EMENTA:

RECURSO ORDINÁRIO ADESIVO DA RECLAMADA.

SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. LEGITIMIDADE ATIVA DO SINDICATO, EM NOME DA CATEGORIA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. É ampla a legitimidade concedida aos sindicatos para atuação na defesa coletiva de direitos individuais, em nome de toda a categoria ou parte dela, desde que se trate de direitos homogêneos.

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE.

DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE, HIGIENE E SEGURANÇA. CARGA E DESCARGA DE MERCADORIAS. PROIBIÇÃO DE UTILIZAÇÃO DE OUTROS EMPREGADOS QUE NÃO SEJAM ESTOQUISTAS OU AUXILIARES DE DEPÓSITO. Em face da proteção à saúde, segurança e integridade física dos trabalhadores, direito fundamental decorrente da previsão do direito à  redução dos riscos de que trata o art. 7º, XXII, da Constituição, indevida a utilização, para a carga e descarga de mercadorias, da força de trabalho de empregados que não executam estas funções de forma contínua, mormente porque inexistentes quaisquer ações de prevenção aos riscos decorrentes, atestados de saúde ocupacionais específicos para o exercício da função, bem como treinamento ou instruções satisfatórias quanto aos métodos de trabalho a serem utilizados para salvaguardar a saúde e prevenir acidentes.

 

VISTOS e relatados estes autos de RECURSOS ORDINÁRIOS interpostos de sentença proferida pelo MM. Juízo da 26ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrentes SINDICATO DOS EMPREGADOS NO COMÉRCIO DE PORTO ALEGRE e MANZOLI S. A. COMÉRCIO E INDÚSTRIA e recorridos OS MESMOS.

 

Contra a sentença proferida pela Juíza Carla Sanvicente Vieira (fls. 1173-1177), o reclamante e a reclamada interpõem recursos ordinários (fls. 1179-1203 e 1213-1219, respectivamente), esta de forma adesiva.

Tempestivamente, as partes apresentam contrarrazões: a reclamada às fls. 1206-1212 e o reclamante às fls. 1224-1231.

Processo não submetido ao parecer do Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

 

ISTO POSTO:

CONHECIMENTO.

            O recurso ordinário do reclamante é tempestivo (fls. 1178 e 1179) e firmado por procurador regularmente constituído (fls. 22 e 1203). Inexigível depósito recursal e dispensado o recolhimento das custas, conhece-se do recurso.

            O recurso ordinário adesivo da reclamada é tempestivo (fls. 1205 e 1213) e a representação é regular (fl. 126 e verso da fl. 1219). Sem custas a recolher e depósito recursal a ser levado a efeito, conhece-se do recurso.

 

MÉRITO.

            Inverte-se a ordem de análise dos recursos, em face da prejudicialidade das matérias.

 

I – RECURSO ORDINÁRIO ADESIVO DA RECLAMADA. Manzoli S. A. Comércio e Indústria.

CARÊNCIA DE AÇÃO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.

            Aduz a recorrente que inexiste previsão legal para a substituição processual pretendida, sustentando que a norma contida no inciso III do art. 8º da Constituição Federal não tem o alcance que lhe atribui o sindicato autor. Alega que o dispositivo constitucional não assegura a substituição processual ampla e irrestrita aos sindicatos, e que tão-somente direitos individuais homogêneos é que poderão ser objeto de substituição processual. Afirma que o sindicato não tem legitimidade para pleitear o pagamento de adicional de insalubridade e/ou periculosidade em substituição aos empregados da reclamada. Afirma, assim, que o sindicato autor é carecedor de ação. Defende que o direito postulado possui natureza meramente individual e não individual homogêneo, não podendo ser demandado pelo sindicato autor em nome próprio, com base no instituto da substituição processual. Diz que sequer é comprovado satisfatoriamente o interesse de agir do sindicato em nome dos substituídos. No mesmo sentido, afirma inexistir nos autos ata da assembleia sindical em que tenha sido deliberado pelos atuais e antigos empregados da reclamada o ajuizamento da ação para pagamento de adicional de insalubridade ou periculosidade. Assevera que os pedidos são por demais genéricos e abrangentes, com evidente natureza individual, afirmando que o Sindicato autor busca pagamentos dos adicionais postulados em relação a empregados já despedidos pela reclamada e parcelas vencidas e vincendas, e que é evidente que o interesse de agir em relação à matéria suscitada é dos trabalhadores, individualmente. Acresce que a matéria não é eminentemente de direito, mas decorre em grande parte de fatos que envolvem cada um dos substituídos, inseridos no seu ambiente de trabalho. Deduz que a substituição processual suprime da reclamada o amplo direito à defesa que a busca da verdade real lhe garante. Afirma, por fim, que o suposto direito vindicado pelo sindicato autor possui nítida natureza individual, não podendo a entidade profissional pleitear esse eventual direito como substituto processual dos seus empregados. Pleiteia a reforma da decisão com base no art. 295, II, do CPC, e a extinção do processo sem resolução do mérito, conforme art. 267, I, do mesmo Código.

