunicação ao órgão competente
para a imediata regulamentação da norma, seria talvez a oportunidade de
reexaminar a posição do Supremo em relação à natureza e à eficácia do mandado
de injunção, nos termos do que vem sendo decidido no MI 670/ES” (julgamento em
01/3/2007).
Nota-se, assim, uma evidente evolução do STF a sinalizar uma preocupação crescente quanto às conseqüências nefastas da inércia legislativa sobre a eficácia dos direitos fundamentais, passando a reconhecer um “direito subjetivo do beneficiário da norma a ver a situação jurídica esboçada na Lei Maior regulamentada de forma adequada”, como já preconizava LUÍS ROBERTO BARROSO (BARROSO, 2006).
Precisamente no entendimento de que as normas constitucionais são “imposições constitucionais”, há de se dar conteúdo ao art. 5º., § 1º. da Constituição Federal, de forma que a aplicabilidade direta dos direitos sociais não se torne, ela mesma, vítima da “eficácia limitada” que pretendia conjurar.
Por isso, autores, como DIRLEY CUNHA JR.,
sustentam que, mesmo fora dos limites do Mandado de Injunção, tem o Poder
Judiciário o dever de, no exercício da justiça constitucional, exercer um
controle difuso da inconstitucionalidade por omissão, suprindo a lacuna aberta
pela omissão legislativa e integrando a ordem jurídica. Conforme tal autor, é
de se exigir, em nome dos ideais de um Estado Constitucional Democrático de
Direito uma “firme postura do Judiciário”, pois o que está em jogo não são “as
oscilações político-partidárias, mas a imperatividade da Constituição e o
respeito pela vontade popular” (CUNHA
JÚNIOR, 2004).
Conforme este autor, o Poder Judiciário brasileiro
está autorizado a suprir as lacunas indesejadas, recorrendo à analogia, aos
costumes, aos princípios gerais de direito e por meio de uma interpretação
criativa e concretizante, não existindo, nesse caso, qualquer afronta ao
princípio da separação dos poderes. Portanto, a falta de norma complementar não
pode obstar a aplicação imediata das normas de direitos fundamentais pelos
juízes e tribunais, já que, o Judiciário, está amparado no que dispõe o art. 5°.
§1o, combinado com esse mesmo art. 5°., XXXV, da Constituição Federal, podendo
se valer, para tanto, dos meios fornecidos pelo próprio sistema jurídico
positivado, que contempla normas do art. 4°., da LICC, segundo a qual “Quando
a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com analogia, os costumes e
os princípios gerais do direito” (CUNHA
JÚNIOR, 2008).
Já no pensamento de INGO
SARLET (SARLET, 2008), tal norma tem cunho “inequivocamente
principiológico” e representa uma “espécie de mandado de otimização ou
“maximização”, isto é, estabelece aos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem
a maior eficácia possível aos direitos fundamentais". Cria-se,
assim, uma presunção em favor da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias
fundamentais, pela qual eventual recusa de sua aplicação, em virtude da
ausência de ato concretizador, deverá (por ser excepcional) ser necessariamente
fundamentada e justificada, presunção esta que não milita em favor das demais
normas.
Para além dessa
“eficácia mínima”, contudo, podem-se configurar direitos subjetivos exigíveis
judicialmente, inclusive para os direitos fundamentais sociais prestacionais,
mas somente quando estes forem essenciais para assegurar o respeito à dignidade
da pessoa humana.
Posicionamento
diverso tem SÉRGIO MORO, que reconhece a exigibilidade judicial para todos os
direitos fundamentais. Para ele, a supremacia constitucional exige que, na
omissão do Poder Legislativo, outros passem a atuar superando a inércia
normativa (MORO, 2008).
Assim, através da jurisdição contratual, através dos métodos adequados e do
respeito aos princípios da interpretação constitucional, é possível obter
solução ótima para o conflito no caso concreto, resguardando a força normativa
do comando constitucional. Exige-se, no entanto, que a legitimidade da
intervenção judicial na esfera legislativa seja suficientemente fundamentada.
Tanto é assim
que a própria Constituição, no seu art. 5o, § 2º., prevê que
"os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".
Portanto, há referência expressa sobre a existência de "direitos
implícitos" que autorizariam legisladores e também juízes a reconhecerem
outros direitos fundamentais, decorrentes do regime ou dos princípios adotados
pela Constituição. Logo, “o intérprete, mediante atividade criativa, estaria
autorizado a extrair direitos não-enumerados do texto constitucional, inclusive
de dispositivos que veiculam princípios ou programas para os poderes públicos,
desde que estes possam ser minimamente reportados ao texto constitucional e que
encontrem apoio em argumentos convincentes” (“reserva de consistência”). Assim, legitima-se o intérprete para “extrair
dos princípios ou programas a regra que regulará o caso concreto, promovendo a
intermediação necessária para sua aplicação imediata, não necessitando aguardar
a intermediação legislativa, haja vista, a atuação dos princípios da
efetividade e da supremacia como orientadores da interpretação constitucional,
com o intuito de conferir máxima efetividade às normas constitucionais”.
Contra o
argumento de que a jurisdição constitucional é incompatível com o instituto do
mandado de injunção, SERGIO MORO argumenta:
O mandado
de injunção, apesar da interpretação nulificadora dada pelo STF, tem por
propósito assegurar a fruição de direitos constitucionais cuja eficácia esteja
comprometida pela falta de norma reguladora.
Poder-se-ia
argumentar que a tese aqui exposta – de que todo juiz, vencida a barreira da
reserva da consistência, poderia invocar qualquer norma constitucional para a
resolução de casos concretos – não é consistente com a previsão de ação
específica com tal desiderato.
Pode-se,
contudo, defender o ponto de vista de que o mandado de injunção constitui
apenas uma ação especial para o tratamento do problema, sem excluir as vias
ordinárias.
Observe-se
que tratamento semelhante é conferido ao mandado de segurança, cabível quando
há violação de direito líquido e certo. Esse direito, na visão da doutrina e da
jurisprudência, é apenas aquele amparado em provas documentais. É pacífico que
tal ação especial não exclui as vias ordinárias. Em outras palavras: mesmo que
se disponha de direito líquido e certo, pode-se propor ação ordinária, em vez
de mandado de segurança.
Da mesma forma, o prejudicado pela falta de concretização legislativa de direito fundamental pode optar entre impetrar mandado de injunção – a ser julgado originariamente pelo Supremo nos casos mais relevantes (art.102, I, q, da CF/88) – ou propor ação ordinária, na qual o juiz decidirá incidentalmente sobre a questão, com eficácia para o caso concreto. (MORO, 2001, p. 259).
Recorde-se que nos julgamentos
singulares não se pode omitir a manifestação judicial cabível ao caso concreto,
conforme artigo 126 do Código de Processo Civil.
Considerando o ordenamento
jurídico como um sistema que se pretende coerente e completo para resoluções de
problemas, a formulação de uma norma como a presente representa,
verdadeiramente, uma “cláusula de fechamento” do sistema, ou seja, a garantia
da inexistência de lacunas, de forma que, para cada um dos casos possíveis,
haja uma solução possível (ALCHOURRON
e BULYGIN, 1993, p. 40).
Ao contrário de omitir-se na
solução de lacunas e omissões do sistema normativo, tem o juiz o dever de
prestar uma tutela efetiva com base
no art. 5o,
XXXV, da Constituição Federal, quando afirma que "a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".[44]
Assim, há de se apostar nas possibilidades de uma interpretação judicial que privilegie a efetividade da norma constitucional, reconhecendo ser dever inafastável do juiz buscar a máxima eficiência do sistema normativo, preenchendo suas lacunas e superando suas inevitáveis insuficiências – em especial em relação às garantias constitucionais -, tudo em prol da realização concreta dos direitos assegurados nas normas fundamentais.
A diferença notável entre o instituto do aviso prévio no Brasil em relação a outros países de desenvolvimento econômico equivalente é que, em nosso país, o aviso prévio tem uma importância incomum em decorrência da inexistência no ordenamento jurídico brasileiro de um eficaz sistema de proteção contra a despedida imotivada. Em outros países, o aviso prévio tem relevância para marcar temporalmente, de forma inequívoca, o término da relação contratual (e, também sinalizar o início do prazo prescricional) e, principalmente, para determinar a causa da despedida. De fato, a legislação de outros países, em especial na Europa, a despedida deve ser fundamentada em uma causa econômica, técnica ou disciplinar, não sendo admitida a despedida sem motivação[45].
No Brasil, o aviso prévio se constitui em um elemento complementar no deficiente sistema protetivo contra a despedida imotivada – e, por isso, mesmo, um elemento essencial de um sistema que carece do instituto da “despedida causal”.
De fato, no Brasil vige o sistema da “despedida
livre”, havendo muitos que, com exagero, vislumbram um ilimitado direito
potestativo de despedida do empregador. Não é assim, mesmo porque o ato
patronal está sujeito ao crivo revisional em relação, por exemplo, a eventual
despedida discriminatória, em afronta ao "caput"
do art. 5º. da CF/88.[46]
De toda sorte,
comparando-se com outros países, chega-se à conclusão que o nível de proteção
ao emprego no Brasil é dos menores do mundo.
Os dados do Banco Mundial
demonstram que o Índice de Dificuldade de Despedida (“Redundancy”) no Brasil é zero, enquanto que, na Alemanha e
na Argentina, ele chega a 40. Outros dados: Chile, 20; Espanha, 30; Portugal, 50.
Também em relação aos custos da
despedida, os dados mostram, no Brasil, despedir um trabalhador é mais barato
que na média dos países da América Latina e, também, da maioria dos países
europeus. Custo no Brasil: 37 semanas de salário; Custo na Argentina: 139
semanas de salário; Alemanha: 69 semanas de salário; Chile, 52 semanas;
Espanha, 56 semanas; Portugal, 95 semanas (Relatório “Doing Bussiness”, 2008)[47].
O constrangedor processo
de ratificação e, um ano depois, de denúncia da Convenção n 158 da OIT pelo
Governo brasileiro evidencia como o assunto é difícil e delicado no Brasil. Tal
Convenção prevê medidas de proteção contra a despedida imotivada e, por isso, o
reconhecimento de seu valor jurídico no ordenamento jurídico interno poderia
ser um sucedâneo ao dispositivo do art. 7o, I da Constituição
Federal. Porém, mesmo durante o curto período em que o Brasil incorporou em
seu ordenamento jurídico a Convenção 158 da OIT, o Poder Judiciário, pelo Supremo
Tribunal Federal, terminou afastando qualquer esperança de uma interpretação
mais ampla das normas de proteção contra a despedida imotivada. Entendeu o STF (sessão do daí 04/09/1997), ao examinar
medida cautelar na ADIN-1.480-3-DF, que as normas da Convenção nº.
