VÍNCULO DE EMPREGO.
A prestação de serviços de segurança de forma eventual em jogos de futebol e outros eventos, segundo escalas determinadas conforme a importância do evento, e sem pessoalidade em face de possível substituição, afastam a hipótese do vínculo de emprego nos moldes do que dispõe o art. 3º da CLT.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juízo da 29ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrentes XXXXXXXXXXXXX e SPORT CLUB INTERNACIONAL e recorridos OS MESMOS.
As
partes, inconformadas com a decisão das fls. 235-9 e 264 (embargos de
declaração), da lavra do Juiz Rafael da Silva Marques, interpõem recursos
ordinários. O reclamado, às fls. 245-59, alega nulidade da sentença por cerceamento de defesa e pretende a
reforma dos seguintes itens: vínculo de emprego, anotação da CTPS, extinção do
contrato de trabalho, período da prestação dos serviços, verbas rescisórias,
seguro-desemprego, intervalos e vale-transporte, valores pagos ao reclamante,
dano moral e honorários assistenciais. Custas e depósito recursal às fls. 260,
v e 261, v, respectivamente.
O
reclamante requer reparo quanto à fixação do salário e majoração dos danos morais (fls. 268-75).
Com
contrarrazões do reclamante às fls. 281-96 e do reclamado às fls. 300-2, sobem os autos a este Tribunal
para julgamento.
É o relatório.
RECURSO ORDINÁRIO DO
RECLAMADO.
1. DO CERCEAMENTO DE DEFESA.
Diz, o
reclamado, que quando da audiência de instrução o procurador do autor ofereceu
contradita com relação às testemunhas do réu, a qual não foi aceita pelo
julgador de origem. Ao decidir a questão acerca do dano moral o magistrado,
contudo, entendeu que às testemunhas do reclamado faltaria
“isenção de ânimo no depoimento”. Refere que se o Juízo tivesse acolhido
oportunamente a contradita em relação às testemunhas Márcio e Jaimar, poderia
as ter substituído. Defende que tal situação gerou cerceamento do direito de
ampla defesa, implicando nulidade do decidido.
Sem razão
o recorrente.
Inicialmente, insta destacar que não se trata de hipótese de
cerceamento de defesa por afronta ao Princípio da Ampla Defesa, porquanto foram
ouvidas seis testemunhas, livremente escolhidas pelas partes.
Produzidas as provas cabe ao julgador analisá-las e dentro deste
contexto valorar a importância probatória de cada uma, expondo os motivos de
seu convencimento, nos termos do artigo 131 do CPC.
Por fim,
necessário ainda acrescentar que “isenção de ânimo”, não consta nas
hipóteses de suspeição de testemunha (artigo 829 da CLT e parágrafo terceiro do
artigo 405 do CPC).
Provimento
negado.
2. DO VÍNCULO DE
EMPREGO.
Alega, o
autor, que foi admitido em 01.06.05, para exercer as funções de segurança,
sendo despedido em 23.9.09, sem que sua CTPS tivesse sido registrada.
O
demandado diz que o autor jamais foi seu empregado, prestando serviços
autônomos, apenas no período de 06.11.2005 a 13.9.2009. Assevera que o
reclamante prestou serviços em alguns eventos no Gigantinho, Parque Gigante,
Centro de Eventos e em alguns jogos de futebol no estádio Beira Rio. Sustenta
que a natureza dos serviços prestados pelo reclamante eram na qualidade de
“bico”, não sendo obrigatório seu comparecimento e nunca existindo horário de
trabalho a ser cumprido. Junta recibos de serviços prestados fls. 70-170.
À
apreciação.
O
julgador de origem, entendendo que o trabalho do autor era essencial às
atividades permanentes desenvolvidas pelo réu, vale dizer, promoção e
realização de jogos de futebol, reconheceu o vínculo de emprego. Acrescentou na
decisão que o autor cumpria ordens ficando subordinado às respectivas
orientações, fato que afastaria a autonomia na prestação de trabalho, pois não
tinha liberdade na execução das tarefas.
Da
análise das provas, destaca-se o depoimento do preposto quanto à questão
(fl.230-1): “que eles orientam as pessoas a entrar na fila, controlam a
entrada de ambulantes no estádio; que o clube possui quadro de seguranças que suprem
o dia a dia; que o inter não consegue realizar um jogo como Inter X São Paulo
sem trabalho dos tarefeiros, mas o Campeonato Gaúcho sim”.
