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PROCESSO:
0114300-15.2008.5.04.0662 -
RO
IDENTIFICAÇÃO
DESEMBARGADOR
CLÁUDIO ANTÔNIO CASSOU BARBOSA
Órgão
Julgador: 3ª Turma
Recorrente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - Adv. Procuradoria
Regional do Trabalho
Recorrido: COLÉGIO DIRETO
Recorrido: COOPERATIVA INTEGRAL DE TRABALHADORES LTDA. (EM
LIQUIDAÇÃO) - Adv. Marilena Vieira
Recorrido: XXXXXXXXXXXXXXXXX - Adv. Jeferson Alexandre
Ubatuba
Origem: 2ª Vara do Trabalho de Passo Fundo
Prolator
da
Sentença: JUIZ ADRIANO SANTOS WILHELMS
EMENTA
AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. COOPERATIVA. INTERMEDIAÇÃO ILEGAL DE MÃO DE OBRA. O
Ministério Público do Trabalho detém legitimidade ativa para propor ação civil
pública para fins de verificação da legalidade na prestação do
serviços dos cooperados.
ACÓRDÃO
por
unanimidade de votos, dar provimento ao recurso ordinário para declarar a
legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho para propor a presente
ação civil pública, determinando o retorno dos autos à origem para exame do
mérito.
RELATÓRIO
O autor
recorre da sentença que extingue o feito sem resolução do mérito. Pretende seja
declarada sua legitimidade para a presente ação civil pública e os pedidos que
lhe são inerentes, com o retorno dos autos à origem para exame do mérito.
É o
relatório.
VOTO
RELATOR
DESEMBARGADOR
CLÁUDIO ANTÔNIO CASSOU BARBOSA:
LEGITIMIDADE
ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
DIREITOS SOCIAIS
O
recorrente não concorda com a decisão de primeiro grau, que entendeu não ter o
Ministério Público do Trabalho legitimidade para propor a presente ação. Invoca
o disposto no art. 84 da LC nº 75/93, no sentido de que a legitimidade não se
limita ao ingresso com a ação civil pública prevista no art. 83, III, quando
desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, como também
é parte legítima para promover a ação civil pública em defesa dos direitos
constitucionais e outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos,
sociais, difusos e coletivos, consoante redação do art. 6º, VII, alíneas
"a" e "d", da LC nº 75/93. Cita jurisprudência do TST, que
reconhece o Ministério Público do Trabalho como parte legítima para figurar no
feito, ainda que se trate de direitos individuais homogêneos. De qualquer
sorte, enfatiza que a presente ação tem como objeto o combate à terceirização
irregular de trabalho efetuada pelas demandadas, assim como às fraudes
instituídas com o objetivo de mascarar verdadeiras relações de emprego, e não a
proteção ou a busca de qualquer direito disponível por parte dos trabalhadores
supostamente lesados. Ressalta que se trata de lesão coletiva de origem única,
cuja repercussão atinge, inclusive, interesses difusos, pois ao terceirizarem
nos moldes efetuados os réus impedem o pleno acesso ao emprego a um número
indeterminado de pessoas, as quais acabam se sujeitando à condição de
"sócios" ou de "pseudo pessoas
jurídicas", por exemplo, como única alternativa para obter um posto de
trabalho. Ressalta que os direitos postulados são individuais, divisíveis, com
titulares perfeitamente determinados, que podem ser satisfeitos ou
lesados em relação a cada um deles. Destaca que a homogeneidade desses direitos
permite que eles sejam tratados de forma aglutinada, na medida em que há uma
afinidade de circunstâncias de fato ou de direito nas hipóteses dos autos, como
o vínculo de emprego, o reconhecimento, o registro do contrato de trabalho, os
recolhimentos previdenciários e o FGTS. Sublinha que, no presente caso, há uma
grande cumulação de pessoas em idêntica situação fática, enfrentando as mesmas
consequências, oriundas do mesmo fato lesivo, caracterizando o conflito social,
e não meramente individual. Pondera, ainda, os critérios de relevância social
do bem jurídico tutelado na presente ação civil pública. Com isso, pretende
seja declarada a sua legitimidade para a presente ação civil pública e os
pedidos que lhe são inerentes, com o retorno dos autos à origem para apreciação
e julgamento do mérito.
O debate
dos autos envolve a questão da natureza jurídica do vínculo jurídico mantido
entre o trabalhador, a cooperativa e o Colégio Diretto.
Preceitua
o parágrafo único do art. 442 da CLT, incluído pela Lei nº 8.949/94, que: Qualquer
que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo
empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de
serviço daquela.
O
dispositivo transcrito confere amparo legal à relação entre cooperativa e seus
associados, ou entre estes e as empresas tomadoras de serviços daquela,
ressalvando de tais situações a caracterização de vínculo de emprego nos moldes
celetistas. Todavia, a jurisprudência tem reconhecido que a inclusão do
referido parágrafo no dispositivo legal dá margem à fraude à lei,
possibilitando que empregadores se utilizem formalmente do instituto com o
objetivo de desvirtuar e impedir a típica relação trabalhista. Cabe ao
intérprete da lei coibir o uso indevido da associação cooperativada para fins
ilícitos, atentando, na espécie, para a aplicação das leis trabalhistas.
Antes de
a Lei nº 8.949/94 introduzir o parágrafo único ao art. 442 da CLT, a Lei nº
5.764/71, que define a política nacional de cooperativismo, já obstava o
reconhecimento do vínculo empregatício entre a cooperativa e seus associados,
independentemente do tipo, se tratando, pois, de conceito genérico.
