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PROCESSO:
0000368-34.2010.5.04.0030 -
RO
IDENTIFICAÇÃO
DESEMBARGADOR
LUIZ ALBERTO DE VARGAS
Órgão
Julgador: 3ª Turma
Recorrente: xxxxxxxxxxxxxxxxxxx - Adv. Patrícia Hoffmann dos Santos
Recorrido: CLARO S.A. - Adv. Danilo Andrade Maia, Adv. Paolo Lacorte
Origem: 30ª Vara do Trabalho de Porto Alegre
Prolator
da
Sentença: JUÍZA ADRIANA KUNRATH
EMENTA
RECURSO
ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. DOENÇA OCUPACIONAL. PERÍODO ESTABILIZATÓRIO.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Hipótese em que o trabalho da reclamante na
reclamada era de pressão e estresse excessivos, o que contribuiu para o
desencadeamento da doença apresentada pela recorrente. Faz jus a reclamante à
indenização pelo período estabilizatório, uma vez que
reconhecida doença relacionada ao trabalho, estando a reclamante, à época da
despedida, incapacitada para o trabalho. Provido o recurso da reclamante.
ACÓRDÃO
por
unanimidade, dar parcial provimento ao recurso ordinário da reclamante para
condenar a reclamada ao pagamento de: indenização por danos morais no importe
de R$10.000,000 (dez mil reais); indenização do período estabilizatório,
com o pagamento dos salários do período, férias com 1/3, natalinas e FGTS;
honorários assistenciais, à razão de 15% do valor bruto da condenação. Custas
no valor de R$400,00, sobre o valor atribuído à condenação (R$20.000,00), pela
reclamada.
RELATÓRIO
Inconformada
com a sentença lançada às fls. 283/288, recorre ordinariamente a reclamante.
Investe contra o julgado quanto aos seguintes tópicos: doença ocupacional -
indenização por danos morais; pensão vitalícia; indenização - período estabilizatório; honorários assistenciais (fls. 292/308).
Com
contrarrazões da reclamada às fls. 312/314, sobem os autos ao Tribunal.
VOTO
RELATOR
DESEMBARGADOR
LUIZ ALBERTO DE VARGAS:
DOENÇA
OCUPACIONAL. PERÍODO ESTABILIZATÓRIO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
A
julgadora a quo indeferiu o pleito em
epígrafe, sob o seguinte fundamento: "Assim, acolho o laudo pericial
médico, e concluo pela inexistência de nexo entre a moléstia da autora e o
trabalho desenvolvido em prol da reclamada, não havendo falar em
responsabilidade do empregador, tampouco em pensionamento
e indenização por danos morais."
A
reclamante recorre. Sustenta que deve ser reconhecida a responsabilidade da
reclamada, porquanto restou demonstrado que o trabalho contribuiu como concausa para a doença apresentada pela recorrente. Refere
que exercia a função de atendente sênior responsável pela loja e a prova
testemunhal comprovou que havia muita pressão no labor da recorrente, sendo que
a doença foi desencadeada pela carga excessiva de trabalho. Aduz que os laudos
médicos acostados aos autos, bem como as fichas de evolução hospitalares das
internações psiquiátricas da recorrente remetem a causa do desencadeamento dos
transtornos pelo trabalho na reclamada. Destaca que apesar de o perito ter
concluído pela inexistência de nexo causal entre o transtorno da recorrente e o
labor na reclamada, referiu que o estresse no trabalho pode ter desencadeado a
doença psiquiátrica, existindo, portanto, concausa.
Alega que não há estudo científico que comprove que o Transtorno Afetivo
Bipolar se dê única e exclusivamente por uma questão hereditária, afirmando que
não há casos deste tipo doença em sua família. Assevera que antes do labor na
recorrida não fazia uso de qualquer medicação, tampouco realizava tratamento
psiquiátrico, tendo trabalhado por longa data em outras empresas, provavelmente
exposta a níveis de estresse normais, mas suportáveis ao ponto de não afetarem
de tal forma sua saúde.Pretende seja declarada a
responsabilidade da demandada quanto à sua doença, com a condenação da mesma ao
pagamento de indenização do período estabilizatório,
bem como ao pagamento de indenização por dano moral, porquanto comprovado o
nexo de causalidade entre a doença apresentada e o labor na reclamada.
Examina-se.
Realizada
a perícia médica (fls. 189/200), o perito concluiu que a reclamante apresenta
quadro clínico compatível com CID 10 F31.3, Transtorno
Afetivo Bipolar, episódio atual depressivo leve ou moderado, com perda
temporária da capacidade laborativa estimada em 75%,
segundo a tabela DPVAT. Concluiu, também, que não há relação de nexo causal
entre a moléstia e o trabalho prestado na reclamada. Referiu que tal patologia
tem origem genética/hereditária e não pode ser
considerada doença ocupacional.
Nos
esclarecimentos periciais (fls. 265/268), o perito admitiu a possibilidade de o
trabalho ter atuado como elemento desencadeante da doença (concausa),
condicionando-a, entretanto, à comprovação de que os serviços eram prestadas nas condições narradas pela autora durante a
inspeção. Caso contrário, sustenta que o estresse no trabalho é apenas um
sintoma da doença e a doença seria secundária a suas interpretações (fl. 267).