158 da OIT têm caráter meramente programático. Diante da denúncia da
Convenção nº. 158, a ADIN acabou sendo extinta sem julgamento do mérito
em decisão monocrática do Relator, Ministro Celso de Mello, em 27/6/2001:
“.. Vê-se, portanto, que a convenção nº. 158/OIT não mais se acha incorporada ao sistema de direito positivo interno brasileiro, eis que, com a denúncia, deixou de existir o próprio objeto sobre o qual incidiram os atos estatais - dec. Legisl. 68/92 e 1855/96 - questionados nesta sede de controle concentrado de constitucionalidade, não mais se justificando, por isso mesmo, a subsistência deste processo de fiscalização abstrata, independentemente da existência, ou não, no caso, de efeitos residuais concretos gerados por aquelas espécies normativas. (..) Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, julgo extinto este processo de controle abstrato de constitucionalidade, em virtude da perda superveniente de seu objeto.”
A validade da denúncia da Convenção n°.158
(Decreto Federal nº. 2.100, de 20/12/1996) continua em discussão no STF – ADIN-
1.625. Votou pela improcedência o Min. Nelson Jobim e pela procedência
parcial, condicionando a denúncia ao referendo do Congresso Nacional, os
Ministros Maurício Corrêa e Carlos Britto.
Como bem evidencia o recente episódio da crise econômica de 2008, quando as empresas recorreram, mais uma vez, à prática da despedida coletiva, não há, no Brasil, seja no arcabouço legislativo, seja em políticas públicas, uma proteção eficiente para os desempregados, nem medidas que desestimulem os abusos patronais quando desempregam massivamente ao primeiro sinal de crise.
A tímida reação de parte do Judiciário Trabalhista, especificamente os Tribunais das 15a. e 2a. Regiões[48], que apenas suspendiam os efeitos das despedidas por determinado prazo para que negociações coletivas pudessem acontecer (medida mais do usual em outros países, em especial na Europa), foi contida pelo TST, que não encontrou base normativa para que os Tribunais Regionais concedessem este “aviso prévio de natureza coletiva”, filiando-se à corrente do ilimitado direito potestativo do empregador a despedir, mesmo que coletivamente.
Destaque-se, entretanto, o
voto vencido do Ministro Maurício Godinho Delgado, pelo qual:
DISPENSAS COLETIVAS TRABALHISTAS. EFEITOS JURÍDICOS. A ordem constitucional e infraconstitucional democrática brasileira, desde a Constituição de 1988 e diplomas internacionais ratificados (Convenções OIT n°. 11, 87, 98, 135, 141 e 151, ilustrativamente), não permite o manejo meramente unilateral e potestativista das dispensas trabalhistas coletivas, por de tratar de ato/fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, e não Direito Individual, exigindo, por conseqüência, a participação do(s) respectivo(s) sindicato(s) profissional(is) obreiro(s). Regras e princípios constitucionais que determinam o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, CF), a valorização do trabalho e especialmente do emprego (artigos 1o, IV, 6o e 170, VIII, CF), a subordinação da propriedade à sua função socioambiental (artigos 5o, XXIII e 170, III, CF) e a intervenção sindical nas questões coletivas trabalhistas (art. 8o, III e VI da CF), tudo impõe que se reconheça distinção normativa entre as dispensas meramente tópicas e individuais e as dispensas massivas, coletivas, as quais são social, econômica, familiar e comunitariamente impactantes. Nesta linha, seria inválida a dispensa coletiva enquanto não negociada com o sindicato de trabalhadores, espontaneamente ou no plano do processo judicial coletivo. A d. Maioria, contudo, decidiu apenas fixar a premissa, para casos futuros, de que “a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, observados os fundamentos supra”. Processo TST 00309/2009. Publicado em 04/9/2009. Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Embraer, Dissídio Coletivo, oriundo do TRT 15ª. Região.
A equivocada decisão da maioria, entretanto, pode não ser definitiva. Tão grave questão social ainda está longe de ser resolvida – ainda que a recente retomada do crescimento econômica possa significar uma trégua momentânea nesse debate – e, certamente, o Judiciário Trabalhista será instado muitas outras vezes para intervir em conflitos que decorrem justamente do alto grau de insegurança no emprego que caracteriza as relações de trabalho no Brasil.
Uma importância algo desmesurada do instituto do aviso prévio nas relações de trabalho no Brasil não decorre apenas da inexistência da despedida causal no Brasil, sendo este apenas um dos elementos – ainda que o principal – do deficiente sistema de proteção ao emprego. A esse elemento, já analisado anteriormente, deve-se acrescentar outros, também decorrentes da estrutura social-econômica de um país ainda insuficientemente desenvolvido e com um enorme “déficit” social que deixa à margem dos benefícios do progresso ainda significativa parte da população brasileira, ainda que o país já se encontre entre os chamados “emergentes” ou “em vias de desenvolvimento”.
Entre os elementos que compõem o quadro de aguda deficiência de proteção social que atinge o “Welfare State” nacional pode-se mencionar: a insuficiência geral dos serviços públicos; a reduzida rede de assistência social (ainda que incluída a parte dos recursos públicos “desviada” da Previdência Social); a inexistência de proteção previdenciária para boa parte dos trabalhadores e a insuficiente cobertura previdenciária para os demais; a inexistência de uma política salarial que recupere a renda em geral dos trabalhadores (ainda que algo tenha sido feito, nos últimos anos em relação ao salário mínimo); a existência de uma política fiscal regressiva, que penaliza justamente os que ganham menos; uma política monetária que privilegia os que vivem de renda, prejudicando a economia produtiva; a inexistência de uma política sólida de desenvolvimento econômico que alavanque a criação de empregos e, assim, diminua o desemprego e valorize o fator trabalho na distribuição da renda nacional; entre outros.
Especificamente contribuem para a vulnerabilidade do trabalhador em vias de ser despedido e ingressar no contingente de desempregados, o insuficiente seguro-desemprego, que cobre, no máximo, cinco meses de não-ocupação e, ainda assim, apenas para os trabalhadores de salário mais baixo; a baixa qualificação profissional do trabalhador brasileiro, o que dificulta sobremaneira sua realocação do desempregado; a insuficiência de crédito para trabalhadores de baixa renda e a inexistência de crédito ao desempregado.
Assim, a aposição da baixa na CTPS do trabalhador marca o início de um tempo de verdadeira “tragédia pessoal e familiar”, em que a insegurança quanto ao futuro se soma à certeza quanto a um presente de penúria e privações. A data que assinala o “término da relação contratual” marca também o fim da cobertura médica para os trabalhadores que usufruem de convênio-saúde; o fim do vale-transporte; o fim do vale-refeição.
Não parece difícil imaginar que o interesse do
trabalhador é que tal data seja postergada o maior tempo possível. Por certo as
dificuldades de recolocação aumentam conforme a idade do trabalhador
desempregado. Estatísticas recentes demonstram que o afastamento dos mais
idosos das atividades produtivas importa, em muitos casos, “em uma situação de
precariedade e não a conquista de um benefício recebido após uma longa vida de
trabalho”. De fato, a população idosa
encontra maior dificuldade de ser absorvida na atividade produtiva em um
mercado de trabalho cada vez mais competitivo e, assim, em geral, “sua inserção
se dá em condições mais desfavoráveis — menores possibilidades de emprego,
vínculos empregatícios mais frágeis, postos de trabalho menos qualificados e,
não raro, principalmente para as mulheres, remunerações inferiores e instáveis”
(KRELING, 2009).
Além disso, conforme MARCELO AFONSO RIBEIRO, o trabalho tem um valor fundamente para todos os indivíduos, sendo uma forma de participar da construção do mundo, de forma que a impossibilidade de trabalhar pode gerar rupturas psicossociais significativas. Este autor analisa a ruptura biográfica (descontinuidade na história da vida das pessoas) decorrente de situações de desemprego, afirmando que o desemprego “produz a perda de referência e uma situação de fronteira, pois a pessoa se encontra à margem da lógica dominante, em uma situação de exclusão” (RIBEIRO, 2007).
Por sua dificuldade de inserção no mercado laboral, os idosos constituem parcela vulnerável à ocorrência de depressão (OLIVEIRA, 2006), o que, por si só, justificaria uma política pública diferenciada de proteção ao emprego para esse contingente da população.
O aturdimento que sofre o recém-desempregado é
similar ao da crise psicótica, uma vez que as pessoas que atravessam tais
situações, ainda que diferentes, sofrem experiências psicossociais semelhantes,
pois “algo mudou em sua situação
que não conseguem compreender, assimilar e lidar com seu momento, planejar o
futuro, ficando presos ao eterno presente” (GINGRAS & SYLVAIN, 1998).
Por outro lado, quanto mais “tempo de casa” tem o trabalhador, maiores são os vínculos sociais, econômicos e psicológicos que ele mantém com o emprego, sendo mais difícil o rompimento abrupto.
Parece, assim, inequívoco que a postergação no tempo do momento fatal do desligamento do emprego é benéfica à saúde psicológica do trabalhador despedido, mormente quando tem maior tempo de serviço.
Nesse contexto, portanto, conceder ao trabalhador despedido com maior tempo de serviço prestado ao empregador o benefício de um tempo adicional para consumação da despedida tem perfeita coerência com a realidade brasileira e com a necessidade de proteção social a um contingente mais vulnerável da população.
No Direito Civil, o
aviso prévio é previsto em várias situações jurídicas, descritas no Código
Civil, como são exemplo os artigos 623 (contrato de empreitada), 633 (contrato
de depósito), 1.313 (entrada forçosa em propriedade alheia), locações de
imóveis urbanos (Lei n°. 8.245/91), entre outros.
Entretanto, o aviso
prévio, similarmente ao que ocorre no Direito do Trabalho, é, essencialmente,
previsto para contratos de execução continuada quando ajustados por prazo
indefinido e ocorre nas situações de resilição[49]
unilateral do contrato, também denominada denúncia (art. 473 do Código Civil).
Observe-se que a possibilidade de resilição unilateral do contrato é uma exceção no Direito Civil, já que se trata do exercício da vontade unilateral de apenas uma das partes. A regra, por força do princípio da obrigatoriedade dos contratos, é a da impossibilidade de um contraente romper o vínculo contratual por sua exclusiva vontade. Porém, entende-se que os contratos de trato sucessivo constituem uma destas exceções[50], na medida em que se entende que ninguém é obrigado a se manter indefinidamente vinculado a determinado contrato.
Porém, mesmo nesses casos, há situações em que o exercício desse direito a resilir unilateralmente o contrato (denúncia) é condicionado. Assim, a denúncia pode ser cheia (deve se fundamentada em ocorrência de fato, circunstância ou condição prevista em lei) ou pode ser vazia (imotivada).
Em qualquer caso, aplicável a regra do art. 473 do Código Civil:
Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.
Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.
Tal possibilidade do aviso prévio ser estendido por conta de situações em que uma das partes possa ser prejudicada pelo rompimento unilateral do contrato é uma das novidades do Código Civil de 2002 e pretende evitar que a resilição ocorra em um prazo demasiadamente breve, a ponto de não permitir que a parte que sofre a denúncia do contrato tenha tempo suficiente para evitar o prejuízo.