            Nas contrarrazões, o reclamante, de início, aduz que a recorrente adesiva não possui alguns requisitos para a interposição do recurso. Diz que a sentença de fls. 1173-1177 foi de improcedência e, desta forma, não tem a recorrente interesse processual para recorrer. Sustenta que para a interposição do recurso, este deve ser necessário e útil à recorrente, para buscar uma situação mais favorável que a descrita na sentença, o que não ocorre no caso dos autos, pois até o momento a parte recorrente não tem como melhorar sua situação processual; além disso, diz não haver utilidade em seu julgamento, pois do dispositivo da sentença não há prejuízo à recorrente, pois não foi sucumbente. Diz, ainda, que o recurso adesivo não pode ser conhecido por ser deserto; porque a matéria nele ventilada não guarda correspondência com a matéria abordada no recurso principal, o que causaria tratamento desigual, somente se justificando para o combate das mesmas matérias abrangidas pelo recurso ordinário do ora recorrido. No mérito, sustenta descabidos os argumentos trazidos pela recorrente no sentido de que a parte recorrida é ilegítima e, portanto, carecedora de ação. Destaca, primeiramente, que o art. 8º, III, da Constituição de 1988 confere aos sindicatos o direito de substituir os trabalhadores em questões que envolvam a classe obreira nos direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Apresenta as definições de interesses ou direitos transindividuais, coletivos e individuais homogêneos, apontando que o direito ao ambiente de trabalho salubre e seguro é exemplo de interesse coletivo e a transindividualidade mostra-se no objetivo do grupo de trabalhadores de eliminar os riscos à vida, à saúde e à segurança, pois seu objeto é indivisível, dado que a eliminação dos riscos beneficia a todos, sem distinção. Acerca do caso concreto, afirma estar defendendo interesse coletivo, uma vez que a transindividualidade emerge demonstrada na medida em que os trabalhadores da recorrente, não contratados para o setor de depósito e estoque, não realizaram os exames médicos admissional e periódicos adequados para a função de carga e descarga. Objetiva, portanto, a eliminação dos riscos à vida, à saúde e à segurança dos obreiros. Para argumentar, aduz, ainda, que caso não possam ser enquadrados como interesses coletivos, no mínimo são interesses individuais homogêneos, o que já legitimaria a atuação da parte reclamante como substituto processual. Com relação à falta de autorização dos substituídos, afirma que ela é desnecessária para que a parte, ora recorrida, ingresse em juízo para proteção dos interesses coletivos, porque busca a proteção integral dos trabalhadores e a efetividade da prestação jurisdicional, uma vez que os trabalhadores não terão prejuízo com a presente ação. A exigência de autorização para a propositura da ação teria por represália a dispensa dos trabalhadores. Defende, ainda, que tem legitimidade para ajuizar ação coletiva em defesa de direitos individuais homogêneos dos que compõem a categoria, e não somente de quem a ele se filiou, pois a Constituição não apresenta esta limitação. Pede seja julgado improcedente o recurso.

            À análise.

As alegações iniciais do recorrido, formuladas em contrarrazões, não afastam o direito ao julgamento do recurso ordinário adesivo da reclamada. Em que pese a improcedência das postulações do reclamante em primeiro grau, a sentença recorrida reconheceu a legitimidade do sindicato para atuar como substituto processual no presente feito, contra o que agora se insurge a recorrente, justificando a análise de suas razões, ao contrário do que advoga o recorrido.

A  matéria ventilada no recurso adesivo não precisa corresponder àquela veiculada no recurso principal. Não há deserção, uma vez que, em primeiro grau, a recorrente não foi condenada, sequer ao pagamento das custas.

Por todo o exposto, merece ser analisado o mérito do recurso da recorrente, que, entretanto, não procede.

            A Constituição garante aos sindicatos, no seu art. 8º, a defesa dos direitos e interesses individuais homogêneos de todos os integrantes da categoria, associados a eles ou não. Não mais se discute a necessidade de autorização em Assembleia, ou da matéria a ser discutida judicialmente. Essas são questões ultrapassadas na jurisprudência trabalhista brasileira.

            Quanto ao tipo de interesse ou direito individual que pode ser postulado pelos sindicatos pela via da substituição processual, há que se observar apenas a homogeneidade. Assim se entende aqueles oriundos da lesão a um interesse geral e que podem ser defendidos tanto pelo lesado, individualmente, como pelo sindicato, em decorrência de sua natureza transindividual. A origem do dano há de ser comum, transcendendo os interesses de cada trabalhador.

Nesse sentido, transcrevem-se excertos de alguns acórdãos deste Egrégio Tribunal:

 

Entende-se que o inciso III do artigo 8º da Constituição Federal reconheceu poderes ao Sindicato para defesa dos interesses individuais e coletivos da categoria de forma ampla, abrangendo, inclusive, os não-associados. O cancelamento da Súmula nº 310 do TST reforça o entendimento de que o sindicato tem legitimidade ampla para atuar na defesa dos direitos e interesses da categoria profissional que representa. Sobre o tema recorde-se o estudo de Regina Maria Vasconcelos Dubugras, in “Substituição Processual no Processo do Trabalho”, Editora LTR, e o realizado pelo Juiz Ben-Hur Silveira Claus, in “Substituição Processual Sindical, Aspectos Procedimentais”, Editora LTR, ano 2003. Relevante registrar o mencionado pelo Ministro Ronaldo Lopes Leal, em artigo escrito para a Revista do Tribunal Superior do Trabalho, jan/mar 2000, antes do cancelamento da referida Súmula nº 310 falando sobre a necessidade de sua revisão considerando que seus conceitos estavam ultrapassados. O TST vem decidindo pela legitimidade ampla dos sindicatos consoante verifica-se, entre outros, nos processos nº 962/2000-013-15-00-1, Relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, e o de nº 727/2000-064-15-00.2, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva” (Processo nº 0022000-86.2009.5.04.0601 RO, desta Colenda 3ª Turma, relator o Desembargador Ricardo Carvalho Fraga, julg. em 04-8-10 e publ. em 13-8-10).

 

A Constituição Federal, em seu artigo 8º, inciso III, expressamente assegurou a ampla substituição processual, a ser exercida pelos sindicatos representativos das categorias profissionais, na defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, em questões administrativas ou judiciais, sem impor restrições. Assim, os direitos relativos à categoria representada pelo sindicato poderão ser defendidos pela entidade sindical na condição de substituto processual.

No caso em exame, entendo que há a defesa de interesses individuais homogêneos, porquanto o sindicato profissional, na representação de um grupo de trabalhadores, ajuíza reclamatória em que “coordenados pelo mesmo fundamento de direito e de fato”, conforme ensina Wilson de Souza Campos Batalha, (in Direito Processual das Coletividades e dos Grupos, 2ª ed., São Paulo, Ed. LTr, 1992, p,. 112 apud Substituição Processual Trabalhista, CLAUS, Ben-Hur Silveira, São Paulo, Ed. LTr, 2003, pág. 114), justificando-se, assim, a manutenção da sentença que reconheceu a legitimidade ativa do Sindicato” (Processo nº 0132300-73.2008.5.04.0012 RO, da Colenda 10ª Turma, relatora a Desembargadora Denise Pacheco, julg. em 19-8-10 e publ. em 30-9-10).