Admitida a possibilidade de o trabalho ter atuado como elemento
desencadeante da doença (concausa), analisa-se a
seguir a prova testemunhal produzida nos autos.
A
testemunha da reclamante, ouvida à fl. 258, disse: "que trabalhou na
reclamada de maio/2004 a março/2011; que a depoente era atendente de loja junior; que tem por tarefas
atender clientes, recepcionar, vender planos, tarefas burocráticas; que
trabalhou com a reclamante no BIG Alvorada e no Bourbon Ipiranga; que quando a
depoente entrou a reclamante já trabalhava no BIG Alvorada; que trabalhou
com a reclamante no BIG Alvorada até a reclamante ser promovida a atendente senior, quando então a reclamante foi transferida para o
Bourbon Ipiranga; que como atendente a depoente trabalhava em rodízio e por
conta disso, era deslocada para trabalhar no Bourbon Ipiranga, referindo que
isto ocorria em média duas vezes na semana e, por vezes, nos finais de semana,
referindo em torno de um domingo por mês; que a reclamante tinha por
atribuições as mesmas atividades que a depoente, além de arrumar vitrine, o
estoque e outras questões burocráticas que não competiam à depoente como
pendências, reposição de material de escritório, e outros; que na época em que
trabalhavam no BIG Alvorada, a reclamante embora estivesse no cargo de
atendente junior respondia pelo quiosque, fazendo às
vezes de atendente senior; que é o atendente senior que responde pelo quiosque; que a reclamante era
responsável pela escala de folgas, horários de almoço do pessoal do quiosque;
que o horário contratual era de oito horas, mas dificilmente era cumprido e
trabalhavam de dez a doze horas, referindo que eram apenas em três no BIG
Alvorada; que o BIG abre das 09 às 22h; que na maioria das vezes a depoente
trabalhava no mesmo horário da reclamante, referindo que a média de horas
trabalhadas no BIG Alvorada era o mesmo para os três atendentes; que no Bourbon
Ipiranga a depoente trabalhava menos referindo que trabalha de nove a dez horas
no máximo; que nos domingos trabalhava das 13h30 até às 21h, pois tinham que
fazer fechamento de caixa e recolher os aparelhos; que chegou a a trabalhar com a reclamante no quiosque
do Bourbon Ipiranga, mas não sabe dizer o horário que a reclamante fazia lá,
referindo apenas que muitas vezes quando chegava a reclamante já estava lá e
nestas oportunidades a reclamante ia embora com ela, no final do dia; que nas
datas festivas havia um horário a maior a ser feito; que o horário era
registrado de forma manual em folha ponto pelo próprio empregado; que não
registravam o horário real; que a depoente não sabe dizer ao certo quantos
clientes atendia por dia, referindo apenas que eram muitos; que a reclamante se
afastou do trabalho e ao que sabe foi por stress e isto foi divulgado pelo senior que assumiu o lugar da reclamante, de nome Aline;
que quando começou a trabalhar com a reclamante não notou nada de
diferente na reclamante, ela trabalhava normalmente; que supervisor no BIG
Alvorada era Frederico Marques e no Bourbon Ipiranga era Simone Barbacovi; que não sabe dizer se no BIG Alvorada se
trabalhava mais que no Bourbon Ipiranga porque na Ipiranga a depoente apenas
cobria horários; que a depoente não recebia corretamente as horas extras
realizadas.".
A
testemunha da reclamada, afirmou: "que trabalha na reclamada desde janeiro/2005,
como atendente junior; que
trabalhou com a reclamante por um ou dois dias quando esta era atendente senior do quiosque do Bourbon Country; que o atendente senior é o responsável pelo quiosque; refere que quem faz
as escalas de folga são os gerentes, mas os seniors
podem alterar estas escalas e faz a escala junto com o gerente; que as tarefas
dos atendentes junior e senior
são similares, mas o senior é quem distribui as
tarefas e responde pelas questões burocráticas do quiosque; que inquirida pelo
procurador da reclamada se a função do atendente senior
tem muita pressão, a depoente diz que toda empresa que trabalha com vendas tem
pressão e que no caso não é nada exagerado; que a depoente trabalha de oito a
nove horas por dia; que espontaneamente diz que por ocasião das datas festivas
é questionado ao pessoal se podem fazer horas extras, porque o movimento é
maior; que a depoente trabalhou nos quiosques do Iguatemi e do Country; que no
Iguatemi a depoente fazia um pouco mais de horas extras, referindo que
trabalhava no máximo dez horas; que as horas extras eram devidamente
registradas e pagas; que ficou sabendo que a reclamante foi afastada do
trabalho por problemas de depressão; inquirida pelo procurador da
reclamada a depoente diz que não conhece bem a reclamante, mas que os
comentários que foram feitos é que a reclamante teria desencadeado a depressão
na época da Claro por se sentir pressionada, referindo também que comentavam
que ela tinha problemas anteriores; que estes eram os comentários entre os
colegas que conheciam a reclamante melhor; que não recorda quanto tempo a
reclamante ficou afastada; que ao que recorda a reclamante foi afastada, voltou
a trabalhar e nesta oportunidade a depoente trabalhou com ela por um ou dois
dias no Country e depois disso a reclamante foi novamente afastada; que não tem
conhecimento se a reclamante retornou após isto; que nos dias em que trabalharam juntas a depoente sentiu que a reclamante estava
normal; que os comentários antes referidos partiram de Márcio Lencina, que a depoente diz ser bem conhecido da
reclamante; que não recorda ao certo a data em que trabalhou com a
reclamante, referindo que a depoente trabalhou no Country de 2007 a
agosto/2010." (verso da fl. 258).