Conforme CAIO MÁRIO PEREIRA:
O legislador
poderia ter determinado apenas o pagamento das perdas e danos sofridas pela
parte que teve prejuízos com a dissolução unilateral do contrato. Preferiu lhe
atribuir uma tutela específica, transformando o contrato que por natureza
poderia ser extinto por vontade de uma das partes, em um contrato comum,
valendo essa nova regra pelo prazo compatível com a natureza e o vulto dos
investimentos. Caberá ao juiz determinar, com a ajuda da perícia técnica se
necessário, o prazo em que fica suspenso o direito da parte de resilir
unilateralmente o contrato sem qualquer motivação específica. (PEREIRA, 2003).
Constata-se, assim, que, mesmo o Direito Civil, que rege a relação entre particulares (e, assim, a princípio, entre partes em situação de igualdade), mostra-se sensível com a injustiça que possa ser criada quando existe desigualdade real entre as partes, criando-se objetivamente uma situação de vulnerabilidade. Pensada, a princípio, para as relações de consumo, entende-se a vulnerabilidade como sendo
o princípio pelo qual o sistema jurídico positivado brasileiro reconhece a qualidade ou condição daquele(s) sujeito(s) mais fraco(s) na relação de consumo, tendo em vista a possibilidade de que venha(m) a ser ofendido(s) ou ferido(s), na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do(s) sujeito(s) mais potente(s) da mesma relação. (MORAES, 2009, p. 125).
Especificamente nos contratos de execução continuada de longa duração – os que mais nos interessam por sua similitude com os contratos de trabalho -, a vulnerabilidade se expressa no que os autores têm chamado “catividade”, ou seja, a situação jurídica em que um dos contraentes torna-se dependente (cativo) do vínculo contratual com o fornecedor em decorrência da longa duração da relação.
Assim, tem-se por cativo:
o consumidor que celebra contrato de trato sucessivo com fornecedor de produtos ou serviços, no qual resta consubstanciada a situação de dependência do primeiro sujeito ao objeto do contrato, de modo que o rompimento da relação, dada pela extinção do contrato de consumo, acarreta grave prejuízo ao cativo, porquanto assaz dependente do produto ou serviço pactuado. (TORRES, 2008).)
Quando se considera o consumidor cativo nos contratos de
longa duração, na legislação comparada, há uma vedação à resilição unilateral
por parte do fornecedor, garantindo-se o interesse da parte mais vulnerável da
relação contratual. De fato, esta vedação
é a forma mais eficiente para proteção da parte vulnerável, pois considera que
a cláusula de cancelamento unilateral do contrato como abusiva (GRINOVER,
2007).
Entretanto, conforme o referido artigo do Código
Civil, optou o legislador brasileiro por permitir a resilição do contrato,
mediante um elastecimento do aviso prévio, o que é criticável, já que não
satisfaz, por ser medida pouco eficaz na proteção da parte mais débil,
estabelecendo-se um “paradoxo
dentro da legislação privada”.
De toda forma, há de se destacar, aqui, a utilização do instituto do aviso prévio como técnica de proteção à parte vulnerável nos contratos de longa duração, deixando-se a modulação do tempo a ser concedido ao prudente critério do julgador, conforme as especificidades de cada caso. Esse prazo deverá ser suficiente para que o prosseguimento da relação contratual após a denúncia permita à parte recuperar os investimentos realizados e obter novo fornecedor, se for o caso. Dito de outra forma: a proporcionalidade do tempo de aviso prévio atenderá as circunstâncias do caso concreto.
O aviso prévio também está previsto, no Código Civil, nos contratos de
prestação de serviço, mais especificadamente no art. 599, que repete o artigo
n°. 1.221 do antigo Código de 1.916:
Art. 599. Não havendo prazo estipulado, nem se podendo inferir da natureza do contrato, ou do costume do lugar, qualquer das partes, a seu arbítrio, mediante prévio aviso, pode resolver o contrato.
Parágrafo único. Dar-se-á o aviso:
I - com antecedência de oito dias, se o salário se houver fixado por tempo de um mês, ou mais;
II - com antecipação de quatro dias, se o salário se tiver ajustado por semana, ou quinzena;
III - de véspera, quando se tenha contratado por menos de sete dias.
Tal estipulação deve ser interpretada de forma compatível com as demais normas contidas no Código Civil e, assim, inaplicável aos contratos de longa duração (já que a prestação de serviço pode também constituir uma relação de consumo), nem às relações de trabalho (por força do art. 593 da CLT[51]).
A expressão “leis trabalhistas” do art. 593 poderia fazer crer que se refere à relação de emprego, já que as normas trabalhistas destinam-se, precipuamente, a esse tipo de relação. Entretanto, a melhor interpretação deve ser que o referido artigo destina-se a todo tipo de relação de trabalho, pois não se pode ignorar que o art. 7o. da Constituição Federal não se destina apenas a “empregados”, mas a todo “trabalhador”, urbano ou rural, o que é perfeitamente compatível com a nova redação do art. 114 da Constituição Federal, com a nova redação que lhe deu a Emenda Constitucional n°. 45/2002 (FRAGA, 2005).
Assim, entende-se que o direito ao aviso prévio
proporcional é assegurado a todo “trabalhador”, devendo-se interpretar o art.
593 do Código Civil como inaplicável às relações de trabalho, por incompatível
com o art. 7o., XXI, que prevê trinta dias como prazo mínimo de
concessão do aviso prévio.[52]
Conceitua-se o aviso prévio como sendo o “instituto peculiar a todo contrato de execução continuada, por tempo indeterminado, tornando-se essencial aos que vinculam a pessoa, como ocorre com o de trabalho. Consiste na obrigação que tem qualquer das partes do contrato de trabalho por tempo indeterminado de notificar à outra de sua intenção de romper o vínculo contratual, em data futura e certa”. [53]
O objetivo principal do aviso prévio é prevenir à parte adversa que o contrato será dissolvido, de forma que este possa usufruir de algum tempo para evitar as consequências mais danosas deste rompimento: para o empregador, a brusca parada do processo produtivo; para o empregado, a brusca perda de sua fonte de trabalho e renda.
Aponta-se uma tríplice acepção do aviso prévio nos contratos de emprego: a) como comunicação da outra parte a) como comunicação da outra parte que não há mais interesse no prosseguimento do contrato; b) como pagamento pela prestação de serviços durante o prazo do aviso prévio ou indenização pelo seu não-cumprimento; c) como período mínimo prévio em que esse aviso deve ser realizado.
O aviso prévio pode ser entendido como ato de recepção, ou seja, ato de comunicação de uma parte da sua decisão pela extinção do contrato, que ocorrerá em determinado prazo, mantendo-se inalterados, nesse período, os deveres e as obrigações contratualmente previstos.
O aviso prévio é irretratável, não depende de aceitação da outra parte e cabe, também, em caso da chamada “despedida indireta” (art. 487, § 4º., CLT). Cabe, também, o aviso prévio em contratos por tempo determinado que contem cláusula assecuratória de recíproco direito de resilição antes do tempo contratado – e, nesse caso, regem-se como se contratos por tempo indeterminado fossem (art. 481, CLT).
A lei não prevê que o aviso prévio seja escrito, mas, normalmente, assim ele é concedido, já que a prova de sua ocorrência incumbe a quem o alega.
A comunicação marca temporalmente o fim do contrato de trabalho que coincide com o término do prazo do aviso prévio. No Direito Comparado, o aviso prévio também marca o início do prazo prescricional, bem como indica a causa do rompimento contratual, o que, em alguns países, condiciona a própria validade da denúncia do contrato.
No Brasil, a causa da despedida somente tem relevância quando se trata de rompimento contratual por justa causa (CLT), quando, normalmente, o motivo da despedida consta no corpo na comunicação de aviso prévio. Embora tal fato não seja obrigatório por lei, a jurisprudência brasileira tem exigido que o empregador cientifique o empregado do motivo da despedida por justa causa e que esta esteja tipificada no rol contido no art. 482 da CLT.
O valor do aviso prévio é o dos salários do período,
incluindo todas as vantagens contratualmente previstas.
A ideia, portanto, é que o trabalhador, durante o período de aviso prévio, mantenha o mesmo nível remuneratório como se o contrato prosseguisse normalmente, de forma a diminuir os impactos negativos da despedida. Assim, a manutenção do mesmo nível remuneratório do emprego (ou, pelo menos, parte dele), no primeiro momento pelo prazo do aviso prévio e, em seguida, pelo período do seguro-desemprego, consistiria na formação de um “colchão de segurança” a ser usado pelo trabalhador para paliar o provável período difícil que se seguirá até a obtenção de novo emprego.
Para o empregador, ao contrário, a dispensa de parte da jornada prestada pelo empregado durante o prazo do aviso, na prática, implica um aumento da remuneração por hora do empregado. Ao empregador cabe suportar os custos desse aumento indireto, assim como dos demais encargos resilitórios. Nesse sentido, o aviso prévio importa em uma penalização econômica ao empregador pela decisão de dispensar o trabalhador – já que a despedida de um trabalhador tem inevitáveis custos sociais, a serem suportados por toda a sociedade.
No Brasil, em razão da inexistência de uma eficaz proteção contra a despedida imotivada, assiste-se ao fenômeno da “alta rotatividade de mão de obra”, pela qual as empresas, periodicamente, demitem os trabalhadores mais antigos (e, por isso, detentores de melhores salários e outras vantagens) e os substituem por trabalhadores mais jovens, com salários menores.
De um ponto de vista econômico, o aviso prévio representa um valor adicional a ser pago pelo empregador ao término da relação contratual, que aumenta os custos da despedida, esperando-se que, desse modo, haja um desestímulo às decisões empresariais pela rotação de mão de obra. Portanto, trata-se de um mecanismo complementar de contenção das despedidas coletivas, que se soma à multa de 40% dos depósitos do FGTS e às demais parcelas resilitórias (13o salário proporcional, férias proporcionais, indenização adicional, etc.), todas essas parcelas constituindo, teoricamente, uma quantia total que inibisse as despedidas abusivas.
No entanto, ao limitar-se, na prática, o valor máximo do aviso prévio ao que deveria ser o valor mínimo (trinta dias de salário), termina-se por reduzir as potencialidades da utilização do instituto do aviso prévio como mecanismo de proteção contra a despedida imotivada.
No direito brasileiro, o prazo é o fator mais importante a ser considerado no instituto do aviso prévio. Conforme o art. 487 da CLT, os prazos de aviso prévio dependem do tempo em que são pagos os salários do empregado:
a)
se os
pagamentos são semanais ou em tempo inferior E o empregado tiver menos de um
ano de serviço na empresa, o prazo é de oito dias;
b)
nos
demais casos, o prazo é de trinta dias.
Como o aviso prévio pode ser tanto
do empregado, como do empregador, há de se diferenciar ambas as situações.