 

            No presente caso, é evidente que se cuida de interesses/direitos individuais, mas homogêneos, em razão da similaridade das condições de trabalho dos substituídos (origem comum dos direitos pleiteados), sobretudo frente às peculiaridades da atividade desenvolvida. A legislação brasileira classifica esta categoria de direitos dentre os direitos coletivos, que podem ser pleiteados pelo substituto processual. Nesse sentido, a classificação dos direitos coletivos prevista no direito do consumidor (incisos do parágrafo único do art. 81 da Lei nº 8.078/90):

 

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. [sublinhou-se].

 

            Assim, com amparo no inciso III do art. 8º da Constituição (“III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”) e no art. 3º da Lei nº 8.073/90 (“As entidades sindicais poderão atuar como substitutos processuais dos integrantes da categoria.”), o sindicato da categoria tem legitimidade para pleitear direitos individuais homogêneos, na condição de substituto processual.

            A pretensão deduzida pelo Sindicato, ora recorrido, desde a Ação Cautelar Inominada (Processo nº 0075400-91.2009.5.04.0026, apensado a este processo) é o cumprimento adequado do contrato de trabalho dos obreiros integrantes da classe trabalhadora por ele representada, com o intuito de não utilizar funcionários de setores estranhos ao depósito para efetuar o descarregamento dos caminhões de mercadoria. Segundo alega, a ação tem por objetivo proteger e garantir a saúde e a legalidade do contrato de trabalho, uma vez que a atividade de descarregar caminhões exige até, segundo alega, exame médico admissional adequado à função. Nesse sentido, denuncia que a empresa, ora recorrente, vem convocando seus empregados consultores (vendedores), caixas, auxiliares administrativos, seguranças, gerentes e outros, que atuam na loja Manlec Mega Store, localizada na Rua Otávio Rocha, no centro de Porto Alegre, para efetuarem o descarregamento de caminhões, uma vez que não possui funcionários específicos para trabalhar no estoque, fora da jornada normal de trabalho, pois o descarregamento deve ser feito fora do horário de funcionamento da loja, ou seja, antes das 8 horas da manhã. Segundo o sindicato, a situação se repete em outras filiais da empresa, como a situada à Rua Dr. Flores, nº 150, também localizada no centro de Porto Alegre. O pedido que consta da inicial da ação principal, de cuja decisão foram interpostos os recursos ora analisados, intenta que a empresa (fls. 19-20) “... abstenha-se de impor ao seu quadro de funcionários, que não estoquistas ou auxiliares de depósito, de efetuarem carga ou descarga de mercadorias nas lojas da Ré em todo o estado do Rio Grande do Sul, sendo que eventual descumprimento à dita ordem judicial deverá gerar a imposição ao réu de multa ...” (grifos no original). Na audiência registrada na Ata da fl. 123, o sindicato retificou o pedido acima reproduzido, para que constasse como abrangência do pedido apenas a cidade de Porto Alegre.

Resta evidente que a pretensão atende, no mínimo, a interesse individual homogêneo do conjunto dos empregados da empresa recorrente, com forte caráter de transindividualidade no sentido de proteção à saúde e integridade física dos trabalhadores. Nesse sentido, “a proteção ao meio ambiente em geral constitui-se em interesse difuso, compartilhado, indeterminadamente, por toda a comunidade que do referido ambiente se serve; a degradação do ambiente de trabalho prejudica, de forma direta e definitiva, os trabalhadores que no local militam e, ainda mesmos danos podem ser identificados individualmente, segundo as seqüelas mais ou menos graves que provoquem. [...] através de ação coletiva para a proteção de interesses homogêneos, que têm natureza comum, porque decorrentes da degradação do meio ambiente de trabalho, arquitetará a reparação do dano individual (ação civil coletiva, nos termos da Lei Complementar n. 75/93).” (FAVA, Marcos Neves. Ação civil pública trabalhista: teoria geral. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 91).

Mais do que uma discussão acerca da legitimidade, admitir a substituição processual em caso de defesa coletiva de direitos trabalhistas individuais homogêneos é verdadeira garantia de acesso à justiça, protegendo o trabalhador das represálias decorrentes de ajuizamento de ações em meio ao contrato de trabalho.

Note-se, ainda, que sequer se trata de obter uma vantagem econômica em nome de cada um dos substituídos, mas sim da implantação de medida preventiva à saúde de todos, o que sequer impõe a necessidade de identificar individualmente cada trabalhador.

Nesse sentido, totalmente descabidas as alegações da recorrente de que o sindicato pleiteia pagamentos de adicionais em relação a empregados já despedidos e em parcelas vencidas e vincendas, que não correspondem, nem de perto, aos pedidos da petição inicial.

Por outro lado, desnecessário que cada um dos trabalhadores outorgue poderes para o ajuizamento da ação, uma vez que a Constituição assegura ao sindicato a prerrogativa de pleitear em nome próprio o direito dos empregados, representando não só os sindicalizados, mas toda a categoria.

No caso dos autos, releva destacar que argumentos tradicionais contra a substituição processual não se sustentam, tais como a falta de rol de substituídos e a dificuldade de promover a execução, em face de que a medida postulada é a proteção ao meio ambiente de trabalho, evitando-se a atribuição indiscriminada de atividades potencialmente danosas a todos os trabalhadores, mesmo aqueles que não tiveram o treinamento adequado e a verificação das condições de saúde que os tornariam aptos ao exercício das funções de estoquistas e carregadores e descarregadores de mercadorias.

Presente a legitimidade do sindicato para, em nome próprio, pleitear direito fundamental dos substituídos, a proteção à saúde, higiene e segurança no meio ambiente de trabalho, não procede a pretensão da recorrente de ver extinto o processo sem resolução do mérito por carência de ação.

