EMENTA:
HORAS EXTRAS. REGIME COMPENSATÓRIO. Caso em que não
restou demonstrada a observância dos critérios previstos em norma coletiva para
realização do regime compensatório, não havendo documento próprio de controle
das horas creditadas e debitadas no chamado banco de horas.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da Vara do Trabalho de Viamão, sendo recorrente BRF - BRASIL FOODS S.A. e recorrido XXX.
Ajuizada a ação trabalhista em face do contrato apontado na petição
inicial, no período de 03.10.05 a
15.04.08, foi proferida a Sentença às fls.
481-495.
A reclamada recorreu às fls. 507-509 postulando a absolvição do pagamento de adicional de insalubridade, horas extras e demais reflexos da condenação.
Com contra-razões do autor às fls. 516-521, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA.
1. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. REFLEXOS.
A reclamada alega que as atividades do autor, em aviário, não poderiam ter sido consideradas insalubres. Alega que o reclamante não mantinha contato com agentes biológicos, ainda mais de forma permanente. Aduz que fornecia EPIs, de forma que os agentes insalubres restaram elididos. Sustenta que os artigos 189, 190 e 195 da CLT preveem o pagamento de adicional de insalubridade apenas nos casos taxativamente descritos na NR 15 da Portaria 3214/78. Entende que o trabalho em aviário não é análogo ao trabalho em estábulos e cavalariças. Invoca a Orientação Jurisprudencial 04, inciso I da SDI-I do Tribunal Superior do Trabalho. Colaciona jurisprudência. Invoca violação ao artigo 5º, II da CRFB/88. Requer a inversão do ônus pelo pagamento dos honorários periciais. Sucessivamente, requer a exclusão do pagamento de reflexos de adicional de insalubridade em horas extras.
Examina-se.
A Sentença analisou minuciosamente o caso dos autos, devendo ser mencionados aqui os seguintes fundamentos, fls. 489-490:
“O perito técnico enquadrou
as atividades do reclamante como insalubres em grau máximo,
durante todo o período contratual, de acordo com o Anexo 14 da NR-15 da
Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho, pelo
trabalho como arrassoador, devido ao contato com agentes
biológicos, ao retirar as aves mortas e no final do dia colocá-las na
composteira, onde havia aves em decomposição.
Enquadrou, ainda, as atividades como insalubres em grau médio,
com base no mesmo Anexo, pelo contato com agentes biológicos em razão do
contato com resíduos de animais deteriorados.
A prova
oral confirma o exercício das atividades relatadas ao perito.
A
testemunha Wilson Zuge refere que “o depoente era auxiliar do líder do grupo e o
reclamante auxiliava no arraçoamento; quando ligava a máquina o reclamante ficava
dentro do galpão para retirar a sujeira que caía debaixo da calha, o que era
feito com a mão; esta sujeira era maravalha e esterco das aves; o reclamante
também trabalhava com arado para revolver a terra, retirava as aves mortas,
ajudava a descarregar ração, varria o galpão e retirava o esterco com a enxada”
(fl. 484).
Também a
testemunha Setembrino da Silva rosa, ouvida a convite da reclamada, informa que
“na
época o depoente e o reclamante exerciam as mesmas atividades: arraçoavam as
galinhas e ajudavam na seleção e tratamento das aves; como são
grupos de recria não revolviam a serragem; a retirada da maravalha é feita por
empresa terceirizada; recebiam máscara, luvas, botas e uniforme; o uso dos EPIs
é fiscalizado pelo técnico de segurança; o reclamante não participou de lavagem
de galpão; o chefe de grupo é quem faz o recolhimento das aves mortas; quando
o reclamante ficava fazendo arraçoamento poderia recolher alguma ave morta de
dentro do galpão, colocando-a na parte externa; depois o chefe de grupo
fazia o recolhimento das aves depositadas na parte externa do galpão” (fls.
484v-485).
O Anexo 14 da NR 15 da Portaria 3.214/78 exige, para
caracterização da atividade como insalubre em grau máximo, o contato permanente
com carnes, glândulas, vísceras, sangue, ossos, couros, pelos e defecções de
animais portadores de doenças infecto-contagiosas (carbunculose, brucelose,
tuberculose), o que não se evidencia no caso presente, pois os animais
existentes no aviário da reclamada não são portadores de doenças
infecto-contagiosas.
Também o recolhimento das aves mortas e a colocação
destas na composteira não se equipara ao trabalho em contato permanente com
esgotos e lixo urbano.
Assim, as atividades não se enquadram como insalubres
em grau máximo, pelo contato com agentes biológicos.
No entanto, o Anexo 14 da NR-15 da Portaria 3.214/78,
estabelece ser insalubre em grau médio “trabalhos e operações em contato
permanente com pacientes, animais ou com material infecto-contagiante, em:
(...) – hospitais, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos
destinados ao atendimento e tratamento de animais (aplica-se apenas ao pessoal
que tenha contato com tais animais) (...) – estábulos e cavalariças; e -
resíduos de animais deteriorados”.
Se dúvida há em considerar o trabalho em aviários,
análogo aquele prestado em estábulos e cavalariças, não pode a mesma subsistir
em relação a serem os aviários estabelecimentos destinados ao atendimento e
tratamento de animais, enquadrando-se na expressão “outros estabelecimentos
destinados ao atendimento e tratamento de animais” constante do anexo 14 da
NR-15.