Assim, o prazo de oito dias somente se aplica no caso de que o aviso prévio seja dado pelo empregado ao empregador, já que, nos termos do art. 7o. XXI, da Constituição Federal, o prazo mínimo para todo tipo de contrato é de trinta dias, sejam contratos urbanos ou rurais ou, mesmo, domésticos (art. 7o, parágrafo único).
Da mesma forma, deve ser interpretado o aviso
prévio como direito social mínimo, ou seja, nada impede que as partes estipulem
um prazo superior a trinta dias, mas nada autoriza o entendimento de que essa
possibilidade se estenda também ao aviso prévio para o empregador. Nesse caso,
o prazo de trinta dias deve ser interpretado como limite máximo, já que não se
pode interpretar a norma trabalhista em desfavor do empregado. Há,
evidentemente, uma quebra da reciprocidade igualitária que marcou o início do
instituto, o que mostra a evolução do aviso prévio de elemento da
contratualidade entre supostos iguais - tipicamente liberal-, para o de direito
social constitucionalizado (NASCIMENTO,
2004, p. 748).
O aviso prévio pode ser indenizado (art. 487,
CLT), entendendo-se, quando este não é concedido pelo empregado ao empregador,
que o valor do mesmo seja descontado do salário do empregado. Parte da jurisprudência tem admitido o impropriamente
chamado “aviso prévio em casa” (quando o empregador dispensa o trabalhador da
jornada de trabalho integralmente durante o prazo do aviso prévio), mas, nesse
caso, o pagamento das “parcelas rescisórias” deverá ser feito no prazo de dez
dias (art. 477, § 6º., “b”, CLT).
A forma de contagem do prazo é a prevista na Orientação Jurisprudencial n°. 122 da SDI-1 do TST, ou seja, computa-se o prazo excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento, regra também prevista no art. 132 do Código Civil. Em caso do término do prazo recair em dia anterior ao previsto para descanso, o repouso semanal deve ser pago (Instrução Normativa M.T.E. n°. 3/2002).
O prazo do aviso prévio integra o contrato de trabalho para todos os fins, mesmo quando indenizado, o que significa que esse tempo deve ser calculado para fins de recolhimento previdenciário, como base de cálculo do pagamento de 13o salário e de férias proporcionais e considerado em reajustamentos salariais decorrentes de lei ou de norma coletiva (art. 487, § 6º. da CLT)[54].
Como consequência, a data da saída a ser aposta na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) deve ser a do final do aviso prévio, mesmo quando indenizado.
Durante o prazo do aviso prévio concedido pelo empregador, o horário de trabalho será diminuído em duas horas, seja no início ou no final do expediente, sem prejuízo do salário integral (art. 488, CLT). Ao invés dessas duas horas diárias, o período de dispensa poderá ocorrer por um ou sete dias corridos, conforme a conveniência do empregado. O empregado rural pode faltar um dia por semana para buscar novo emprego. Tal período de dispensa não pode ser substituído por pecúnia (Súmula 230 do TST), porque, dessa forma, este se descaracterizaria, já que sua finalidade precípua é proporcionar ao empregado a oportunidade de buscar nova colocação.
A inércia do legislador não
ocorreu por falta de Anteprojetos de lei, já que, tanto na Câmara dos
Deputados, como no Senado Federal, foram apresentadas, várias proposições legislativas
regulamentando o aviso prévio proporcional[55].
Constata-se
que a maior parte das proposições legislativas fixa um aviso prévio
proporcional na base de trinta dias para cada ano de tempo de serviço. Porém, o
número de proposições apresentadas diminuiu consideravelmente nos últimos anos,
podendo-se afirmar que, atualmente, há
um evidente desinteresse em relação a essa matéria. As últimas propostas
apresentadas pretendem acrescer ao aviso prévio de trinta dias apenas cinco
dias por ano trabalhado, na esteira da maior parte das normas coletivas
acordadas. A proposição do Senador Paulo Paim é mais completa, já que procura
diferenciar diversas situações por faixa de tempo de serviço.
Assim, pelo projeto apresentado, se o término do contrato for de
iniciativa ou causado pelo empregador, o prazo de aviso prévio observará os
seguintes critérios, conforme o tempo de
serviço do empregado:
I – 30 (trinta) dias corridos, se contratado a
menos de 1 (um) ano;
II – 60 (sessenta) dias corridos, se contratado a
mais de 1 (um) ano e menos
de 5 (cinco) anos;
III – 90 dias (noventa) dias corridos, se
contratado a mais de 5 (cinco) e
menos de 10 (dez) anos;
2
IV – 120 (cento e vinte) dias corridos, se
contratado a mais de 10 (dez) e
menos de 15 (quinze) anos;
V – 180 (cento e oitenta) dias corridos, se
contratado a mais de 15 (quinze)
anos.
Tal projeto é apoiado pelas Centrais Sindicais de trabalhadores e
outras entidades representativas da sociedade civil.
De um ponto de vista prático, nenhuma das propostas apresenta,
presentemente, reais condições políticas
de aprovação, sendo duvidoso que a própria tramitação das mesmas prossiga,
sendo o arquivamento o cenário mais provável.
Em decorrência desta conjugação da
inércia do legislador e limitação interpretativa do Judiciário a tornar não
efetiva a norma constitucional, no caso, o inciso XXI do art. 7º., terminou-se por delegar, na prática, à negociação coletiva
a regulamentação da matéria, o que restringiu a um pequeno número de categorias
profissionais mais organizadas esse importante direito, que também tinha em
vista diminuir as demissões imotivadas.
Cita-se, por exemplo, a categoria
dos farmacêuticos do Estado de São Paulo, que, em Acordo em Dissídio Coletivo
(SDC – 132/09-8), já há alguns anos, obteve e tem mantido a vantagem pela qual,
enquanto não for regulamentado o direito previsto na Constituição Federal, será
devido um aviso prévio proporcional aos empregados da categoria profissional na
base de um dia por ano de serviço trabalhado, sem prejuízo dos trinta previstos
em lei. Além disso, neste mesmo acordo,
existe outra cláusula, esta protetiva dos trabalhadores com mais idade, pela
qual os trabalhadores com mais de quarenta e cinco anos e mais de dois anos de
tempo de serviço na mesma empresa tem direito a um aviso prévio em dobro.
Da mesma forma, os metroviários de
São Paulo que, mediante cláusula convencional, fazem jus a mais cinco dias de
aviso prévio. Também pode ser citado o exemplo dos trabalhadores em
processamento de dados do Estado de São Paulo com mais de quarenta e cinco anos
e mais de cinco anos de empresa que tem, como conquista normativa, o direito a
um aviso prévio de mais um dia por ano trabalhado ou fração superior a seis
meses, mais uma quantia correspondente a cinquenta por cento de seu salário.
No Rio Grande do Sul, também
algumas categorias, por acordos que mantém a conquista anterior, conservam
direito a aviso prévio proporcional, de trinta dias acrescidos de mais cinco
dias indenizados por ano de serviço ou fração igual ou superior a trinta dias,
como é o caso dos trabalhadores do transporte rodoviário de Pelotas, os do
comércio em empresas concessionárias e distribuidoras de veículos de Viamão e
os trabalhadores marítimos e fluviais no Estado do Rio Grande do Sul.
O Tribunal Regional do Trabalho da
2a. Região adota do Precedente Normativo n°. 7, pelo qual concede,
além do prazo legal de aviso prévio, mais cinco dias por ano de serviço
prestado à empresa.
Também o Tribunal Regional do
Trabalho da 4a. Região chegou a adotar o Precedente Normativo n°.13,
pelo qual ficava assegurado aos integrantes da categoria profissional um aviso prévio de 30 dias
acrescido de mais cinco dias por ano ou fração igual ou superior a seis meses
de serviço na mesma empresa. No entanto, este precedente foi cancelado (DJ
21/11/2002).
Porém o Tribunal Superior do Trabalho tem, sistematicamente, reformado decisões em dissídio coletivo de Tribunais Regionais que deferem aviso prévio proporcional, entendendo que esta somente poderia ser estabelecida em “norma coletiva consensual, em razão das possibilidades ampliativas de direitos trabalhistas, por interesse mútuo”. Assim, sem consenso quanto ao tema, “carece de fundamento legal a sua imposição na sentença normativa, ante a determinação constitucional que o submete à previsão legislativa”.[56]
Assim, consolidou-se posição do TST no sentido de que o aviso
prévio só poderia ser ampliado em acordo ou convenção coletiva. O
Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido afirmou a impossibilidade de fixação
de aviso prévio proporcional em sentença normativa (RE n°. 19.7911/PE).
Dessa forma, presentemente,
somente subsistem as conquistas normativas logradas em convênio coletivo, em
acordo em dissídio coletivo ou que são deferidas pelos Tribunais Regionais como
conquistas históricas da categoria.
São inúmeras as decisões judiciais
de primeiras e segundas instâncias, em todo o Brasil, que, desde 1988, como
base na auto-aplicabilidade das normas fundamentais sociais prevista no art. 5º.,
parágrafo primeiro da Constituição, entenderam que o trabalho prestado ao longo de
anos não pode ter o mesmo tratamento dispensado aos contratos de curta duração,
conforme artigo 7º., inciso XXI, da Constituição e, assim, deferiram aviso prévio proporcional.
Citam-se, apenas
exemplificativamente, três decisões da Justiça do Trabalho no Rio Grande do
Sul: uma mais antiga, de 1989 e duas mais recentes, uma de primeira instância e
outra, do TRT 4 a. Região.
A primeira, da então juíza, hoje
Desembargadora VANIA CUNHA MATTOS, cujos fundamentos estão em artigo
doutrinário de sua autoria[57]:
Entendo que a sistematização de tal dispositivo constitucional encontra-se prevista de forma analógica, na própria legislação trabalhista.
Partindo-se da aplicação do art. 478 da CLT, que no sistema de indenização por tempo de serviço garantia ao trabalhador um mês de remuneração por ano de serviço, entende-se que tal regramento deve ser aplicado de forma subsidiária, para efeito de cálculo do aviso prévio proporcional. Então se tem que, para efeito de tempo para garantir-se a aplicação do aviso prévio proporcional, pode-se considerar que a cada ano de serviço do trabalhador despedido, corresponderá a um mês de aviso prévio. E esse prazo será devido em dobro, se o empregado contar com mais de dez anos de serviço (art.499, parágrafo 3º. da CLT). (MATTOS, 1989).
Portanto, tal decisão seguia na esteira do pensamento corrente, à época, que o aviso prévio proporcional poderia ser um sucedâneo da indenização por antiguidade prevista no art. 478 da CLT e em desuso desde a criação do FGTS em 1967.