Cumpre destacar, ainda, que sequer a empresa foi sucumbente no objeto da ação, o que já afastaria seu próprio interesse recursal.

            Nega-se provimento ao recurso ordinário adesivo da empresa demandada.

 

II - RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. Sindicato dos Empregados no Comércio de Porto Alegre.

1. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE, HIGIENE E SEGURANÇA. CARGA E DESCARGA DE MERCADORIAS. PROIBIÇÃO DE UTILIZAÇÃO DE OUTROS EMPREGADOS QUE NÃO SEJAM ESTOQUISTAS OU AUXILIARES DE DEPÓSITO.

            Alega o recorrente que recebeu reclamações de seus substituídos pelo fato de a empresa recorrida utilizar mão de obra dos comerciários, contratados para os mais diversos setores, para efetuar a carga e descarga de mercadorias em suas filiais localizadas na cidade de Porto Alegre. Relata que ingressou, preliminarmente, com ação cautelar inominada com o objetivo de comprovar que a empresa estava utilizando, de forma ilegal, abusiva e indevida, seus funcionários não contratados para as funções de estoque para descarregamento e carregamento de caminhões nas filiais da cidade de Porto Alegre, tendo em vista que as filiais da empresa não dispõem de trabalhadores contratados para função de estoque com responsabilidade de organização do setor e descarga de mercadorias. A par das várias iniciativas, reuniões, ofícios e contatos informais, para acertamento com a empresa recorrida, diz que já tentou flagrar sua conduta, mas teve vedado o ingresso de seus fiscais no local de descarregamento, o que fez com que ajuizasse a ação cautelar inominada nº 00754-2009-026-04-00-7, apensa, com pedido liminar para a realização de auto de verificação por meio de oficial de justiça. O objetivo da ação era a obtenção da prova da atitude irregular, para possibilitar o manejo da presente ação coletiva. Afirma que, no entanto, obteve liminar no sentido de a empresa recorrida se abster da utilização indevida da mão de obra, o que, segundo seu entendimento, já garante os direitos básicos edificados pela Constituição. Informa que a empresa, quando tomou ciência da medida cautelar, peticionou naqueles autos (fls. 92-124), reconhecendo a utilização de trabalhadores de vários setores (fls. 102-103 da cautelar), que não do estoque, para efetuarem a descarga de mercadorias, o que também teria sido por ela confessada na contestação das fls. 133-140. Refere que a recorrida possui empregados contratados para o setor de depósito, responsáveis pelo carregamento e descarregamento e organização de mercadorias no depósito, os quais acompanham o caminhão para entrega de mercadorias em suas filiais. Assevera, entretanto, que abusando de seu poder de direção e comando, obriga seus funcionários contratados para as funções de assistente, consultor de vendas, entre outros, a realizarem a carga e descarga de mercadorias. Denuncia que os trabalhadores são prejudicados porque não realizaram os exames ocupacionais em relação à atividade efetivamente desenvolvida. Sustenta que a realização de carga e descarga de mercadorias por funcionários não contratados para esta função traz prejuízos à saúde, bem estar e segurança dos trabalhadores, expostos diariamente a riscos ocupacionais sem treinamento, sem equipamentos de segurança, e sem a realização de exames médicos admissionais, periódicos e demissionais de acordo com as atividades efetivamente prestadas. Da mesma forma, afirma que da documentação trazida aos autos constata-se que a recorrida não realiza os exames de acordo com as atividades fáticas realizadas pelos trabalhadores, tampouco explica a ausência de avaliação dos riscos ergonômicos em seu PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – Norma Regulamentadora nº 09, da Portaria nº 3.214, do Ministério do Trabalho e Emprego, de 08 de junho de 1978). Diz que em apenas alguns exames médicos há identificação de risco ergonômico, porém sem dizer qual o risco a que está sujeito o trabalhador ou solicitar a realização de exames complementares. Aduz que é possível perceber que nunca realizou avaliação dos riscos ergonômicos, nem em seus PPRAs, nem pela via dos exames médicos admissionais, e periódicos. Diz que não há sequer um exame admissional, periódico ou demissional que comprove que a empresa realiza os exames em consonância com função para a qual o empregado está sendo contratado e para a realização de carga e descarga de mercadorias. Ao contrário, expõe que os PPRAs da empresa repetem apenas, no item Ampliação Visão, que a avaliação ergonômica será feita futuramente. Aponta que existem trabalhadores que não possuem previsão contratual de realizarem carga e descarga de mercadorias; mas há prova nos autos da utilização indevida da sua mão de obra, em afronta à sua saúde pelo exercício das atividades relatadas. Embora admita que caiba ao empregador o poder de comando do empreendimento, este poder não é absoluto, devendo ser norteado pela legislação constitucional e infraconstitucional. Aduz que a recorrida abusa de seu poder dirigente, em face do poder econômico aliado à necessidade de os trabalhadores manterem seus postos de trabalho, submetendo-os a ordens ilegais, abusivas e atentatórias à dignidade da pessoa humana, quando desvia empregados contratados para as mais diversas funções para realizarem serviço de estoquista e de carga e descarga, sem que para isso tenham sido submetidos a exames médicos, treinamento e remuneração para o desempenho destas funções. Assevera que o fundamento da sentença de improcedência de sua pretensão é a não comprovação da utilização da mão de obra, invocando contra a decisão os documentos que não comprovam a identificação dos riscos ergonômicos; a confissão da empresa. Aduz que os gerentes e consultores, conforme os PPRAs, realizarão a “seleção de mercadorias” e não a carga e descarga. Diz que dos PPRAs também não constam a análise dos riscos ergonômicos, químicos e biológicos, embora o contrato de trabalho descreva, por exemplo, que um trabalhador contratado para ser consultor de eletro/informática/bicicleta (exemplo: Arlei da Costa Rodrigues, cujo contrato encontra-se às fls.104-107 da ação cautelar) desenvolve as funções de vendedor, descarregamento de mercadorias dos caminhões para a exposição, manutenção da limpeza do setor da loja, dentre outras. Invoca o documento da fl. 766, firmado pelo médico do trabalho Fernando Cauduro Salatino, que analisa os PPRAs e detecta a ausência de identificação dos trabalhadores, tarefas realizadas e risco que estas possam apresentar. O recorrente invoca, ainda, o ofício das fls. 727-729 da ação cautelar (informação do Ministério Público do Trabalho, em que relata o indeferimento da instauração de inquérito civil para apurar os mesmos fatos objeto deste recurso, em razão de que já tratadas na ação ajuizada pelo sindicato da categoria) para defender a plausibilidade de seu pedido. Aponta que ajuizou ação em caso idêntico ao dos autos, contra as Lojas Colombo (Processo nº 0055000-28.2009.5.04.0003), pela mesma prática da ora recorrida; e que em segundo grau foi dado provimento ao seu recurso para determinar à empresa que se abstenha, em todo o Estado do Rio Grande do Sul, de exigir de seus empregados não estoquistas ou auxiliares de depósito a realização das tarefas de carga e descarga de mercadorias. Sustenta que a proteção dos direitos constitucionalmente garantidos, mormente os inerentes à saúde e integridade física no local de trabalho não podem apenas se transformar em pecúnia, uma vê que não têm preço, daí o pedido de tutela preventiva, para evitar a reparação do dano mediante a vedação de um ato. Invoca o processo de horizontalização dos direitos fundamentais, que encontra campo fértil no âmbito trabalhista, para defender que o poder dirigente do empregador deve sofrer limites em face da garantia constitucional da saúde e da salubridade do ambiente de trabalho. Por fim, assevera que, para evitar prejuízos em cascata e proteger eficazmente os direitos trabalhistas dos empregados da recorrida, que vão além do mero ressarcimento pecuniário, bem como com o intuito de proteger a saúde dos trabalhadores e a dignidade da pessoa humana, pede o provimento do recurso para deferir os pedidos trazidos na peça inicial. Com o objetivo de que a decisão seja respeitada requer, em caso de eventual descumprimento da ordem judicial, a imposição de multa diária (“astreintes”) à recorrida, em favor da parte autora, no valor de R$ 1.000,00 (art. 461 do CPC) por dia em relação a cada funcionário vítima da infração cujo cumprimento e estrita observância constitui-se no objeto da presente demanda, nos exatos termos expostos na peça inicial.