As partes juntaram às fls. 13/36 e 70/170 diversos recibos de pagamento pela participação do reclamante na segurança de partidas de futebol realizados no Beira Rio e eventos junto ao Gigantinho, com predominância em jogos do Internacional. Estes documentos revelam que dentro do período de prestação de serviços invocado pelo reclamante, 01.06.2005 a 23.09.2009, não houve trabalho em diversos meses, especialmente durante o período de verão, janeiro e fevereiro, quando notoriamente não há jogos ou grandes eventos em Porto Alegre. Além disso, o trabalho de segurança era muito esporádico, como ocorreu no ano de 2007, quando o autor prestou serviços em apenas 18 oportunidades durante todo o ano, em uma média de 1,5 vezes por mês. Neste ano de 2007, por exemplo, o autor não trabalhou em janeiro e fevereiro, mas sim em duas vezes em março, nenhuma em abril e apenas uma vez em maio.
Notoriamente esses serviços de segurança em jogos de futebol dependem da importância do jogo, o que pode resultar em aumento expressivo do público e a necessidade do clube mandante valer-se do auxílio de pessoas que prestam tais serviços de forma eventual. Essa é a hipótese dos autos em que o autor participava de escala dos seguranças eventuais, os quais eram acionados conforme a referida necessidade do clube em incrementar a segurança em determinados jogos. Nesse sentido é o depoimento do reclamante, que admitiu ser solicitado por telefone pelo responsável do reclamado conforme determinada tabela (v. fl.. 230).
Destaca-se que o reclamante admitiu prestar serviços de mesma natureza junto ao estádio Olímpico em dias de jogos, reforçando a noção de que sua atividade efetivamente tinha natureza eventual.
Quanto à pessoalidade, sequer foi comprovada, pois o reclamante também admitiu em seu depoimento que avisou em uma ou duas oportunidades que não poderia participar da segurança, ocasiões em que provavelmente foi substituído (v. fl. 230).
Não se constatando elementos robustos a caracterizar o vínculo de emprego nos moldes do que dispõe o art. 3º da CLT, impõe-se seja acolhido o recurso ordinário do reclamado para absolvê-lo da condenação imposta. Nesses moldes, resta prejudicado o recurso do autor.
3. DO DANO MORAL.
O reclamado busca reformar a decisão de origem que o condenou ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00. Assevera, em suma, que não praticou qualquer ato ilícito ou que enseje culpa geradora do dever de indenizar, nunca tendo dado causa para abalo ou dano moral. Sustenta que a prova dos autos não evidencia as alegadas agressões sofridas pelo autor, sequer prejuízo a evidenciar a proporção do suposto dano.
À análise.
O dano moral postulado pelo reclamante fundamenta-se na alegação
de agressão verbal e física que teria sofrido de dois seguranças do demandado
(Márcio e Jaimar), fato que gerou a ocorrência policial. Diz ter realizado
exame de corpo de delito, e que após o incidente foi dispensado.
O Boletim de Ocorrência foi juntado à fl. 37, declarando lesão
corporal e constrangimento ilegal
consumado. Não foi juntado o exame de corpo de delito.
As testemunhas convidadas pelo autor Marco Antonio e Marilise
declaram que viram o reclamante ser empurrado para a rua e ser agredido. A
testemunha Marco Antonio informa, inclusive, que aconselhou o reclamante a registrar a ocorrência na Delegacia de
Polícia. As testemunhas do réu referem que o autor estava com a camiseta do
Grêmio aparecendo por baixo da camisa, razão pela qual solicitaram que a retirasse para sua própria segurança. Aduzem
que o autor se recusou a retirá-la (v. fls. 231/234).
Conclui-se que, efetivamente, ocorreu uma altercação entre o reclamante
e outros seguranças antes do início do jogo, mas não se logra saber menores
detalhes do fato nem dos motivos do desentendimento.
A única versão para o motivo da discórdia é o fato do autor estar
usando, por baixo da camisa, uma camiseta do clube rival. Se assim, for, parece
pouco razoável a atitude do autor de pretender trabalhar em meio à torcida de
futebol do reclamado, identificando-se como torcedor do time contrário, pois é
sabido que a rivalidade grenal chega às raias da imoralidade e, de fato,
poderia causar agressões contra o próprio reclamante. Assim, não se pode
entender como abusiva a atitude patronal de não permitir que o empregado
trabalhe em atitude nitidamente provocativa e potencialmente causadora de
conflitos completamente desnecessários, além de perigoso para o próprio
trabalhador envolvido. Por outro lado, não há prova consistente de que tenha
havido uso de força física para remoção do autor do local de trabalho, muito
menos que esta força tenha sido exagerada, desproporcional ou caracterizada
agressão física.
Considerando-se que não há cabal comprovação de agressões físicas,
e que a atitude dos funcionários do reclamado, em impedir o reclamante de
trabalhar naquele dia, inclusive retirando-o do estádio Beira Rio, tinha o
objetivo de proteger sua integridade física, não há falar em dano moral.
Nega-se provimento.
ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por maioria, vencido o Relator, dar provimento parcial ao recurso do reclamado para absolvê-lo da condenação. Prejudicado o recurso do autor. Custas revertidas e dispensadas.
Porto Alegre, 14 de dezembro de 2010.
Relator
Designado
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