A prova
testemunhal demonstrou que a reclamante estava submetida a uma jornada de
trabalho extensa (de dez a doze horas por dia) e que nas datas festivas
trabalhava ainda mais. A primeira testemunha afirmou que a reclamante se
afastou do trabalho e ao que sabe foi por stress e isto foi divulgado pelo senior que assumiu o lugar da reclamante. Já a
testemunha da reclamada confirmou que toda empresa que trabalha com vendas
tem pressão e que ficou sabendo que a reclamante foi afastada do
trabalho por problemas de depressão, bem assim que os comentários que
foram feitos é que a reclamante teria desencadeado a depressão na época da Claro por se sentir pressionada.
No caso
em estudo, admite-se que o labor da reclamante na reclamada era de pressão e
estresse excessivos, trabalhando diariamente de dez a doze horas, e, assim,
contribuindo para o desencadeamento da doença apresentada pela recorrente. Os
documentos juntados com a petição inicial atestam os inúmeros afastamentos da
autora em razão do tratamento médico psiquiátrico. Já o atestado da fl. 262 dá
conta que o quadro clínico da autora está associado, dentre outros fatores, a
situação psíquica de natureza ocupacional, constando que "foi a partir de
fatores estressores laborativos que houve o
desencadeamento do transtorno" e recomendando o afastamento das atividades
laborais por 180 (cento e oitenta) dias.
Desse
modo, diverge-se da sentença, entendendo-se pela existência de nexo causal
entre a moléstia da autora e o trabalho desenvolvido em prol da reclamada.
No que
diz respeito à garantia no emprego, faz jus a reclamante à indenização pelo
período estabilizatório, uma vez que reconhecida a
doença relacionada ao trabalho, estando a reclamante, à época da despedida,
incapacitada para o trabalho. Cumpre destacar que é fato incontroverso que a
reclamante esteve em benefício previdenciário pelo período compreendido entre
05.04.2006 e 30.09.2008.
Dá-se
provimento ao recurso para condenar a reclamada ao pagamento de indenização por
danos morais no importe de R$10.000,000 (dez mil reais), bem assim ao pagamento
de indenização do período estabilizatório, com o
pagamento dos salários do período, férias com 1/3, natalinas e FGTS.
PENSÃO
VITALÍCIA.
A
reclamante objetiva o pagamento de pensão vitalícia na proporção da redução da
sua capacidade laborativa.
Sem
razão.
Indefere-se
o pleito em comento, porquanto o laudo é conclusivo no sentido de que a
incapacidade laborativa da autora é temporária (fl.
195).
Nega-se
provimento.
HONORÁRIOS
ASSISTENCIAIS.
A
reclamante apresenta declaração de insuficiência de rendimentos (fl. 15) o que
basta para o deferimento do benefício da assistência judiciária e condenação da
reclamada ao pagamento dos honorários advocatícios de assistência judiciária,
nos termos da Lei 1060/50.
Entende-se
que as restrições impostas pela Lei nº 5.584/70 encontram óbice no art. 133 da
Constituição Federal, que reconhece em nível constitucional a
imprescindibilidade do advogado, bem como nos artigos 5º, XIII, que veda, por atentatório à liberdade de atuação profissional a criação
de "reservas de mercado" aos advogados ligados aos sindicatos, e do
art. 5º, LV, já que está contido no direito à ampla defesa a possibilidade de
escolha pelo litigante de advogado de sua confiança.
A
propósito, transcreve-se a seguinte ementa: "HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
AO HIPOSSUFICIENTE NÃO ASSISTIDO POR SINDICATO. Demonstrada a
hipossuficiência econômica, o regime da cidadania impõe (não só faculta) a
concessão de gratuidade judicial (Lei nº 1.060, com posteriores alterações -
'Os poderes públicos CONCEDERÃO assistência judiciária aos necessitados, assim
presumidos os que declaram essa condição' - arts. 1º
e 4º, §1º), aí incluídos os honorários advocatícios, pois a Lei nº 5.584/70 não
revogou o direito do cidadão, título anterior e sobreposto do homem antes de
ser trabalhador" (TRT 22ª Reg. - Rel. Francisco Meton
Marques de Lima) (LTR 59-9/1276).
Dá-se
provimento ao recurso para condenar a reclamada ao pagamento de honorários
assistenciais, à razão de 15% do valor bruto da condenação.
DT.