            Nas contrarrazões, a empresa recorrida pugna pela manutenção da sentença, defendendo que, embora não possua cargos específicos de carregadores ou descarregadores de caminhão, tal atividade está inserida no contrato de trabalho. Sustenta que toda a atividade desenvolvida está retribuída pelo salário livremente ajustado na forma do art. 444 da CLT. Aduz, expressamente (fl. 1208) que: “Importante ressaltar que os empregados dos setores de caixa, crediário e segurança não têm qualquer envolvimento na atividade de descarregamento de mercadorias dos caminhões, a qual tem os seguintes empregados envolvidos: conferentes, auxiliares de depósito, um subgerente para a conferência, dois assistentes de expedição para carga e descarga e, em média, três consultores (vendedores), os quais separam as mercadorias e levam para os respectivos andares/setores, via elevador, para a devida exposição dos produtos no salão de vendas ou guarda nos depósitos de cada andar.” (grifado no original). Afirma que os trabalhadores envolvidos na atividade de descarregamento de mercadorias de caminhões (que não estoquistas e auxiliares de depósito) exercem atividades compatíveis com suas condições pessoais, nos termos do art. 456 da CLT. Alega que está evidente nos autos que contrata e utiliza mão de obra regular e legalmente para carga e descarga de mercadorias e que as atividades não são penosas, tampouco sujeitam os empregados a risco de saúde ou de lesões. Assegura que os empregados não se envolvem com o descarregamento direto dos caminhões, mas sim com o deslocamento/organização das mercadorias dentro das lojas. Assevera que as alegadas violações e prejuízos à saúde, higiene e segurança dos trabalhadores não foram demonstradas nos autos e que o sindicato não postulou a suspensão das atividades por estarem prejudicando a saúde dos trabalhadores, aduzindo que se este fosse o pedido, nenhum empregado poderia fazer o trabalho. Nesse sentido, sustenta que está preclusa qualquer discussão em relação à suspensão das atividades em face do risco à saúde e segurança dos trabalhadores. Diz, ainda, que o sindicato não comprova os prejuízos alegados, tampouco comprova o exercício ilegal ou irregular do poder de gestão do negócio. Alega, ao final, que o argumento de aos consultores de vendas ser vedada a realização de atividades de deslocamento de mercadorias no interior das lojas não possui base legal ou técnica e que as atividades cerne da controvérsia não exigem cuidados outros em relação aos trabalhadores que não aqueles previstos na NR 7 da Portaria nº 3.214/78 do MTE, que instituiu o PCMSO, ressaltando, mais uma vez, a previsão das atividades de carregamento e descarregamento nos contratos de trabalho.

            A sentença reconsiderou a decisão que havia deferido a liminar (concedida em 03 de julho de 2009, fl. 90 da cautelar, para que a reclamada se abstivesse de utilizar mão de obra não contratada para carga e descarga de mercadoria em tal atividade, sob pena de multa a ser fixada) nos autos da ação cautelar nº 0075400-91.2009.5.04.0026 (apensada a estes autos) e julgou improcedente a ação principal e a ação cautelar. Fundamentou-se, essencialmente, na previsão contratual da atividade de carregamento e descarregamento de mercadorias, como se vê do seguinte excerto: “O que se tem, portanto, é que não restou comprovado que a ré se utilize de mão-de-obra que não tenha sido contratada, também, para carga e descarga de mercadorias em tais atividades, ou seja, vendedores e outros profissionais, quando realizam tal atividade, é porque há previsão em seu contrato.” (verso da fl. 1176).

            Tem razão o sindicato-recorrente.

