EMENTA: DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A controvérsia que pode resultar no reconhecimento de relação de emprego, acaba por atrair a competência desta Justiça Especializada.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da Vara do Trabalho de Carazinho, sendo recorrentes CENTRO DE MEDICINA PREVENTIVA E PSICOSSOCIAL - CMPP E MUNICÍPIO DE CARAZINHO e recorridos OS MESMOS, MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO E ASSOCIAÇÃO DE PAIS E AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS - APAE.
Ajuizada ação civil pública pelo Ministério Público do Trabalho contra o Município de Carazinho, Centro de Medicina Preventiva e Psicossocial – CMPP e Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE, foi proferida decisão às fls. 876/888, complementada pela decisão de embargos declaratórios da fl. 914.
A segunda reclamada interpôs recurso ordinário, às fls. 889/898, buscando a reforma da decisão. Houve recolhimento de custas, conforme documentos da fl. 901.
O primeiro reclamado também interpôs recurso ordinário, às
fls. 916/945. Argúi a incompetência desta Justiça para apreciar o feito e, no
mérito, busca a reforma da decisão quanto à determinação para que “abstenha-se de celebrar contratos, convênios, termos de cooperação ou
quaisquer acordos que tenham por objeto a arregimentação de trabalhadores para
prestar serviços relacionados ao atendimento da saúde pública”.
Contra-razões, pelo Ministério Público do Trabalho, às fls. 953/956.
Subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
PRELIMINARMENTE:
1. DO NÃO CONHECIMENTO DO RECURO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA
SEGUNDA RECLAMADA, CENTRO DE MEDICINA PREVENTIVA E PSICOSSOCIAL –
CMPP.
A ação foi julgada procedente pelo Juízo de primeiro grau, restando as segunda e terceira reclamadas, condenadas ao pagamento de custas processuais, o que implica em obrigatório depósito recursal destinado à garantia do Juízo.
Observa-se que foi efetuado o pagamento das custas processuais, conforme se verifica no documento da fl. 901. Contudo não efetuou o depósito recursal. Sendo a segunda reclamada pessoa jurídica de direito privado, deveria ter efetuado o recolhimento do valor referente ao depósito recursal.
Gize-se que o depósito recursal é pressuposto de admissibilidade e possui natureza jurídica de garantia do Juízo recursal, nos termos do expressamente referido no artigo 899 da CLT, não se admitindo o exame do recurso sem que tenha sido atendido tal requisito.
Desse modo, não tendo efetuado o preparo previsto em lei, não pode o recurso ordinário interposto ser recebido, porquanto deserto. O não recebimento do recurso ordinário interposto pela segunda reclamada, por deserto, não afronta princípios e dispositivos constitucionais, tendo em vista a inexistência de preparo, exigência prevista no artigo 899 da CLT. Diante desse contexto, não se conhece o recurso interposto pela segunda reclamada, por deserto.
mérito:
RECURSO ORDINÁRIO DO PRIMEIRO RECLAMADO.
2. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA APRECIAR A LIDE.
Aduz o Município recorrente, primeiro reclamado, que a Justiça do Trabalho é incompetente para apreciar a presente lide. Refere que “dentre o rol das atribuições constitucionais da Justiça do Trabalho, em momento algum consta qualquer situação ao menos similar com a presente nos autos deste processo. Nesta demanda, de forma absolutamente irregular, imiscuindo-se em matéria alheia à sua esfera de atuação legal, a Justiça Especializada, mediante propositura do Ministério Público do Trabalho, busca declarar ilegal não a relação de trabalho eventualmente existente entre o Município e a entidade sem fins lucrativos, mas a própria relação contratual” (fl. 919).
Examina-se.
Inicialmente cumpre observar que tal argüição, em sede recursal, é inovatória, visto que não há qualquer alegação neste sentido na contestação do Município reclamado, às fls. 402/427, não merecendo conhecimento, em face dos limites da lide.
Assim, definidos os limites da lide, que são traçados pela inicial e contestação, vem a ora recorrente inovar o feito, na medida em que nada foi alegado na defesa quanto à matéria.
Ademais, o fato de haver controvérsia, que pode resultar no reconhecimento de relação de emprego, acaba por atrair a competência desta Justiça Especializada.
Inoportuna a postulação.
3. DA ABSTENÇÃO DE CONTRATAR TRABALHADORES POR MEIO DE
ORGANIZAÇÃO SOCIAL OU POR QUALQUER OUTRA EMPRESA PARA A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
LIGADOS À ÁREA DA SAÚDE.
Aduz o primeiro reclamado, Município de Carazinho, que a
determinação da sentença para que “o
Município de Carazinho abstenha-se de celebrar contratos, convênios, termos de
cooperação ou quaisquer acordos que tenham por objeto a arregimentação de
trabalhadores para prestar serviços relacionados ao atendimento da saúde
pública (atividade-fim)”,
atuam diretamente na sua relação jurídico-administrativa, ferindo preceitos
constitucionais e as decisões da Suprema Corte na ADIN 1923.