Ademais, como referido pelo perito e corroborado pela
prova oral, havia o recolhimento de aves mortas dentro dos galpões. Assim,
considerando que o processo de deterioração tem início com a morte dos animais,
esta atividade também se enquadra no Anexo 14 da NR-15, que classifica como
insalubre em grau médio o contato permanente com resíduos de animais mortos.
Diga-se que em se tratando de agente biológico, a
insalubridade é inerente à atividade, não sendo neutralizado o agente nocivo
pela utilização de EPI’s. O equipamento de proteção individual apenas pode
minimizar o risco, não eliminá-lo.
Resta, pois, afastada a aplicação da Orientação
Jurisprudencial 04 da SDI-I do TST.
Desta forma, as atividades caracterizam-se como
insalubres em grau médio.”
Por fim, diga-se que é irrelevante, neste caso, a utilização da luvas, visto que uma das formas de transmissão dos agentes insalubres é a via aérea. Além disso, os agentes biológicos são seres vivos que se locomovem, entrando inclusive para o interior das luvas, percorrendo braços e outras partes do corpo.
Por fim, tem-se que é qualitativa a avaliação da existência de insalubridade por contato com agentes biológicos, não dependendo a sua caracterização do tempo de exposição do obreiro ao agente nocivo.
Tendo em vista que a reclamada permanece sucumbente na matéria objeto da perícia, deve responder pelos honorários periciais, nos moldes do art. 790-B da CLT.
Nesse sentido, recorde-se o Acórdão 0191200-66.2009.5.04.0771 da lavra da Desa. Flávia Lorena Pacheco, com a mesma reclamada e onde o reclamante exercia função similar.
No que pertine aos reflexos em horas extras, diga-se que esta é paga considerando a remuneração do empregado, e não apenas seu salário-básico, como suscita o reclamado. Assim sendo, e considerando que o adicional de insalubridade percebido pelo autor integra sua remuneração para todos os fins, deve ser considerado, também, para o cálculo das horas extras prestadas.
Sentença mantida.
2. HORAS EXTRAS. REFLEXOS.
Rebela-se a reclamada contra o pagamento de horas extras e reflexos. Diz que foram juntados os registro nos cartões-ponto das horas extras laboradas e os recibos com o respectivo pagamento. Sustenta que o autor não comprovou que trabalhava em horário extraordinário. Invoca a validade do regime compensatório, previsto em normas coletivas. Sucessivamente, requer seja deferido o pagamento apenas do adicional , conforme Súmula 85, III do Tribunal Superior do Trabalho.
Examina-se.
Os cartões-ponto foram considerados válidos como meio de
prova da jornada de trabalho cumprida.
As normas coletivas autorizam a
adoção de compensação das horas excedentes à jornada normal de trabalho pela
correspondente diminuição em outro dia, consoante critérios estabelecidos nos
anexos dos acordos coletivos (fls. 222-290 e 362-432).
Como bem referido pelo julgador
"a quo", “a reclamada não juntou relatório de controle do regime
de compensação de horas, no qual conste o número total de horas laboradas,
compensadas e pagas, segundo os critérios fixados em norma coletiva.
O regime de compensação,
embora previsto em norma coletiva, não foi efetuado de forma regular, porque
não demonstrada a observância dos critérios previstos em norma coletiva, não
havendo documento próprio de controle das horas creditadas e debitadas no
chamado banco de horas.
Inválido, pois, o regime de
compensação chamado banco de horas, sendo devidas como extras todas as horas
excedentes da 44ª semanal.
Ressalte-se que não podem ser
consideradas como extras as horas excedentes da 8ª diária, diante do acordo de
compensação de horas para supressão do labor aos sábados da fl. 79, que é
válido, na esteira da Sumula 85, I, do TST.
Na apuração das horas extras,
deverá ser observado o critério previsto no art. 58, § 1º, da CLT.
Do exposto, evidencia-se a
existência de diferenças de horas extras, assim consideradas as excedentes da
44ª semanal.”
Correta a Sentença que deferiu o
pagamento de horas extras, assim consideradas as excedentes da 44ª semanal, com
os adicionais de horas extras previstos nas normas coletivas juntadas
aos autos, nos respectivos períodos de vigência, com repercussões em repousos semanais
(domingos e feriados), autorizada a dedução dos
valores comprovadamente pagos ao mesmo título, relativos ao mesmo mês,
respeitado o período de apuração das horas extras, de acordo com a data de
fechamento da folha de pagamento.
Nesse sentido, o Acórdão 0192600-18.2009.5.04.0771
da lavra desse Relator com a mesma reclamada.
Sentença mantida.
3. REFLEXOS DA CONDENAÇÃO.
Mantida a condenação principal, remanescem diferenças de aviso-prévio, férias com 1/3 e 13º salários, decorrentes da integração das horas extras e do adicional de insalubridade bem como incidência sobre o FGTS com multa de 40%. Nada a reformar.
ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, negar provimento ao recurso da reclamada.
Porto Alegre, 13 de julho de 2011 (quarta-feira).
DESEMBARGADOR RICARDO CARVALHO FRAGA
Relator
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