EMENTA: ELIMINAÇÃO INJUSTIFICADA EM CONCURSO PÚBLICO. DANOS MORAIS. Caso em o autor se viu eliminado do concurso público da Corsan sem qualquer justificativa plausível, cabendo o deferimento da indenização por dano moral.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 15ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrentes xxxx E COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO - CORSAN e recorridos OS MESMOS.
Inconformados com a sentença
das fls.390-395, o autor e a reclamada interpuseram recurso
ordinário às fls. 399-405 e 406-427 respectivamente.
O reclamante busca a reforma do
julgado quanto à data de início do pagamento dos salários. Requer a majoração
do valor da indenização dos danos morais.
O reclamado argúi a incompetência da
Justiça do Trabalho em razão da matéria. Busca seja considerado válido o ato
que eliminou o reclamante do concurso. Requer seja revertida a decisão que
deferiu a antecipação dos efeitos da tutela para proceder a imediata retomada
da contratação. Busca a improcedência do pedido de indenização por danos morais
e de pagamento de honorários assistenciais.
Com contrarrazões às fls. 435-443
(reclamante) e 447-450 (reclamada), subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
RECURSOS
ORDINÁRIO DO RECLAMANTE E DA RECLAMADA.
Analisa-se
em conjunto os recursos porquanto tratam da mesma matéria.
1.
ELIMINAÇÃO INJUSTIFICADA DO AUTOR DO CONCURSO PÚBLICO. DANOS MORAIS.
Trata-se de analisar a validade de exame médico admissional que concluiu pela inaptidão ao cargo e eliminação do autor do concurso público promovido pela reclamada. O autor já havia sido aprovado no concurso público para o exercício do emprego público de agente em tratamento de água e esgoto da reclamada, tendo sido convocado para realização de exame médico admissional previamente à sua nomeação e posse no referido emprego. Contudo, após realização do referido exame – em particular, a ressonância magnética – foi eliminado com um considerável número de outros aprovados.
A Sentença declarou a nulidade do ato que excluiu o Reclamante do concurso público. Condenou a reclamada a responder por todos os efeitos do reconhecimento do direito à admissão no emprego público, mediante estabelecimento do vínculo de emprego, anotação da CTPS desde 12.01.2009, observando-se os critérios relativos à lotação na Região para a qual prestou concurso e à igualdade com os demais candidatos convocados, bem como a viabilização de sua participação em curso admissional, com o pagamento das verbas salariais e demais vantagens, bem como a realização dos depósitos ao FGTS, a partir da efetiva nomeação. Condenou, ainda, ao pagamento de indenização por danos morais, arbitrada em R$ 6.000,00.
Irresignado, o reclamante recorre buscando o pagamento dos salários de demais vantagens desde a data da provável admissão, em 01.09.08. Busca a majoração dos danos morais a valor proporcional ao abalo sofrido.
A reclamada também recorre buscando seja excluída a determinação de imediata nomeação do reclamante ao emprego, antes de transitada em julgado da ação. Requer seja confirmada a eliminação do autor do concurso considerando o resultado do exame médico admissional. Sucessivamente, requer seja o pagamento dos salários e demais vantagens efetuado apenas após a efetiva posse no exercício das atividades, após o trânsito em julgado da ação. Entende indevido o pagamento de indenização por danos morais, porquanto não praticou ato ilícito capaz de ensejar abalo de ordem moral ao autor.
Examina-se por partes.
a)
Admissão do autor em concurso público. Invalidade do exame médico.
Na inicial, o autor contestou a validade do exame médico admissional. Referiu que, durante a realização do exame admissional, não foi incluído exame físico ou clínico adequado, sendo determinada a realização de ressonância magnética, cuja sensibilidade pode determinar o aparecimento de resultados falsos, bastando para provocar alterações movimentos discretos, tais como a deglutição da saliva, o que torna temerário o seu uso indiscriminado. Afirmou que, para verificação do comprometimento da coluna, são necessários procedimentos complementares, tais como testes de extensão, flexão, rotação e inclinação lateral, não realizados pelo médico no exame complementar. Referiu que, sobre os achados da ressonância magnética e os exames da coluna deve haver cautela, pois a verificação da condição de saúde deve ser verificada mediante exames clínicos/físicos, quando constatadas eventuais limitações físicas.