Decisões mais recentes, em geral, fixaram o prazo de aviso prévio proporcional mais usualmente convencionado coletivamente, ou seja, o de acréscimo de cinco dias a cada ano de tempo de serviço prestado à empresa. Nesse sentido, exemplificativamente, se traz a decisão da 3ª. Turma do TRT 4ª. Região, Rel. RICARDO CARVALHO FRAGA, que se baseia no critério do revogado Precedente Normativo n°. 13 do TRT 4ª. Região.[58]
Por fim, outro critério igualmente adotado é o do Juiz do Trabalho gaúcho RAFAEL DA SILVA MARQUES, que fixa o acréscimo de um dia por ano de tempo de serviço do empregado:
No que tange ao critério de fixação da proporcionalidade, além dos
trinta dias, para cada ano de serviço ou fração igual ou superior a seis meses,
deve o empregado receber um dia de aviso-prévio. Isso ocorre porque, para fim
de apuração da indenização prevista na Súmula 291 do TST, o cômputo do período
inferior a um ano assim se faz e, quanto à fixação de um dia, porque é desta
forma que se apura, contagem diária, as proporcionalidades de férias e décimo
terceiro salário, sendo esta, portanto, para fim de fixação de direitos
trabalhistas decorrentes da execução do contrato a menor fração. Ressalto que a
lei pode fixar critério mais benéfico, o que não é o caso, por falta desta mesma
lei[59]
A despeito de decisões
de primeiro e segundo graus da Justiça do Trabalho reconhecendo a
auto-aplicabilidade do direito ao aviso prévio proporcional, prevaleceu no
Tribunal Superior do Trabalho entendimento diverso expresso na Orientação
Jurisprudencial nº. 84 da SDI-1 do TST:
AVISO PRÉVIO.
PROPORCIONALIDADE. Inserida
em 28.04.97. “A proporcionalidade do aviso prévio, com base no tempo de
serviço, depende da legislação regulamentadora, visto que o art. 7º., inc. XXI,
da CF/1988 não é auto-aplicável”.
Consolidou-se,
dessa forma, a “timidez” do Poder Judiciário Trabalhista na implementação do
direito ao aviso prévio proporcional também no plano dos dissídios individuais (CAMINO,
2003, p. 543).
O panorama atual é de certo bloqueio em relação a possíveis
avanços no sentido de efetivação por via judicial do direito ao aviso prévio
proporcional. Apesar disso, seja no plano coletivo, nos julgamentos de dissídios
coletivos, seja no plano individual, nas reclamações que ingressam nas varas do
Trabalho, não cessam os apelos para que o Judiciário Trabalhista cumpra seu
papel na regulação desse importante direito social. É de se esperar quem, em
algum momento, o Judiciário escute com maior atenção tais apelos.
O aviso prévio proporcional ao tempo de serviço é um dos direitos sociais previstos no art. 7o. da Constituição Federal brasileira e integra um conjunto de dispositivos constitucionais destinados a dar maior proteção contra a despedida imotivada, que, em nosso país, constitui um dos fatores de atraso de nossa legislação trabalhista em relação a países com o mesmo nível de desenvolvimento.
Elaborada tal norma constitucional em meio aos debates intensos que marcaram o processo constituinte brasileiro, em especial no que concerne aos direitos sociais e econômicos, o direito ao aviso prévio proporcional foi incluído no rol dos direitos sociais com a usual expressão “na forma da lei”, remetendo-se sua formatação à regulamentação por Lei Ordinária. Por certo, esperava-se que tal regulamentação fosse feita em tempo breve, mesmo porque o mesmo legislador constituinte previu que, cinco anos após a promulgação da Constituição, haveria um processo revisional. Portanto, era de se esperar que o aviso prévio proporcional, tal como outros direitos previstos no art. 7o. e que também dependiam de regulamentação legal, fossem testados pela sociedade brasileira antes do processo revisional.
Entretanto, passaram, não cinco anos, mas mais de á vinte anos sem que o legislador desse consequencia a tais direitos sociais, deixando de elaborar normas que os regulassem. Além disso, não se vislumbram políticas públicas que venham ao encontro ao propósito do constituinte de estender aos trabalhadores com maior tempo de serviço ao empregador uma proteção reforçada contra a despedida imotivada.
As expectativas de que esse direito fosse construído pela própria sociedade civil, por meio de acordo entre sindicatos de trabalhadores e empregador, estas se mostraram pouco realistas, na medida em que somente as categorias profissionais mais fortes lograram obter, na mesa de negociação, que esse direito fosse contemplado em convênios coletivos. Também se frustraram os que pensavam que o Poder Judiciário Trabalhista, pelo seu poder normativo (mantido pelo art. 114 da Constituição Federal, ainda que mitigado pela Emenda Constitucional n°. 45/2004), pudesse tornar realidade o aviso prévio proporcional para a generalidade das categorias profissionais. Tal possibilidade foi drasticamente suprimida pelo Tribunal Superior do Trabalho, que entendeu pela impossibilidade de deferimento de pedido com este teor em julgamento de dissídio coletivo.
Recorreu-se, também, ao mecanismo do Mandado de Injunção, instituto criado pelo constituinte para, justamente, dar efetividade a normas que, por inércia do legislador, sofriam o risco de “cair no vazio” (tal como aconteceu com tantos outros direitos constitucionais previstos em Constituições anteriores). Mais uma vez, sem sucesso, já que o Supremo Tribunal Federal limitou-se a comunicar formalmente o Parlamento da mora legislativa, dando ao Mandado de Injunção o mesmo efeito da ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão.
Finalmente, o Poder Judiciário, já no âmbito de ações individuais, apesar do amplo debate doutrinário e jurisprudencial sobre a efetivação dos direitos fundamentais sociais, terminou por rejeitar a aplicação direta do direito ao aviso prévio proporcional, a despeito do contido no art. 5o., inciso 1º. da Constituição Federal, tendo o Tribunal Superior do Trabalho editado a Orientação Jurisprudencial nº. 84, SDI-1, que afasta a possibilidade de auto-aplicabilidade do art. 7°., XXI da Constituição Federal.
Restam, assim, poucas esperanças de que, finalmente, este importante instrumento de proteção ao trabalhador – especialmente o mais idoso – contra a despedida arbitrária e as angústias do desemprego que lhe seguem seja, finalmente, colocado em prática: 1) a persistência dos atores sociais, no plano da negociação coletiva, em colocar em pauta o direito dos trabalhadores com maior tempo de serviço a um aviso prévio diferenciado e 2) um renovado alento quanto às novas perspectivas de utilização do Mandado de Injunção na regulação das omissões legislativas, em decorrência de recentes decisões do STF, em especial quanto no julgamento do direito de greve dos servidores públicos.
Consideradas as atuais imensas dificuldades dos sindicatos de trabalhadores em obter, em negociação coletiva, direitos mínimos (como, por exemplo, aumentos reais baseados em ganhos de produtividade), parece pouco realista pensar que, em curto prazo, o panorama se altere a ponto de viabilizar que o aviso prévio proporcional conste dos pactos coletivos.
Resta, assim, persistir no caminho da judicialização da reivindicação social de mais garantias aos trabalhadores despedidos por meio de uma maior indenização vinculada ao tempo de serviço. Neste contexto, o direito ao aviso prévio proporcional pode ser objeto de demandas judiciais, desde que perfeitamente entendidos os limites e as possibilidades do Judiciário no processo de transformação social.
Conforme HERRERA FLORES (2009, p. 193),
“os direitos devem ser vistos e postos em prática, como produto de lutas culturais, sociais, econômicas e políticas para “ajustar” a realidade em função dos interesses mais gerais e difusos de uma formação social, quer dizer, os esforços por buscar o que faz com que a vida seja digna de ser vivida”.
A instrumentalização das demandas judiciais na efetivação dos direitos sociais constitui parte do processo social de luta por este “ajuste”, na medida em que possa representar a ampliação dos “espaços sociais de democracia” em que os grupos e indivíduos encontrem possibilidade de formação e de tomada de consciência para combater a totalidade de um sistema caracterizado pela reificação, pelo formalismo e pela fragmentação; ou seja, parte de um processo de construção de um “espaço público de empoderamento”, onde possa surgir uma variedade de diferentes experiências e onde sobressaiam a mutabilidade e as possibilidades de modificação e de transformação (Herrera Flores, ob. cit., p. 194).
Não é demasiado lembrar que, nas democracias modernas, “os juízes aparecem instalados no imaginário da sociedade como última ratio, como garantias finais do funcionamento do sistema democrático”, sendo que, por razões sistêmicas (pelas funções institucionais que lhes compete em uma sistema democrático garantista), são depositários de uma expectativa social maior do que a destinada a outros poderes da República (CÁRCOVA, 1996, p. 167).
A abertura hermenêutica propiciada pela nova leitura dos efeitos do Mandado de Injunção pelo Supremo Tribunal Federal pode ser utilizada pelo Judiciário Trabalhista para uma renovação da jurisprudência sobre a efetividade dos direitos sociais ainda pendentes de regulamentação por lei, no caso, especificamente sobre o direito ao aviso prévio proporcional.
Para tanto, é preciso superar tanto uma visão tímida e comodista – que reserva ao Judiciário um papel subalterno no processo democrático, incompatível com os novos tempos -, assim como uma pretensão exclusivista – que, nas palavras de GERARDO PISARELLO (2009), “pode levar a certa subordinação das garantias legais às suas definições dos órgãos judiciais, levando seu liberalismo igualitário a certa tensão com os ideais de autogoverno democrático”.
Como lembra tal autor, é possível vencer a desconfiança no Poder Judiciário através de uma aposta numa “permanente circulação de contrapoderes políticos, jurisdicionais e, sobretudo, sociais”, de forma que os controles jurisdicionais não se resumam a simples mecanismos contramajoritários, mas representem “vias aptas para provocar um diálogo, não necessariamente condescendente, entre órgãos jurisdicionais e políticos” sobre a devida proteção dos direitos sociais.[60]
Se a luta pela efetividade da Constituição Federal é de toda a sociedade, o que se espera do Poder Judiciário não é mais do que a justa expectativa de que faça a sua parte.