            É incontroverso nos autos que outros trabalhadores da reclamada, que não os trabalhadores do estoque ou auxiliares de depósito, realizam atividades de carga e descarga de mercadorias.

            A afirmação pode ser comprovada pela prova documental e testemunhal, que ajudam a deslindar a questão posta no processo.

            A primeira testemunha convidada pelo sindicato, Sra. Andréia Meller Damaceno, que trabalhou dois anos na reclamada, na loja Megastore, afirma que “havia um rodízio onde cada um era designado para, durante um dia, das 7h às 17h, descarregar caminhão, colocar a mercadoria no estoque e conferir e depois passar a mercadoria para o salão de vendas”. Afirma, também, que “só os vendedores faziam o descarregamento; havia outros setores em que dois vendedores eram designados como o de eletrodomésticos e outros mais pesados; o caminhão tinha que ser descarregado de manhã; normalmente até as 10h já estava tudo no estoque; a loja abria para atendimento ao público das 9h às 18h; às 9h a depoente ainda estava fazendo o descarregamento; a depoente não sabia, ao ser contratada, que teria que realizar o descarregamento; a depoente não fez exames clínicos admissional, periódico ou demissional que avaliasse suas condições para carregamento de peso; o exame feito era só verba”. A testemunha convidada pela reclamada, Sr. Ricardo Robe, também admite a realização da atividade de carga e descarga: “o descarregamento ocorre três vezes na semana, segundas, quartas e sextas, geralmente às 8h, onde uma equipe, inclusive consultores (vendedores) de vários setores auxiliam; o pessoal do caminhão terceirizado descarrega e leva para o elevador e os consultores distribuem nos andares; é muito difícil um consultor descarregar um caminhão, embora isso possa acontecer se necessário”.

            De outro lado, na defesa da ação cautelar, a reclamada admite, in verbis (fl. 93 da cautelar): “Para a realização da descarga do dia 8/7/2009, a reclamada havia convocado empregados que exercem as funções de ‘assistentes’ e ‘consultores’. Os assistentes trabalham no almoxarifado e a realização de descarga do caminhão é inerente a sua função. Os consultores, que trabalham com vendas, possuem disposição expressa em seus contratos que uma das atividades inerente à contratação é a realização da descarga de caminhões. Essa condição, neste último caso, foi pactuado entre as partes.”. Já os documentos das fls. 102 e 103, trazidos pela reclamada, relacionam empregados convocados para o descarregamento do caminhão, em que se pode verificar que consultores e assistentes, homens e mulheres, participam da atividade.

            É inegável que vários dos contratos de trabalho preveem expressamente a descarga de mercadorias como, por exemplo, o da fl. 104, de empregado admitido para a função de Consultor de ELETRO/INFORMATICA/BICICLETA, que dispõe na cláusula 1 que a ele compete “[...] realizar vendas de produtos da EMPREGADORA, bem como o exercício de todas as atividades necessárias e inerentes ao cargo para a qual foi admitida, tais como reuniões, cursos, treinamentos, descarregamento de mercadorias dos caminhões para a exposição, manutenção da limpeza do setor da loja, arrumação e transporte dos produtos para exposição na loja, entre outras.”. Outros contratos existem, como os das fls. 108-109 e 110, frente e verso, que preveem a possibilidade de se exigir a prestação dos serviços de carga e descarga, nos seguintes termos (contrato de Assistente, fls. 108-109 da cautelar): “I – O EMPREGADO é contratado para prestar serviços para a EMPREGADORA na função de ASSISTENTE deverá ainda fazer o serviço que vier ser objeto de ordens, cartas ou serviços, considerando-se falta-grave a recusa por parte do EMPREGADO em executar quaisquer dos serviços que lhe forem determinados, mesmo que anteriormente não o tenha feito.”.

            Entretanto, a simples previsão contratual, em alguns casos genérica e quase leonina, como a segunda cláusula acima reproduzida, não serve para legitimar a conduta da reclamada na exigência das atividades objeto desta ação coletiva, mormente quando se sabe da natureza de adesão do contrato de trabalho.

            No presente caso se está mais adiante da questão contratual-privatística, uma vez que se trata de questão atinente à saúde e integridade física dos trabalhadores substituídos, direito social fundamental previsto no art. 6º da Constituição. Nesse ponto, tais normas visam à garantia de um ambiente de trabalho hígido e que possa preservar a saúde dos trabalhadores e prevenir a ocorrência de acidentes do trabalho ou o desenvolvimento de doenças ocupacionais. No mesmo sentido a disposição do inciso XXII do art. 7º da Constituição, que prevê “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;”, normas estas que se materializam, em nível infraconstitucional, dentre os artigos 154 a 200 da CLT e as Normas Regulamentadoras (NRs), aprovadas pela Portaria nº 3.214, de 08 de junho de 1978, do Ministério do Trabalho e Emprego, estabelecidas por delegação normativa dos arts. 155, I, e 200 da CLT.

No âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), vige a Convenção nº 127, sobre Transporte Manual Regular de Cargas, vigente no Brasil por força do Decreto nº 67.339, de 05 de outubro de 1970, norma de segurança no trabalho, mas garantia supralegal por força do § 2º do art. 5º da Constituição, dada sua natureza de proteção da pessoa trabalhadora (na interpretação do Supremo Tribunal Federal no RE 466343 relatado pelo Ministro Cezar Peluso, julgado em, 03-12-2008, cujo voto do Ministro Gilmar Mendes refere: “[...] parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana.”).

            A norma do art. 7º, XXII da Constituição, classificada dentre os direitos e garantias fundamentais do Título II da Constituição, e ilustrada pelas demais normas citadas, irradia sua eficácia também entre os particulares, razão pela qual as disposições contratuais privadas não podem com elas colidir.