Na defesa, o Reclamado afirmou que as atividades do cargo de agente em tratamento de água e esgoto exigem atividade física intensa e cansativa, importando, inclusive, no carregamento e descarregamento de caminhões, atividades que exigem o encurvamento da coluna vertebral, para o exercício das quais o demandante não se encontra apto. Sustentou que as atividades do cargo exigem perfeitas condições físicas, sob pena do empregado sofrer prejuízo à saúde, especialmente se apresentados problemas como os constatados nos exames a que foi submetido o Reclamante.
De fato, o Edital do concurso da reclamada 01/2006 dispõe sobre requisito para admissão: ter boa saúde física e mental, a ser verificada em exame médico admissional (subitem 11.2, h, fl.100).
À fl. 196 encontra-se juntada comunicação de resultado emitida pelo Departamento de Saúde e Segurança/Serviço de Medicina do Trabalho ao DESEG, sendo ambos departamentos do Reclamado. O médico Raul Guilherme Pezzi assina tal comunicado, na função de Médico Coordenador do PCMSO. A conclusão final do comunicado é de inaptidão do demandante para o exercício das atividades daquele emprego, com ilações acerca da “missão do médico do trabalho”, nos seguintes termos:
“Não
sendo o objeto da Medicina do Trabalho apenas a avaliação do momento atual da
saúde de um trabalhador, mas sim a possibilidade do exercício de
função que não lhe cause danos à saúde a médio e longo prazo, manifestamo-nos
pela não contratação do mesmo, por considerá-lo inapto para o exercício da
função (...). Considerando-se que a principal missão do médico do trabalho é de
prevenção das doenças do trabalho e de acidentes de trabalho, não podemos
considerá-lo apto para função com grandes possibilidades de produzir lesão
orgânica, sob pena de nos tornarmos responsáveis pelo seu desencadeamento.”
(grifos no original)
As afirmações acima transcritas fazem concluir pela ausência de lesão ou qualquer enfermidade no momento em que realizados os exames médicos.
Tal conclusão é confirmada pela perícia médica realizada por perito do Juízo
(fls. 315/319), que prestou as seguintes informações:
“O fato de uma função apresentar riscos
ergonômicos, ruídos etc. não significa que os trabalhadores expostos a estes
riscos terão patologias ligadas aos riscos.” (item B. h, à fl. 317)
(grifo nosso)
Na conclusão, o perito
referiu (fl. 317):
“Não há incapacidade
laborativa do ponto de vista ortopédico. Um estudo clássico realizado
por Boden e cols. demonstrou que 50% dos pacientes entre 20 e 60 anos
apresentam protusão discal, número que aumenta para cerca de 80% dos pacientes
com mais de 60 anos. Nenhum desses pacientes apresentavam queixas lombares. Ou
seja, os achados em ressonância magnética são inconclusivos se não forem
relacionados a uma anamnese e exame físico adequados.” (grifo nosso)
Na resposta ao quesito A.1 (fl. 316) do Reclamante, o perito informa que para a elaboração da conclusão da prova pericial baseou-se na leitura prévia dos autos do processo, em anamnese pormenorizada, exame físico geral e manobras semiológicas especiais para os segmentos anatômicos acometidos, propedêutica armada e análise da bibliografia especializada.
Observa-se, conforme o comunicado da fl. 196, que a conclusão de inaptidão para o trabalho foi obtida somente com base no exame de ressonância magnética da coluna.
Ainda,
conforme já referido pelo julgador "a quo", “os achados da
ressonância magnética (fl. 214) encontram-se analisados pelo perito do Juízo,
conforme complementação da fl. 375. O médico informa que a desidratação discal
faz parte do processo natural de envelhecimento, consistindo na perda de água
do núcleo pulposo do disco e se reproduz na ressonância magnética como
diminuição da intensidade de sinal no disco central da sequência T2. Reforça
que tal achado pode não ser patológico, pois decorrente de processo natural.
