EMENTA: AGRAVO DE PETIÇÃO DO TERCEIRO EMBARGANTE. PENHORA DE PARTE DO SALÁRIO (15% DO VALOR LÍQUIDO). POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL. Hipótese em que a impenhorabilidade de que trata o artigo 649, IV, do CPC, deve ser aplicada em conformidade com o princípio da proteção do salário. A dívida trabalhista que está em execução também diz respeito a créditos de natureza alimentar. Assim, entende-se por razoável o percentual penhorado, assegurando a disponibilidade da parcela ao empregado, porquanto indispensável à garantia do sustento seu e de sua família. Provimento negado.
VISTOS e relatados estes autos de AGRAVO DE PETIÇÃO interposto de decisão do Exmo. Juiz da 22ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, Dra. Rozi Engelke, sendo agravante JXXX e agravado JXXX.
Inconformado com a decisão proferida às fls. 69-70, que julgou procedente em parte os Embargos de Terceiro, agrava de petição o terceiro embargante quanto ao item: ausência de título executivo – condição de terceiro embargante (fls. 73-76).
Com contraminuta às fls. 81-88, vêm os autos para julgamento.
É o relatório.
AUSÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO – CONDIÇÃO DE TERCEIRO EMBARGANTE.
A Julgadora de primeiro grau deu parcial provimento aos embargos de terceiro opostos para declarar que sobre os valores recebidos pelo embargante somente pode recair penhora sobre 15% do valor líquido recebido.
Agrava de petição o terceiro embargante. Alega que teve sua conta salário bloqueada através do sistema Bacen. Aduz que não figurou como parte no processo de conhecimento, no entanto, a execução deste processo se voltou contra o mesmo, que é cônjuge da executada. Argumenta que a decisão agravada vai contra a Orientação Jurisprudencial nº 153 da SDI-TST, sendo impenhoráveis os valores percebidos a título de salário. Cita o artigo 649, inciso IV, do CPC.
À análise.
No processo principal, nº 0093600-52.1995.5.04.0022, o exequente (ora terceiro embargado) contende com o reclamado Escritório de Advocacia Telmo Rovira Martins S/C. Pelo que se depreende, a execução naqueles autos corria contra a esposa do ora agravante, sendo que, posteriormente, se voltou contra este, por serem casados.
Conforme observado, o terceiro embargante teve penhorado valores de seu salário na conta-corrente onde os recebe e cuja titularidade é conjunta, consoante se verifica no extrato da fl. 13.
É correto o entendimento do Juízo “a quo”, no sentido de que se presume que o casamento da executada com o terceiro embargante seja em regime de comunhão parcial de bens, uma vez que não existe prova em contrário, tampouco tenha este se insurgido no presente agravo. Desse modo, 50% dos valores recebidos pelo embargante devem ser entendidos como meação e, portanto, da executada.
Resta a análise quanto à penhorabilidade do salário do terceiro embargante, decidido no importe de 15% do valor líquido.
Não há notícias nos autos sobre bens passíveis de penhora para saldar a dívida. O artigo 649, do CPC dispõe que são absolutamente impenhoráveis: “(...) IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no §3º deste artigo; (...).”.
Não se deve esquecer, ainda, que a incidência dos termos do artigo 620 do CPC, nesta Especializada, encontra óbice no fato de os créditos trabalhistas possuírem natureza alimentar e preferirem a outros. Ainda, o caso dos autos não se trata de execução provisória.
Ademais, a dívida trabalhista que está em execução também diz respeito a créditos de natureza alimentar. Entende-se por razoável o percentual penhorado (15% do valor líquido do salário), assegurando a disponibilidade da parcela ao empregado, porquanto indispensável à garantia do sustento seu e de sua família.
Recorde-se o disposto no Acórdão 00358-2004-020-04-00-7 da lavra
do Desembargador Cláudio Antônio Cassou Barbosa, na 9ª Turma:
“Comunga-se do entendimento adotado
na origem, na medida em que, no Processo do Trabalho, a impenhorabilidade
estatuída no art. 649, IV, do CPC, deve ser aplicada em conformidade com o
princípio que a orienta, qual seja, o da proteção do salário, no sentido de
assegurar a disponibilidade da parcela ao empregado, porquanto indispensável à
garantia do sustento seu e de sua família. Nesse passo, não é razoável admitir
que o devedor trabalhista deixe de pagar a dívida unicamente sob argumento de
que seus salários são impenhoráveis, quando é devedor de salário. A
impenhorabilidade, no caso, atenderia exclusivamente à pessoa do empregador, em
total desfavor do empregado, em que pese estejamos diante de valores a que
fazem jus, em última análise, a um mesmo título, para fins de subsistência.
Em virtude da identidade do bem jurídico a ser protegido,
portanto, perfeitamente cabível a relativização da norma, conforme o caso
concreto, para que reste preservado o seu conteúdo axiológico, tanto em relação
ao executado como ao exeqüente, dentro de um critério de razoabilidade, sem que
se fale em afronta aos dispositivos constitucionais invocados.
A penhorabilidade de parte do salário do devedor, deste modo, decorre de um
juízo de ponderação, respeitando-se o princípio fundamental da dignidade da
pessoa humana em relação a ambas as partes.
Nesse sentido, o entendimento adotado pela 2ª Turma do
Tribunal Superior do Trabalho quando do julgamento do AIRR nº
1027/2005-013-03-40, acórdão publicado em 27.03.2009, assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. PENHORA
DE VENCIMENTOS DE SERVIDOR PÚBLICO. SÓCIO DA EXECUTADA. VIOLAÇÃO DO ART. 1º,
INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO CONFIGURADA. Trata-se, in casu, de
processo de execução em que o sócio da reclamada (servidor público) se insurge
contra a decisão do Regional em que, analisando a aplicação do art. 649, inciso
IV, do CPC, se determinou a penhora sobre os créditos dos sócios executados,
limitada a 50% de seus vencimentos. Não há considerar que essa decisão ofende o
art. 1º, inciso III, da Carta Política. Isso porque o Regional nada menciona em
contrário ao conteúdo desse mandamento constitucional. De qualquer modo, não se
verifica como a conclusão do Regional, de deferir a penhora de metade dos
vencimentos do servidor público (sócio executado) para pagar valores que este
devia a trabalhadores, possa violar a dignidade da pessoa humana. Agravo de
instrumento a que se nega provimento.
Na esteira da fundamentação supra, a penhorabilidade dos
salários deve-se dar em montante que resguarde renda mensal necessária à
subsistência digna do devedor e de sua família. Na hipótese, mesmo em se
desconsiderando as informações do exeqüente de que o recorrente tem outras
fontes de renda, tem-se que penhora mensal de 20% do salário de R$ 3.500,00
percebido da Associação Escola Superior de Propaganda e Marketing atende a tal
critério, não havendo razão para que seja reformada a determinação da origem.
Nega-se provimento ao recurso.”.
Destarte, mantém-se a decisão agravada.
ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, negar provimento ao agravo de petição.
Porto Alegre, 15 de setembro de 2010 (quarta-feira).
Relator
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