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-
Projeto de Lei n°. 1.041/1988,
de iniciativa do então Deputado Paulo Paim (PT-RS), propondo que o prazo do
aviso prévio fosse de trinta dias para cada ano de tempo de serviço prestado ao
empregador. [LC1]No mesmo sentido, também foram apresentados:
PL n°. 1.227/1988 (Deputado Solon Borges dos Reis, PTB/SP), PL n°. 1.554/89 (Deputado
Carlos Cardinal, PDS–RS), PL n°. 268/89 (Senador Iram Saraiva), PL n°. 2.094/1991 (Deputado Gilvan Borges,
PRN-AP), PL n°. 7.941/1991 (Deputado Freire Junior, PRN-TO), PL 5605/1990 (Deputado
Geraldo Bulhões, PSC-AL), PL n°. 5.401/1990 (Deputado Vivaldo Barbosa, PDT-RS),
PL n°. 4.359/1989 (Deputado Aloísio Vasconcelos, PMDB-RS), Pl n°. 2.666/89 (Deputado Geovani Borges,
PFL-AP), PL n°. 794/91 (Freira Júnior, PMDB-TO);
-
Projeto
de Lei n°. 112/1989, de autoria do Deputado Max Rosemann (PMDB-PR), que propõe
que o aviso prévio seja acrescido de mais trinta dias para contratos com mais
de cinco e menos de dez anos de tempo de serviço prestado ao empregador; mais
sessenta dias para contratos de mais de dez até quinze anos de tempo de
serviço; mais noventa dias para
contratos de mais de quinze até vinte anos de tempo de serviço; mais cento e
vinte dias para contratos com mais de vinte anos de tempo de serviço;
-
Projeto
de Lei n°. 3.989/1989, de autoria do Deputado José Maria Eymael (PDC-SP), que
estipula um aviso prévio de 15 dias por ano de tempo de serviço prestado ao
mesmo empregador em contratos até quatro anos; de 10 dias por ano de tempo de
serviço prestado ao mesmo empregador em contratos de mais de quatro anos e até
oito anos; de cinco dias por ano de tempo de serviço prestado ao mesmo
empregador em contratos com mais de oito anos; respeitado sempre o período
mínimo de trinta dias;
-
Projeto
de Lei n°. 3.978/89, de autoria do Deputado Marcos Formiga (PL-RN), que dispõe
que o aviso prévio será no mínimo de 30 dias e no máximo de 180 dias;
-
Projeto
de Lei n°. 3.941/89, de autoria do Senador Carlos Chiarelli (PFL/RS), que prevê
que o aviso prévio seja acrescido de mais três dias por ano até o limite de
sessenta dias, totalizando noventa dias;
-
Projeto
de Lei n°. 3.497/89, de autoria do Deputado
Carlos Alberto Cao (PDT-RJ), que estabelece trinta dias de aviso prévio
para os empregados com menos um ano de serviço, 45 dias para os trabalhadores
com mais de um ano e até cinco anos de serviço e 90 dias para os com mais de
cinco anos de serviço;
-
Projeto
de Lei n°. 3.474/89, de autoria do Deputado José Guedes (PSDB/RO), que prevê
que o aviso prévio seja acrescido de mais 1,5 dia por ano de tempo de serviço,
a partir do sexto mês;
-
Projeto
de Lei n°. 2.943/1989, de autoria da Deputado Myrian Portella (PDS-PI), que
estipula aviso prévio de trinta dias até um ano de tempo de serviço; sessenta
dias, de um a cinco anos; cento e vinte dias, de cinco a oito anos; cento e
cinquenta dias para mais de oito anos;
-
Projeto
de Lei n°. 2.125/1989, de autoria do Deputado Adhemar de Barros Filho (PDT-SP),
que propõe aviso prévio correspondente a dois salários para o trabalhador que
tiver de um a cinco anos de serviço; três salários para o que tiver de cinco a
dez anos; quatro salários para o que tiver de dez a vinte anos e cinco salários para o que tiver mais de vinte anos
de serviço;
-
Projeto
de Lei n°. 5.730/1990, de autoria do Senador
Nelson Wedekin (PMDB-SC), propondo aviso prévio de trinta dias para o
trabalhador com até um ano de tempo de serviço ao mesmo empregador; quarenta e
cinco dias, de mais de um ano até três anos; sessenta dias, de mais de três
anos até cinco anos; noventa dias, com mais de cinco anos;
-
Projeto
de Lei n°. 3.796/1993, de autoria do
deputado Edson Menezes Silva (PcdoB-RS), propondo que, a partir do segundo ano
de casa, o trabalhador tenha direito a aviso-previo proporcional ao tempo de
serviço a razão de mais quinze dias para cada ano de trabalho. No mesmo
sentido, o PL n°. 2.043/1996 (Deputado Maurício Requião, PMDB-PR);
-
Projeto
de Lei n°. 454/2009, de autoria do Deputado Cléber Verde (PRB/MA), propondo que
o aviso prévio seja acrescido de cinco dias por ano de serviço prestado ao
mesmo empregador.
-
Projeto
de Lei n°. 112/2009, de autoria do Senador Paulo Paim (PT/RS), que prevê um
aviso prévio de trinta dias para empregados com menos de um ano de tempo de
serviço prestado ao mesmo empregador; sessenta dias para aqueles com mais de um
ano e menos de cinco anos; noventa dias, com mais de cinco e menos de dez anos;
cento e vinte dias para empregados com mais de dez anos e menos de quinze anos;
e cento e oitenta dias, para empregados com mais de quinze anos.[62]
Entendo que o tempo hoje é de
reflexão e de amadurecimento das ideias, ainda que os fatos e as mudanças
legislativas corram céleres e exijam soluções imediatas.
A Constituição atual trouxe no seu
âmago, em termos de garantias individuais e de direitos sociais, alterações
substanciais que, por sua vigência imediata, exigem um posicionamento do Juiz
firme e com convicção para que não se frustre a expectativa da própria
sociedade, que espera a inviolabilidade e a incidência da Constituição Federal.
O papel do juiz, hoje, como,
aliás, inerente em todos os tempos, não se exaure como é óbvio, em mero
aplicador da lei existente. A elaboração jurídico-formal, que se exprime no ato
de julgar, não se limita apenas pela conformação do caso concreto ao
dispositivo legal. Há de se ressaltar que quando inexistente a lei aplicável ao
caso concreto, em termos de interpretação sistemática, o Juiz deve ter como
parâmetro a analogia, os princípios gerais do Direito e o costume. Partindo-se
do pressuposto de que ao Juiz é vedado abster-se de realizar a prestação
jurisdicional sob a alegação de lacuna ou obscuridade da lei (art. 126 do
Código de Processo Civil) e, aplicando-se a analogia e os princípios gerais do
direito com base no art. 4º. da Lei de Introdução do Código Civil, deve-se assegurar
de imediato, no caso, todos os direitos sociais previstos constitucionalmente.
No caso, sob análise, o inciso XXI
do art. 7º. da atual Constituição Federal, garante expressamente a todos os
trabalhadores urbanos e rurais, in verbis:
“aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo de, no mínimo, de trinta
dias, nos termos da lei”.
Considerando-se que se inserem os
direitos sociais e, portanto, de incidência imediata, por força do parágrafo 1º.
do artigo 5º. da Constituição Federal, tem de se compatibilizar em termos de
interpretação, de um lado, a garantia com vigência imediata e, de outro, a
ausência de regulamentação específica em todos os seus termos. A previsão de
aviso prévio proporcional é nova em nosso Direito Positivo, n entanto, não é impossível
de ser exercitado de imediato, em razão de ausência de lei ordinária específica
que o regulamente.
Entendo que a sistematização de
tal dispositivo constitucional encontra-se prevista de forma analógica, na
própria legislação trabalhista.
Partindo-se da aplicação do art.
478 da CLT, que no sistema de indenização por tempo de serviço garantia ao
trabalhador um mês de remuneração por ano de serviço, entende-se que tal
regramento deve ser aplicado de forma subsidiária, para efeito de cálculo do
aviso prévio proporcional. Então se tem que, para efeito de tempo para
garantir-se a aplicação do aviso prévio proporcional, pode-se considerar que a
cada ano de serviço do trabalhador despedido, corresponderá a um mês de aviso
prévio. E esse prazo será devido em dobro, se o empregado contar com mais de
dez anos de serviço (art.499, parágrafo 3º. da CLT).
Considera-se que o dispositivo
constitucional assegurou um mínimo de tempo para efeito do aviso prévio
expresso em trinta dias, que se entende com devido para o empregado despedido,
com até um ano de serviço. De outra forma, não teria qualquer sentido a norma
para mensuração do tempo de serviço.
Entende-se que houve de forma
inequívoca, a preocupação do legislador constituinte, em assegurar ao
trabalhador despedido maior tempo para a busca de um novo emprego, tomando por
base um dado objetivo, tal seja o tempo de serviço. Por óbvio, que nesse caso,
além da valorização do tempo de serviço, foi observada uma realidade também
objetiva em nosso País. É que quanto mais tempo de serviço possui o empregado,
especialmente se se considerar o profissional especializado, maior dificuldade
terá em conseguir nova colocação, não só pelo fator salário, como também pelo
fator idade.
E, partindo-se dessa proteção ao tempo de serviço, valorizada em todos os seus termos pela norma constitucional, é que se propõe tal interpretação, com a finalidade de aplicação imediata da norma constitucional.
10.
AVISO PRÉVIO PROPORCIONAL.
Renova
o autor o seu pedido de pagamento do aviso-prévio proporcional com base na
norma constitucional, artigo 7º., inciso XXI.
Examina-se.
Tem-se
entendido ser viável o deferimento de aviso-prévio proporcional.
No
presente, adota-se o critério de cálculo do anterior Precedente
Normativo nº. 13 deste Tribunal Regional do Trabalho, ainda que
cancelado, aplicável ao presente caso, por apresentar profunda razoabilidade:
“P13-AVISO
PRÉVIO PROPORCIONAL ADAPTADO PARA LIMITAR A 60 (SESSENTA) DIAS O PRAZO MÁXIMO
DO AVISO - D.J. DE 14.08.95. "Fica assegurado aos integrantes da categoria
profissional um aviso prévio de 30 (trinta) dias acrescido de mais 5 (cinco)
dias por ano ou fração igual ou superior a seis meses de serviço na mesma
empresa".
Note-se que o
Supremo Tribunal Federal já tem analisado o tema. No MI 695/MA - MARANHÃO,
MANDADO DE INJUNÇÃO, Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 01/03/2007,
Órgão Julgador: Tribunal Pleno, foram externadas considerações relevantes.
Registrou-se que o tema já é “velho cliente”. Cogitou-se de normatizar, desde
logo, tal como procedido com o direito de greve dos servidores, o que não
efetuado porque não atenderia o caso concreto, o qual tratava de trabalhador
bancário com vinte anos de contrato, já no passado. No dizer do Ministro Gilmar
Ferreira Mendes, “no caso, há um pedido específico que, certamente, não será
capaz de atender as pretensões do impetrante, uma vez que a lei só disporá para
o futuro, não terá como repercutir sobre sua própria situação subjetiva”.
Decidiu-se, não por primeira vez, “declarar a mora e comunicar a decisão ao
Congresso Nacional”. Ora, aqui, nestes
autos, não se trata de mandado de injunção, mas, sim, de caso concreto a exigir
manifestação judicial. O trabalho prestado ao longo de anos não pode ter o
mesmo tratamento dispensado aos contratos de curta duração, conforme artigo 7º.,
inciso XXI, da Constituição. Neste julgamento não se pode omitir a manifestação
judicial cabível ao caso concreto, conforme artigo 126 do Código de Processo
Civil.
Dá-se provimento ao recurso do reclamante.
Do aviso-prévio proporcional.