Quanto à protusão discal isolada em ressonância magnética, diz que não consiste
em diagnóstico patológico, sendo uma achado anormal em exame de imagem, somente
caracterizando-se como doença se houver correlação clínica, o que não foi
diagnosticado pelo perito.
Ainda
que assim não fosse, o exame das atividades relativas ao emprego público de
agente em tratamento de água e esgoto referidas pelo Reclamado na defesa (fls.
132/133) faz concluir que apenas algumas delas implicam em atividades físicas e
cansativas, sendo o descarregamento de caminhões e armazenamento de produtos
químicos no depósito uma entre várias outras atividades, que se caracterizam
pela natureza administrativa (por exemplo, à fl. 133, encaminhar a solicitação
de expurgo da rede) ou por esforço físico mínimo ou médio (por exemplo,
conduzir veículos, ou conservar limpas as instalações).
Portanto,
a inaptidão alegada pelo Reclamado se concentra em apenas uma das atividades do
emprego, restando evidente o seu objetivo de cercear o acesso de
candidato que atende aos requisitos estabelecidos no Edital, tendo sido
aprovado em concurso público e obtendo classificação em consonância com o
número de vagas.
Se
o objetivo da Medicina do Trabalho é a prevenção de futuras lesões em
decorrência das atividades, o procedimento do Reclamado deveria orientar-se no
sentido de tomar medidas preventivas que afastem e minimizem os riscos
ergonômicos, jamais sendo admissível a mera rejeição do candidato porque não
goza de perfeitas condições de saúde, tal qual alegado na defesa (fl. 133). O
atributo perfeita, na visão do Reclamado, decorre da total ausência de
possibilidade de futuras enfermidades ou lesões, como se a doença e a saúde não
fossem estados intrínsecos à condição humana, alternando-se em um ou outro
momento. O Edital impõe como requisito ter boa saúde física e mental o que
difere de perfeitas condições de saúde.
Em
realidade, o exame médico realizado pelo Reclamado e que veio a fundamentar a
conclusão sobre a inaptidão do candidato – alterações da coluna em ressonância
magnética – importa em procedimento discriminatório, na medida em
que conclui pela inaptidão do candidato com base em alterações decorrentes do
processo de envelhecimento, e de outras alterações que, por si só, não podem
ser tidas por patológicas, sem os correspondentes sintomas e a confirmação por
exames de outra natureza. Ao contrário, o procedimento padrão aconselhado adota
a ressonância em caráter auxiliar à confirmação de patologias diagnosticadas
por outros meios, previamente.” (grifos nossos)
Some-se a isso que o ASO que determinou a inaptidão (fl. 141) não atende os requisitos expressos na Portaria nº 3.214/78, conforme artigo antes transcrito, dele não constando o nome do médico que o realizou, sendo registrado apenas o nome do médico coordenador do PCMSO.
Portanto,
em decorrência de todas as razões supraexpendidas, entende-se nulo o exame
demissional e a comunicação que o sucedeu, e que concluíram pela inaptidão e
eliminação do candidato do concurso e da nomeação e posse.
Sentença mantida.
b)
Antecipação de tutela. Nomeação imediata do autor.
Mantém-se a decisão das fls. 169/173, à carmim que determinou a imediata admissão do autor ao emprego, conforme mandado de nomeação e posse da fl. 182.
Veja-se que a determinação já foi cumprida, conforme comunicado do Reclamado à fl. 185, e o autor está trabalhando desde 12.01.09.
Como
bem referido pelo julgador "a quo", na decisão da fl. 172 carmim, “...a presente decisão também se justifica no
fato de não haver perigo de irreversibilidade da decisão pelo fato de a ré
pagar os salários do reclamante durante a prestação de trabalho que vier a ser
desempenhada até o julgamento definitivo. Os salários que vierem a ser pagos
pela ré serão compensados com a força de trabalho do reclamante. O hipotético
perigo de irreversibilidade da medida antecipatória é inferior ao
prejuízo do reclamante com a demora na entrega da prestação
jurisdicional.”