            Nesse sentido, apesar de os trabalhadores se obrigarem pelo contrato de trabalho, ou pelas ordens da reclamada, a realizar as atividades de carga e descarga de mercadorias dos caminhões, tal fato não autoriza que a empresa exija o trabalho sem a observância das normas de segurança e proteção à integridade física de seus trabalhadores. Não há prova nos autos de que a reclamada dispensava tratamento adequado aos trabalhadores que realizavam tais atividades, pois se constata que sequer havia qualquer controle para tal.

            Diversos dispositivos da Convenção nº 127 da OIT podem ser invocados em favor da prevenção e obrigação de diminuição dos riscos. Segundo seu art. 3, “O transporte manual, por um trabalhador, de cargas cujo peso seria suscetível de comprometer sua saúde ou sua segurança não deverá ser exigido nem admitido.” (sublinhou-se). O art. 5 determina que, antes da prestação do transporte manual de cargas, o trabalhador “[...] receba, antes dessa designação, treinamento ou instruções satisfatórias quanto aos métodos de trabalho que deverá utilizar com vistas a salvaguardar sua saúde e prevenir acidentes.”. Já o art. 6 prevê o uso dos meios técnicos adequados ao transporte manual de cargas. Por fim, releva destacar a limitação do transporte manual de cargas por mulheres e trabalhadores jovens (art. 7), inclusive com peso máximo de cargas inferior àquele admitido para os homens.

            Entretanto, não há nos autos qualquer comprovação, por exemplo, de atendimento ao disposto no art. 183 da CLT, que determina o conhecimento dos métodos raciocinais de levantamento de cargas para aquelas pessoas que trabalham na movimentação de materiais; ou mesmo ao previsto no art. 198 do mesmo diploma legal, que limita o peso a ser removido por um trabalhador individualmente.

            Da mesma forma, a reclamada está obrigada a observar a NR 17 sobre Ergonomia, que consagra em seu item 17.1.1 que “As condições de trabalho incluem aspectos relacionados ao levantamento, transporte e descarga de materiais [...]”. Não há prova nos autos de qualquer cuidado quanto ao cumprimento dos seguintes itens, também previstos na NR sob comento: “17.2.3. Todo trabalhador designado para o transporte manual regular de cargas, que não as leves, deve receber treinamento ou instruções satisfatórias quanto aos métodos de trabalho que deverá utilizar, com vistas a salvaguardar sua saúde e prevenir acidentes.” e “17.2.5. Quando mulheres e trabalhadores jovens forem designados para o transporte manual de cargas, o peso máximo destas cargas deverá ser nitidamente inferior àquele admitido para os homens, para não comprometer a sua saúde ou a sua segurança.”, normas em perfeita consonância com a Convenção nº 127 citada.

            No que se refere à prevenção, também não se verifica a especial atenção aos trabalhadores que executam a atividade de carga e descarga de mercadorias. O Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (exigido pela NR 9) não prevê qualquer atenção especial à atividade, como se vê, por exemplo, do PPRA da filial localizada na Avenida Otávio Rocha, nº 236 (Manlec Mega Store), às fls. 677-726.

            Também no que se refere aos controles médico-ocupacionais a conduta da reclamada deixa a desejar, e é neste ponto que o sindicato recorrente toca com insistência. Não há qualquer atitude preventiva quanto aos riscos a que os trabalhadores que realizam carga e descarga estão submetidos ou mesmo verificação da capacidade dos empregados para realizarem as atividades. Conquanto os Atestados de Saúde Ocupacional não contenham todos os elementos exigidos pelo item 7.4.4.3 da NR 7 - Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, todos os exames admissionais e periódicos trazidos aos autos (fls. 831-1138) não apontam qualquer risco relacionado às atividades objeto da presente ação.

Ao contrário, além de todos os trabalhadores terem sido considerados aptos, quando existe referência a risco ambiental (em muitos dos exames definido como inexistente), é apontado o ergonômico, especificado, nas raras oportunidades, como postural, independente das funções exercidas (analista, consultor, assistente, vendedor ou recepcionista). Não há, portanto, análise dos riscos específicos de cada função desempenhada pelos empregados da reclamada (nem mesmo dos empregados do depósito ou estoquistas).

Constam dos autos duas ocorrências de acidente do trabalho típicas da situação objeto de discussão. Na primeira (fls. 804-805), o trabalhador José Luiz Cristofari Sausen sofre acidente em 06-04-2009, assim descrito (fl. 804): “Ao guardar uma geladeira, a mesma deslizou e atingiu o pé direito do funcionário”. Segundo a CAT (fl. 805), houve fratura e afastamento do trabalho por 60 dias. O trabalhador desenvolvia a função de auxiliar de depósito e trabalhava no depósito da reclamada. O segundo acidente ocorreu com o trabalhador Fernando da Silva Vasconcelos, assim descrito na CAT (fl. 814): “Ao carregar um aparelho de televisor para o estoque da loja o funcionário largou o aparelho sobre o dedo mínimo.”, gerando a fratura do quinto dedo da mão direita (fl. 815). Fernando exercia o cargo de assistente (fl. 822), depreendendo-se que realizava vendas em face das comissões que recebeu quando da rescisão do contrato de trabalho (fl. 823).

Duas conclusões podem ser extraídas dos fatos. O transporte de mercadorias pode gerar acidentes do trabalho (até mesmo os trabalhadores dos depósitos, acostumados a esta atividade, estão sujeitos ao acontecimento), como no primeiro acidente do trabalho acima descrito.

Os trabalhadores vendedores ou que executem outras funções, e que realizam cargas e descargas de mercadorias, também estão sujeitos aos acidentes de trabalho, de que é exemplo o segundo acidente acima descrito.

Prudente, portanto, a preocupação do sindicato-recorrente em fazer com que os trabalhadores, que não estoquistas e auxiliares de depósito, não sejam submetidos à carga e descarga de mercadorias dos caminhões, mormente quando não treinados e preparados para o exercício desta função.

Nesse sentido, decisão proferida pela Colenda 2ª Turma deste Egrégio Tribunal, em situação análoga, em que pese não existisse previsão expressa nos contratos de trabalho da realização de carga e descarga, proferida em 17-03-2011, em acórdão relatado pelo Desembargador Alexandre Corrêa da Cruz (Recurso Ordinário nº 0055000-28.2009.5.04.0003):

 

RECURSO DO SINDICATO AUTOR.

OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER – NÃO SE UTILIZAR DE EMPREGADOS DE OUTROS SETORES PARA CARGA E DESCARGA DE CAMINHÕES. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. Resta demonstrada nos autos a prática comum da empresa reclamada de exigir dos funcionários das mais diversas atribuições (vendedores, motoristas, auxiliares administrativos) a realização de carga e descarga de mercadorias, tendo sido inclusive realizadas reuniões de mediação acerca dessa questão junto à Superintendência Regional do Trabalho, nas quais a ré se comprometeu a solucionar o problema, sem de fato fazê-lo, conforme demonstra a inspeção realizada por Oficial Avaliador em 2009. Evidenciado o permanente desvio de função a que são expostos esses trabalhadores, contratados para atividades que não envolvem os riscos à saúde presentes no carregamento constante de peso, e consequentemente não submetidos a exames e preparação para essa atividade. Superveniência da Lei nº 12.023, de 27/08/2009, que não deixa dúvida acerca da natureza diferenciada das atividades de movimentação de mercadorias. Recurso do sindicato provido para determinar à ré que se abstenha de exigir de trabalhadores alheios ao setor de estoque a carga e descarga de mercadorias, sob pena de multa diária.

 

Quanto à imposição de multa diária (astreinte), procede em parte o pleito do recorrente.

A natureza das astreintes é coercitiva, possuindo expressa previsão legal no Código de Processo Civil, art. 461, §4º: “O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.”.

Para que a determinação da presente decisão seja respeitada e se obtenha o resultado prático pleiteado, nos termos dos §§ 4º e 6º do art. 461 do CPC, que autoriza imposição e modificação de multa, é imperiosa a fixação de multa aplicável em face do descumprimento da decisão. Assim, fixa-se multa, no valor de R$ 200,00 por dia em relação a cada vítima da infração cuja observância é objeto da presente demanda, a ser paga em favor do trabalhador substituído obrigado à realização de carga ou descarga de mercadorias nas lojas da reclamada localizadas no município de Porto Alegre.

Dá-se provimento ao recurso ordinário do reclamante para determinar à reclamada que se abstenha de impor aos seus empregados, que não estoquistas ou auxiliares de depósito, a realização de carga ou descarga de mercadorias nas lojas da reclamada localizadas no município de Porto Alegre, sob pena de multa no valor de R$ 200,00 por dia, em relação à cada vítima da infração, devida aos trabalhadores substituídos obrigados à atividade.

 

2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

            O recorrente pede a reforma da sentença destacando que recentemente a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do RR 96400-40.2003.5.03.0074, reconheceu a possibilidade de os sindicatos perceberem honorários advocatícios em situação semelhante à posta nos autos. Diz que estando agindo como substituto processual e sendo reformada a sentença de primeiro grau, deverá a parte recorrida arcar com as custas e honorários advocatícios, os quais, desde logo, requer sejam fixados no percentual de 15%.

            Nas contrarrazões, a recorrida alega que o recorrente não faz jus ao benefício da justiça gratuita, nem ao deferimento de honorários assistenciais. Por outro lado, afirma que não são devidos honorários advocatícios por não se aplicar na Justiça do Trabalho o princípio da sucumbência. Invoca a Súmula nº 219 do TST. Argui, ainda, que se admitido o princípio da sucumbência, deve sê-lo integralmente, pelo princípio da igualdade, pelo que caberia a condenação do reclamante em honorários advocatícios a favor da reclamada, com observância do art. 21 do CPC, o que requer.

            Com razão o recorrente.

Como não se trata de lide que envolva diretamente a relação de emprego, de um lado a empresa e de outro o sindicato pleiteando em nome próprio (embora direito alheio), os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência (art. 5º da Instrução Normativa nº 27 de 2005, editada pelo TST para dispor sobre normas procedimentais aplicáveis ao processo do trabalho em decorrência da ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional nº45/2004).

Além de a reclamada ser condenada na pretensão manifestada pelo reclamante, que não decorre da relação de emprego, o que justifica a aplicação do art. 20 do CPC, a recente modificação da Súmula nº 219 do TST, levada a efeito por força da Resolução 174/2011, publicada no DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011, que inseriu o inciso III no verbete jurisprudencial, corrobora a conclusão: “III - São devidos os honorários advocatícios nas causas em que o ente sindical figure como substituto processual e nas lides que não derivem da relação de emprego.”.

De outro lado, além de não ser adequado o pedido de pagamento de honorários advocatícios em contrarrazões (formulado pela recorrida em caso de admissão do princípio da sucumbência), a empresa ora recorrida foi vencida na presente ação. Indevida a condenação da recorrente em honorários advocatícios, portanto.

Assim, são devidos os honorários advocatícios, no percentual de 15% (conforme referido no recurso, no verso da fl. 1192) sobre o valor atribuído à causa principal.

Dá-se provimento ao recurso do reclamante, para condenar a reclamada ao pagamento de honorários advocatícios no valor de 15% do valor da causa.

 

 

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, à unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário do sindicato-reclamante para a) determinar à reclamada que se abstenha de impor aos seus empregados, que não estoquistas ou auxiliares de depósito, a realização de carga ou descarga de mercadorias nas lojas da reclamada localizadas no município de Porto Alegre, sob pena de multa no valor de R$ 200,00 por dia, em relação à cada vítima da infração, devida aos trabalhadores substituídos obrigados à atividade e; b) condenar a reclamada ao pagamento de honorários advocatícios no valor de 15% do valor da causa. À unanimidade, negar provimento ao recurso adesivo da reclamada.

Responsabilidade pelo recolhimento das custas atribuídas pela sentença revertidas à reclamada.

Intimem-se.

Porto Alegre, 20 de julho de 2011 (quarta-feira).

 

 

 

JOÃO GHISLENI FILHO

Relator

 

 

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