O aviso
prévio proporcional, ainda que o TST, OJ 84 da SDI – 1, exija legislação que o regulamente,
é devido. É que as normas de direitos fundamentais são auto-aplicáveis, artigo
5o, parágrafo primeiro, da CF/88, não havendo razão para a divisão dos direitos
fundamentais em dimensões ou gerações. Isso se explica porque não há diferenças
estruturais entre os variados tipos de direitos fundamentais, o que determina a
superação dos modelos teóricos embasados na separação estanque entre os
direitos sociais e de liberdades e garantias, afirmando Schäfer a aplicabilidade
imediata de todas as normas constitucionais, a partir da unidade de sentido dos
direitos fundamentais.[i]
De outro lado, a diferença entre direitos
negativos e positivos é apenas de grau, pois que nos dois há expectativas
negativas e positivas, porquanto os direitos sociais buscam suas fontes no princípio
da igualdade, o qual é pressuposto da liberdade, demonstra que as mais variadas
particularidades existentes entre os diversos direitos não devem ser concebidas
como antagônicas e excludentes, mas como elementos que complementam a dignidade
da pessoa humana, tendo uma implicação recíproca. A “garantia dos direitos de
liberdade é condição para que as prestações sociais do Estado possam ser objeto
do direito individual; a garantia dos direitos sociais é condição para o bom
funcionamento da democracia, bem como para um efetivo exercício das liberdades
civis e políticas”.[ii]
Assim, embora a maioria da doutrina entenda
que efetivamente há a divisão dos direitos fundamentais em dimensões, a posição
de Schäfer, no direito brasileiro, embora não seja inovadora, na certa vem a
calhar. É até mesmo desproporcional não considerar os direitos fundamentais
como uma unidade, sem a clássica separação estanque. Não há mais justificativa
para se dar mais valor ao patrimônio e às liberdades e garantias do que aos
direitos sociais. Não há liberdade num estado em que não prima pela igualdade.
Esta igualdade, juntamente com a liberdade, reforça e, porque não, recria o
conceito de dignidade humana, este previsto no artigo 1o, III, da Constituição brasileira
de 1988.
De
outra face, ainda que assim não fosse, os direitos fundamentais de primeira
dimensão (conhecidos como negativos ou como liberdades e garantias) não
necessitam de qualquer agir do poder público para que sejam gozados pelos cidadãos.
O mesmo ocorre em parte com os direitos de segunda dimensão, fundamentais assim
como os anteriores. É que no caso dos direitos trabalhistas não há exigência de
que o poder público aja a fim de garantir os direitos, pois não são eles prestacionais
como os demais de segunda dimensão (saúde, educação, previdência e outros) que,
e isso é controverso, dependeriam, para o pleno gozo, de normas
infraconstitucionais.[iii]
Assim, a norma do artigo 7o, XXI, da CF/88 é auto-aplicável, dispensando
procedimento legislativo para que tenha plena eficácia.
No que
tange ao critério de fixação da proporcionalidade, além dos trinta dias, para
cada ano de serviço ou fração igual ou superior a seis meses, deve o empregado
receber um dia de aviso-prévio. Isso ocorre porque, para fim de apuração da
indenização prevista na Súmula 291 do TST, o cômputo do período inferior a um
ano assim se faz e, quanto à fixação de um dia, porque é desta forma que se
apuram, contagem diária, as proporcionalidades de férias e décimo terceiro salário,
sendo estas, portanto, para fim de fixação de direitos trabalhistas decorrentes
da execução do contrato a menor fração. Ressalto que a lei pode fixar critério
mais benéfico, o que não é o caso, por falta desta mesma lei.
Por
fim, interessante trazer à baila recente decisão do Supremo Tribunal Federal,
mandado de injunção 721/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Melo, julgado em 30 de
agosto de 2007, onde o relator aduz: “O Tribunal julgou parcialmente
procedente pedido formulado em mandado de injunção impetrado, contra o
Presidente da República, por servidora do Ministério da Saúde, para, de forma mandamental,
adotando o sistema do regime geral de previdência social (Lei 8.213/91, art.
57), assentar o direito da impetrante à aposentadoria especial de que trata o §
4º. do art. 40 da CF. Na espécie, a impetrante, auxiliar de enfermagem,
pleiteava fosse suprida a falta da norma regulamentadora a que se refere o art.
40, § 4º., a fim de possibilitar o exercício do seu direito à aposentadoria
especial, haja vista ter trabalhado por mais de 25 anos em atividade
considerada insalubre — v. Informativos 442 e 450. Salientando o caráter
mandamental e não simplesmente de0claratório do mandado de injunção,
asseverou-se caber ao Judiciário, por força do disposto no art. 5º., LXXI e seu
§ 1º., da CF, não apenas emitir certidão de omissão do Poder incumbido de regulamentar
o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania, mas viabilizar, no caso concreto, o
exercício desse direito, afastando as conseqüências da inércia do legislador.” [iv]
Assim, procede o pedido de pagamento de mais cinco dias de aviso-prévio.
[1] "A parcela da população correspondente aos 20% mais ricos do planeta concentram 82,7% do produto nacional bruto, enquanto os 20% mais pobres partilham 1,4% (Rapport sur Le Développement du Monde 1990)” (THÉBAUD-MONY, 1993).
[2] A esse respeito ver “Quem foi quem na Constituinte, nas questões de interesse dos trabalhadores”, publicação do DIAP – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, doc. eletr. Disponível em www.diap.org.br. Acesso em 01/8/2010.
[3] Um levantamento do instituto do aviso prévio no direito comparado em RIPPER, Walter William. “Aviso prévio proporcional - estudo das suas concepções e da constitucionalidade do inciso I do art. 487 da CLT”. 2006. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina. Acesso em 01/10/2009.
[4] Conforme Rudolf Sohn, “Apud” em HESSE, 1991.
[5] Pode-se citar toda a tradição liberal, e, também, as ideias desenvolvidas pela teoria do State Action americana, que entende que os direitos fundamentais somente podem ser opostos em face do poder público.
[6] Conforme Luiz Roberto Barroso, prevaleceu nas sucessivas Constituições brasileiras, “a tradição européia da primeira metade do século, que via a Lei Fundamental como mera ordenação de programas de ação, convocações ao legislador ordinário e aos poderes públicos em geral”. (BARROSO, 2009).
[7] A esse respeito, ver HAYEK, 1980, p. 281.
[8] No Brasil, por todos, AFONSO DA SILVA, 2000.
[9] Para
Dürig, por exemplo, ¨también a ação positiva de ¨proteger¨ é uma atividade
estatal defensiva – e não uma
configuração positiva¨ (Citado em
ALEXY, Robert. “Teoría de los derechos
fundamentales”. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 441).
[10]“acciones positivas fácticas o
normativas que tienen como objeto la delimitación de las esferas de sujetos
jurídicos iguales, como así también la imponibilidad y la imposición de esta
demarcación” (a tradução é do autor do presente trabalho).
[11] “negar al mismo Estado todo
poder vinculante y global de dirección de la sociedad. Se podría decir, en
síntese, que en la lógica liberal la constitución como norma fundamental de
garantía (constituzione-garanzia) no puede imponerse como norma al Estado
soberano, pero al mismo tiempo la constitución como norma directiva fundamental
(constituzione-indirizzo) no puede imponerse como norma a la sociedad” (FIORAVANTI,
1996, p. 124).
[12] “máxima forma de garantía de
los derechos y libertades, bien como norma directiva fundamental a seguir para
la realización de los valores constitucionales (a tradução é do autor do
presente trabalho).
[13] “contiene el orden jurídico
básico de los diversos sectores de la vida social y política, de modo que
prefigura, de forma similar a como lo hacen los programas de partido, un
“modelo de sociedad”” (a tradução é do
autor do presente trabalho).
[14] ¨La constitución, en suma, no es
sino la expresión condensada de toda una serie de valores respecto de los que
es presumible un elevado consenso, y que habrán de afectar a las dinámicas y
relaciones privadas y públicas¨ (PEÑA FREIRE, 1997, p. 79).
[15] “Estos elementos quedarán así
sustraídos a los posibles excesos de las dinámicas políticas y, desde la
posición que les otorga la primacía constitucional, se proyectarán sobre toda
la dinámica normativa y la actividad jurídica, sin poder resultar afectados por
las tensiones o desviaciones que se pudieran producir en los planos inferiores”
(a tradução é do autor do presente trabalho).
[16] “intangibles, incorporados como están a las reglas fundadoras del contrato social” (a tradução é do autor do presente trabalho). Bruzet e Belzunegui, neste livro, apontam as razões econômicas que geraram, a partir dos anos setenta, a crise social do modelo fordista (“estagflação”, o fim do pleno emprego e a crise fiscal) e, assim, puseram em cheque o Estado de Bem-Estar Social.
[17] ¨la Constitución, toda Constitución
que pueda ser así llamada, es fuente de derecho en el sentido pleno de la
expresión, es decir, origen mediato e inmediato de derechos y obligaciones y no
sólo fuente de las fuentes¨ (a tradução é do autor do presente trabalho).
[18] Uma das mais importantes
formas de descumprimento da norma constitucional, como se verá, ocorre pela
inércia do legislador, o que se denomina “inconstitucionalidade por omissão” (GOMES CANOTILHO, J.J; MOREIRA, Vital. “Fundamentos da Constituição”. Coimbra: Coimbra Editora,
1991, p. 50).
[19] ¨O intérprete deve sempre considerar as normas constitucionais, não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios¨ (GOMES CANOTILHO; MOREIRA, Fundamentos da Constituição”. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. p. 233).
[20] Apesar da “expresión desgraciada”,
conforme GARCÍA DE ENTERRIA (ob. cit.,
p. 70). No caso, a frase final do apartado 3 do art. 53: “Solo podrán ser
alegados ante la Jurisdicción ordinaria de acuerdo con lo que dispongam las
leyes que los desarrollen”.
[21] Art. 6° – “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, à assistência social aos desamparados, na forma desta Constituição”.
[22]
Conforme Lorenzo Martín RETORTILHO BEQUER sem desconhecer a missão originária,
decisiva e que não debe ser esquecida “dos direitos fundamentais de proteção
dos cidadãos frente ao Estado, ¨hoy hay un campo abundante para que muy
diversos derechos fundamentales sean menospreciados y atacados por otros
sujetos, en concreto por particulares¨ (AAVV.
“
Estudios sobre la Constitución Española. Homenaje al Profesor Eduardo García de
Enterría”. Madrid: Civitas, 1991, p. 620).
[23]¨determinados valores sociales¨ de
que la Constitución es portadora y que son ¨primordiales y básicos para a vida
colectiva¨ (a tradução é do autor do presente trabalho).
[24] ¨el ámbito de las posibilidades
jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos¨ (a tradução é do
autor do presente trabalho).
[25] ¨si una regla es válida, entonces
de hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni menos. Por lo tanto, las
reglas contienen determinaciones en
el ámbito de lo fáctica y jurídicamente posible Eso significa que la diferencia
entre reglas y principios es cualitativa y no de grado” (a tradução é do autor
do presente trabalho).
[26] ¨conducen a derechos y deberes en
relaciones entre iguales que, debido a la vigencia de estos principios relativa
a la Constitución, son necesarios pero que, sin su vigencia no lo serían¨ (a
tradução é do autor do presente trabalho).