Sentença mantida.
c)
Pagamento dos salários desde a nomeação.
Conforme referido no item acima, o autor começou a trabalhar na reclamada em 12.01.09.
Não cabe deferir o pagamento de salários desde a provável nomeação, caso o autor tivesse sido admitido no exame médico.
Como
bem referido pelo julgador "a quo", “...a observação das mesmas
condições quanto à ordem de classificação resta prejudicada, verificando-se a
impossibilidade de aferir com precisão a data em que teria ocorrido, não fosse
o ato ora declarado nulo. O próprio demandante refere-se à data provável (fls.
367/368), não se verificando aí a certeza jurídica que deve fundamentar
condenação desta natureza. Portanto, é indeferido o pedido de salários e demais
verbas até a data da nomeação e posse.”
Sentença
mantida.
d)
Dano moral. Indenização.
Com efeito, o período entre a comunicação do resultado do concurso, em 05.8.2008, e a nomeação e posse decorrente da decisão que antecipou os efeitos da tutela, em 12.01.2009, importa em período de quase seis meses. A frustração e abalo sentidos pelo Reclamante é presumida, considerando-se que, de fato, houve esforço para obter o emprego público e posterior desclassificação por motivos não justificados e legitimados, conforme visto no item 1 deste Acórdão.
O
julgador "a quo" arbitrou o valor da indenização em R$
6.000,00,
Contudo, entende-se necessário majorar o valor da indenização para patamar mais próximo do dano causado.
Nesse
sentido, recorde-se os Acórdãos 0045000-43.2008.5.04.0022, da lavra do Des.
João Ghisleni Filho, e 0012200-80.2008.5.04.0015, da lavra do Des. Luiz Alberto de Vargas,
ambos nesta 3ª Turma, julgando a mesma situação, com a mesma
reclamada.
Dá-se
provimento ao apelo do reclamante, para majorar o valor da indenização por
danos morais para R$ 10.000,00.
RECURSO
DA RECLAMADA. MATÉRIA REMANESCENTE.
2.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.
O reclamado renova a argüição de incompetência deste Juízo ratione
materiae, considerando que a controvérsia entre as partes não se
encontra arrolada nas matérias do artigo 114 da CF. Refere que sequer existiu
contrato de trabalho entre as partes, tratando-se de questão relativa ao
Direito Administrativo. Requer a remessa dos autos à Justiça comum desta
Comarca.
Examina-se.
Como bem referido pelo julgador "a quo",
“considerando a natureza jurídica do Reclamado – sociedade de economia mista -,
verifica-se a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas,
inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e
tributárias, a teor do artigo 173, inciso II, da CF. Portanto, a relação
jurídica advinda de eventual contratação entre as partes implicaria em
incidência da regras previstas na CLT e na competência material enunciada no
artigo 114 da CF. O fato de não restar formalizado o contrato não afasta a
competência desta Justiça especializada, considerando-se que a situação fática
e os pedidos formulados pelo Reclamante inserem-se, em tese, no rol da
obrigações pré-contratuais, portanto, referindo-se ao vínculo de emprego e
relação de trabalho, lato sensu.” (grifos no original)
Rejeita-se.
3.
HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
A reclamada busca a absolvição do pagamento de honorários de advogado. Aduz que não restaram preenchidos os requisitos para o deferimento dos honorários.
Examina-se.
Foi juntada declaração de pobreza, fl. 19 e credencial sindical, fl. 20, estando preenchidos os requisitos da Lei 5584/70.
Sentença mantida.
ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, dar provimento parcial ao recurso do autor para majorar o valor da indenização por danos morais para R$ 10.000,00.
Por unanimidade, negar provimento ao recurso da reclamada.
Valor da condenação acrescido em R$ 5.000,00, custas em R$ 100,00, para os fins legais.
Porto Alegre, 23 de março de 2011 (quarta-feira).
DESEMBARGADOR RICARDO CARVALHO FRAGA
Relator
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