Entretanto,
a regra do parágrafo único do art. 442 da CLT não é absoluta, consistindo em
presunção juris tantum.
Ademais, deve ser aplicada de modo compatível com as disposições legais que
regulam o cooperativismo, dentre as quais, o art. 3º da Lei nº 5.764/71, que
dispõe: Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que
reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de
uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro. O art. 4º da
mesma lei prevê que as cooperativas são constituídas para prestar serviços aos
associados. O art. 7º, por sua vez, disciplina que as cooperativas singulares
se caracterizam pela prestação direta de serviços aos associados.
Assim,
depreende-se que as cooperativas são sociedades destinadas a congregar pessoas exercentes de um mesmo ofício ou profissão, com a
finalidade primordial de melhorar os ganhos e as condições de trabalho de seus
associados. Em regra, servem para fomentar a produção do trabalho autônomo,
caracterizando-se como uma sociedade de pessoas, sem objetivo de lucro, na qual
o trabalhador assume a condição de sócio, figurando como beneficiário direto
dos serviços prestados pela cooperativa. Servem de exemplo as cooperativas de
artesãos e as de serviços autônomos de táxi, em que os associados unem esforços
com o objetivo de atender a necessidades comuns relacionadas à atividade que
exercem e de trazer benefícios a todos os associados, sem perderem a autonomia
que caracteriza sua prestação de serviços.
Deflui de
tais considerações que as cooperativas não se prestam para intermediação de mão
de obra. Neste modelo, a finalidade é a prestação de serviços para terceiros,
não consentânea com os princípios que regem o cooperativismo. Ao invés de
explorarem uma atividade econômica própria, seus associados são arregimentados
para emprestar sua força de trabalho em prol do cumprimento de contratos ou
licitações para prestação de serviços, servindo de mero instrumento para a
consecução de tais projetos. Não raro, os associados permanecem vinculados ao
mesmo tomador de serviços por tempo indeterminado, obedecendo a determinações
deste ou de prepostos da cooperativa, trabalhando sem qualquer autonomia e sem
colher os frutos de seu trabalho, identificando-se perfeitamente com o
empregado subordinado, exceto quanto aos direitos trabalhistas a este
assegurado. Desse modo, com a pertinente aplicação do princípio da primazia da
realidade, a leitura textual do parágrafo único do art. 442 da CLT não é
compatível com a legislação que regula o cooperativismo e com as disposições protetivas do trabalho da legislação trabalhista, não se
coadunando também com os preceitos constitucionais que consagram o valor social
do trabalho.
No caso
dos autos, o centro da discussão é a possibilidade de fraude perpetrada pela
Cooperativa reclamada, referente à prestação de serviços de seus associados
para o Colégio Diretto, pertencente à própria
cooperativa. As relações mantidas, tal como relatado na petição inicial, se
confirmadas, caracterizarão caso típico de intermediação de mão de obra sob o
invólucro de relação cooperativada. O fato de não existir proibição legal
acerca da prestação de serviços pelos associados em prol da própria
cooperativa, não afasta a persecução acerca da natureza jurídica desta relação.
Ainda que
seja mais efetiva a determinação de garantir, no âmbito da ação coletiva, uma
determinada gama de direitos trabalhistas prevista no
art. 7º da Constituição Federal, a presente ação tem por escopo primeiro a
regularização de uma situação que se noticia fraudulenta. Neste sentido,
se comprovado, o mascaramento do vínculo empregatício pelo cooperativismo
fraudulento implica a sonegação de direitos garantidos aos empregados, de modo
que não há como entender pela ilegitimidade do MPTb, sob pena de se compactuar com a violação do
ordenamento jurídico em prejuízo do trabalhador.
Pondero,
ainda, que a ação civil pública busca resguardar direitos da coletividade, não
se voltando exclusivamente para a reparação de danos ocorridos no passado. O
Ministério Público do Trabalho apresenta uma série de evidências de
descumprimento da legislação trabalhista.
Nada
obstante o interesse individual de cada trabalhador possa ser resguardado por
intermédio da ação reclamatória comum, nada impede que, diante de conduta
inadequada por parte daquele que age como autêntico empregador, sem qualquer
garantia deste não reincidir nas práticas ilícitas, o Ministério Público do
Trabalho se valha da ação civil pública.
Ressalto,
igualmente, que as pretensões deduzidas na petição inicial têm origem em
procedimento que atinge direitos constitucionais de uma coletividade.
Inclusive, no que diz respeito ao dano moral, além de atingir a pessoa
individualmente, pode refletir na coletividade, compreendida como um grupo de
pessoas que sofre um prejuízo de ordem extrapatrimonial em decorrência de um
ato da mesma origem. Admite-se, pois, o dever de reparar pela violação de
interesses coletivos.
O que é
buscado, nesta ação civil pública movida pelo MPTb, envolve o exame da terceirização ilícita de
serviços, anotação na CTPS da condição de empregados, pagamento de parcelas
rescisórias para aqueles já desligados, indenização por dano moral coletivo,
bem como se abstenha a demandada de tomar mão de obra presentes os requisitos
dos arts. 2º e 3º da CLT. Se comprovadas as
denúncias, será flagrante a violação ao art. 9º da CLT e aos princípios da
dignidade humana e dos valores sociais do trabalho, preconizados na
Constituição Federal, no Título I - Dos Princípios Fundamentais, sendo
manifesta a legitimidade da ora recorrente.
Neste
sentido, dou provimento ao recurso para declarar a legitimidade ativa do MPTb para propor a presente ação
civil pública, determinando o retorno dos autos à origem para exame do mérito.