Refere que o contrato de gestão firmado com a segunda reclamada “é decorrente
da Concorrência Pública nº 004/07, em conformidade com o artigo 173 da
Constituição Federal” (fl. 935). Refere que a prática adotada observou o
disposto na Lei 9637/98, onde foi autorizado que o poder Executivo qualificasse
tais entidades ou associações sem finalidade lucrativa.
Examina-se.
Inicialmente, importante salientar que o que foi julgado na ADIN 1923-5 foi o pedido de liminar, que restou indeferido, não havendo até o momento decisão do mérito da matéria sub judice, conforme se verifica no endereço eletrônico: www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.
Desde logo registre-se trecho lúcido da manifestação do Ministro Eros Grau, quando profere seu voto na Mediada Cautelar da Adin 1923:
“Continuo plenamente convicto de que uma série de preceitos da lei é afrontosa à ordem constitucional. Ao lado das instituições exemplares, no âmbito da saúde e da ciência e tecnologia, há situações escandalosas. (...) Em suma, essas circunstâncias, associadas à impossibilidade de nesse momento processual separarmos o joio do trigo, fazem-me reconsiderar meu voto. Sem aferir, de modo nenhum, a qualquer das razões de mérito do Ministro Gilmar Mendes --- a quem muito respeito ---, eu diria que na oportunidade de examinarmos o mérito, poderemos pensar numa sentença aditiva para encontrar, efetivamente, o bom rumo. Então decidiremos com a prudência que deve nos caracterizar, a fronesis. Com a serenidade suficiente para não criarmos um impasse nos que tange ao trigo”.
Em que pese o longo arrazoado do primeiro reclamado, Município de Carazinho, o que realmente está sendo apreciado na presente ação não é a possibilidade de o Município se utilizar da celebração de convênios com organizações sociais e entidades filantrópicas para o atendimento da saúde pública, mas sim, burlar a legislação trabalhista ao se utilizar de alegada organização social e de entidade filantrópica, ou seja, a APAE, que é isenta do pagamento da Previdência Social – cota patronal, para contratar pessoas que indiretamente estarão realizando os serviços de saúde em seu nome. Ou seja, não haverá o recolhimento das contribuições previdenciárias incidentes sobre os valores pagos a tais empregados, fato que não ocorreria caso o contrato fosse mantido com a segunda reclamada ou, diretamente, com o Município reclamado.
Veja-se que na própria contestação o Município de Carazinho reconhece que a segunda reclamada, buscando otimizar os recursos públicos, “adotou medida de ação conjunta com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, no intuito de estabelecer uma parceria para a execução das políticas públicas dos programas federais de Agentes Comunitários de Saúde e da Saúde da Família” (fl. 419).
Desta forma, não há qualquer dúvida quanto às irregularidades na celebração de contratos, convênios ou termos de cooperação entre o Município de Carazinho e a APAE local, na contratação de mão-de-obra.
No que diz respeito à celebração de convênio com a segunda
reclamada, CMPP, verifica-se que embora haja notícia nos
autos de que é uma organização social, cumpre observar que o artigo 2º da Lei
nº 9637/98, em seu inciso II prevê que para a qualificação da entidade privada como organização social deverá “haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua
qualificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão
supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social
e do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado”. Contudo o que se verifica nos autos é que
a segunda reclamada foi qualificada como organização social pelo executivo
municipal (Decreto nº 050/03 – fl. 924), não atendendo o disposto na lei
9637/98.
Da mesma forma o artigo
6º da própria Lei prevê que:
“O contrato de gestão, elaborado de comum acordo entre o órgão ou entidade supervisora e a organização social, discriminará as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social. Parágrafo único. O contrato de gestão deve ser submetido, após aprovação pelo Conselho de Administração da entidade, ao Ministro de Estado ou autoridade supervisora da área correspondente à atividade fomentada”.
Assim, o que se verifica é que ao contrário do afirmado pelo primeiro reclamado, o contrato de gestão não foi firmado de acordo com ditames legais.
Nada a reparar na sentença que determinou que o Município de Carazinho abstenha-se de celebrar contratos, convênios, termos de cooperação ou quaisquer acordos que tenham por objeto a arregimentação de trabalhadores para prestar serviços relacionados ao atendimento da saúde pública.
Nega-se provimento.
ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:
Preliminarmente, por unanimidade, não conhecer o recurso interposto pela segunda reclamada, por deserto.
No mérito, por unanimidade, negar provimento ao recurso do primeiro reclamado.
DESEMBARGADOR
RICARDO CARVALHO FRAGA
Relator
\F