[27] “De acuerdo con lo dicho más
arriba acerca de la teoría del efecto inmediato en terceros, hay que excluir de
antemano dos cosas. Primero, un efecto inmediato en terceros no puede consistir
en que los derechos del ciudadano frente al Estado sean, al mismo tiempo,
derechos del ciudadano frente a los ciudadanos. (…) Segundo, no puede llegarse
a un efecto inmediato en terceros cambiando simplemente el destinatario de los
derechos frente al Estado. (…)Por efecto inmediato en terceros hay que entender
una tercera cosa. Ella consiste en que, por razones iusfundamentales, en la
relación ciudadano-ciudadano existen determinados derechos y no-derechos,
libertades y no-libertades, competencias y no-competencias que, sin estas
razones, no existirían. Si se define de esta manera el concepto de efecto
inmediato en terceros, de la teoría de los efectos mediatos en terceros y de
los efectos en terceros a través de la mediación del Estado, surge un efecto
inmediato en terceros” (a tradução é do
autor do presente trabalho).
[28] ¨los derechos sociales sólo
obligarían los terceros privados cuando así lo dispusiesen los poderes
públicos¨ (a tradução é do autor do presente trabalho).
[29] ¨la introducción de particulares en
el círculo de los destinatarios de los derechos fundamentales sociales
significaría el fin de la libertad personal, de la autonomía privada, de la
libertad de contrato y del derecho
privado¨¨ (a tradução é do autor do presente trabalho).
[30] A citação de tais autores em MARTÍNEZ ESTAY, 1997, p. 81.
[31] A esse respeito cita-se a polêmica entre a aplicabilidade dos direitos sociais descrita nos escritos de Abendroth, Wolfgang e Forsthoff, Ernest publicados na obra “Estado Social”, Ed. Centro de Estudios Constitucionais, Madrid, 1980.
[32] Os fundamentos de tal oposição em ALEXY, ob. cit., p. 492.
[33] A expressão “dimensão” parece preferível à usual “geração”, que pode levar ao equívoco de se pensar que os direitos somente podem ser conquistados por “fases distintas”, de forma, que os direitos sociais somente poderiam ser exigíveis depois de alcançados os direitos políticos, por exemplo.
[34] Art. 5o, parágrafo 1o CF: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação direta”.
[35] ¨Sólo la omisión de todos los actos
imaginables es causa suficiente para entender que el derecho se ha vulnerado,
mientras que cualquier acto del poder público podrá ser entendido como
suficiente para la realización del derecho¨ (a tradução é do autor do presente
trabalho).
[36] Sobre os limites e críticas de tal teoria em ALEXY, ob. Cit. p. 261
.
[37] O “interesse legítimo” seria o “irmão menor” do direito subjetivo. “Conforme José Afonso da Silva, citando Barile, ao contrário do direito subjetivo, em que a proteção é direta, plena e específica, a proteção do interesse é indireta, limitada e genérica” (AFONSO DA SILVA, ob. cit., p. 170).
[38] “inobservancia de los derechos positivamente estipulados, por lo que consiste en una indebida laguna que debe ser colmada por la legislación¨ (a tradução é do autor do presente trabalho).
[39] ¨no supone sólo la obligación del legislador de llenar las lagunas de
garantías con disposiciones normativas y políticas presupuestarias orientadas a
su satisfacción, sino además el establecimiento de otras tantas directivas
dotadas de relevancia decisiva en la actividad interpretativa de la
jurisprudencia ordinaria y sobre todo en la de los Tribunales supremos¨( a
tradução é do autor do presente trabalho).
[40] “Art. 5º, II – Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”. A expressão “lei”, aqui, não pode ser interpretada literalmente, como se excluísse qualquer outro tipo de norma, em especial a norma constitucional.
[41] MEIRELES TEIXEIRA, J. H. “Curso de Direito Constitucional”, p. 324. “Apud” AFONSO DA SILVA, 2000, p. 138.
[42] Citado em LYRIO PIMENTA, 1999, p. 158.
[43] Tal solução já
havia sido preconizada pelo Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, já
por ocasião do Mandado de Injunção n°. 20, no julgamento ocorrido em 19/5/1994.
Da mesma forma, o Ministro Carlos Velloso, no MI n°. 631 (Rel.Ilmar Galvão, DJ
02/8/2002).
[44]
“Tal direito não poderia deixar de ser pensado
como fundamental, uma vez que o direito à prestação jurisdicional efetiva é
decorrência da própria existência dos direitos e, assim, a contrapartida da
proibição da autotutela” MARINONI, Luiz Guilherme. “O direito à tutela jurisdicional efetiva na
perspectiva da teoria dos direitos fundamentais”. Disponível em Jus
Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5281.
Acesso em01/11/2009.
[45]
Exemplificativamente, o artigo 51 e 52 do Estatuto de los Trabajadores de
Espanha. Sobre o tema, ver “PÉREZ, José Luiz Monero e AVILÉS, José
Antonio Fernández. “El despido colectivo en el Derecho Español”, Pamplona: Ed:
Aranzadi; ABASCAL, Vicente Martínez (coord...),”Problemas Aplicativos del
despido en las reformas laborales de 1994 e 1997”, Madrid: ed. Ibidem, 1998 e VILLALÓN,
Jesús Cruz, “Los despidos por causas económicas y empresariales”, Cádiz, 1996. Para
o debate atual sobre proteção contra despedida imotivada, ver JIMÉNEZ, Rodrigo
Martin (coord). “La reforma laboral de 2010”. Madrid: Ed. Aranzadi,
2010. Para uma abordagem teórica, ver GRAU, Antonio Baylos. “A dispensa ou a violência
do poder privado”. São Paulo: LTr, 2009.
[46] PORTADOR DO VÍRUS HIV. REINTEGRAÇÃO. Em circunstâncias nas quais o
trabalhador é portador do vírus HIV e o empregador tem ciência desse fato, o
mero exercício imotivado do direito potestativo da dispensa faz presumir
discriminação e arbitrariedade. A circunstância de o sistema jurídico pátrio
não contemplar previsão expressa de estabilidade no emprego para o soropositivo
de HIV não impede o julgador de se valer da prerrogativa inserta no artigo 8º
da CLT, para aplicar à espécie os princípios gerais do Direito, notadamente as
garantias constitucionais do direito à vida, ao trabalho e à dignidade,
insculpidos nos artigos 1º, incisos III e IV; 3º, inciso IV; 5º, caput e XLI,
170 e 193 da Carta Política. Recurso de revista conhecido e provido.
(TST, RR - 1404/2001-113-15-00, 1ª Turma, Rel. Min. LELIO
BENTES CORRÊA, julgado em 30/08/2006, DJ 22/09/2006)
[47] Disponível em http://www.doingbusiness.org/.
[48] Processo TRT-SP- SDC 0002/2009-0 publicado no DO Eletrônico em 15/01/2009. Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Amasted Maxion Fundição e Equipamentos. Ferroviários S/A.
[49] Como é sabido, há de se diferenciar resilição (extinção baseada na declaração de vontade posterior de uma ou das duas vontades), resolução (extinção contratual baseada no descumprimento contratual) e rescisão (modalidade específica de dissolução para os contratos). In: LEITE, 2006.
[50] As outras hipóteses são os contratos meramente benéficos e os em que está envolvida a fidúcia (ex, mandato).
[51] Art. 593. A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo.
[52] “La
acción protectora del Derecho del Trabajo se ha extendiendo a sujetos que, en
términos estrictos, se encuentran en una situación muy diferente de la del
típico obrero subordinado a las órdenes del empresario”
(MELGAR, Alfredo
Montoya. “Sobre el trabajo dependiente como categoría delimitadora del Derecho
del Trabajo”. “Apud”: VILALÓN, Jesús Cruz. “Trabajo subordinado y trabajo
autónomo en la delimitación de fronteras del Derecho del Trabajo. Estudios en
homenaje al Profesor José Cabrera Bazán “ Editora Tecnos, Madrid, 1999, p. 57).
[53] GOMES E GOTTSCHALK, 1991, p. 412.
[54] Embora persistam grandes dúvidas a respeito, inclina-se a jurisprudência majoritária dos Tribunais do Trabalho pela incidência do recolhimento previdenciário sobre o aviso prévio indenizado, como evidencia o recente enunciado 49 do TRT 4ª. Região (“Incide contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado”. – Res. Adm. 14/2009). A esse respeito, ver Instrução Normativa (IN) 20 de 11/01/2007 do INSS. Para uma maior compreensão sobre os efeitos do aviso prévio sobre o contrato de trabalho, ver Súmulas 5, 182, 305, 369 e 371, bem como Orientações Jurisprudenciais da SDI-1 42, 82, 83, 135, 268 e 367 do TST.
[55] Ver a respeito anexo I.
[56]
Processo n°. 3156/2004-000-04-00.2, Relator (a): Carlos Alberto Reis de Paula
Julgamento: 08/11/2007.
[57] Texto integral do referido artigo no Anexo I.
[58] Brasil, TRT/4ª. Região, 3ª. Turma, Prolator Ricardo Carvalho Fraga, Acórdão n°. 00531-2007-381-04-00-4 RO, Partes: Arno Paulo Rupp e Calçados Azaléia S.A. Julg. 14/01/2009. Ver anexo II.
[59] Brasil, TRT/4ª. Região, 3ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Processo nº 00171-2006-003-04-00-0, Prolator . Exmo. Juiz Rafael da Silva Marques. Publicação em 31.05.2007. Revista Eletrônica da Jurisprudência do TRT 4ª. Região, Ano V, num. 72, 2ª. quinzena de março de 2009. Ver anexo III.
[60] “en ese contexto justificatorio, pierde sustento la posición que pretende
ver en la actuación de la justicia constitucional un debilitamiento de los
espacios participativos, así como el riesgo de la democracia sea fagocitada por
un supuesto – aunque a todas luces contrafáctico – “gobierno de los jueces” en
materia de derechos fundamentales” (PISARELLO, ob. cit).
[61] Conforme site da Câmara Federal (http://www.camara.gov.br) e do Senado Federal (http://www.senado.gov.br), acessados em 15/12/2009;
[62] Este projeto foi sugerido pela Associação Nacional de Magistrados do Trabalho (Anamatra).
[i] SCHÄFER, Jairo Gilberto. A indivisibilidade dos direitos fundamentais e a efetividade dos direitos sociais. In Anais do II Seminário Internacional sobre Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea. Sandra Regina Martini Vial (coordenadora), Mônia Clarissa Hennig Leial, Jorge Renato dos Reis, Rogério Gesta Leal – Porto Alegre, Evangraf, 2005, p.123.
[ii] Ibidem, p. 124.
[iii] ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Lisboa: Ed Almedina, 2005, p. 385 e seguintes.
[iv]
Informativo do STF número 477 de 20 a 31 de agosto
de 2007.
[LC1]Se quiser manter a íntegra, colocar em anexo e fazer no trabalho referência a pontos específicos.