EMENTA: HORAS EXTRAS. JORNADA DEFERIDA. O conjunto probatório carreado aos autos evidencia que o cargo exercido pelo reclamante, de Supervisor de Pessoal, não se enquadra na hipótese prevista no inciso II do art. 62 da CLT. Descumprido o disposto no art. 74, § 2º da CLT, já que incontroversa a inexistência de registros de horário a partir de abril/2005, acolhe-se a jornada declinada na inicial, mormente considerando que o Magistrado de origem arbitrou a jornada trabalhada respeitando os limites do quanto comprovado pelo conjunto da prova testemunhal e o postulado na petição inicial. Provimento negado, no aspecto.

 

 

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juízo da Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrente CONSÓRCIO UNIVIAS E OUTROS e recorrido  XXXXXXXXXXXXS.

 

A reclamada não se conforma com a sentença das fls. 941-6, complementada à fl. 954, proferida pelo Juiz Rodrigo Trindade de Souza, que julgou procedente em parte a ação.

Busca a reforma do julgado quanto aos seguintes itens: horas extras; adicional noturno; hora reduzida; intervalo interjornada; intervalo intrajornada, julgamento extra petita; danos morais; descontos fiscais; contribuição previdenciária, juros, multa; honorários advocatícios.

Com contrarrazões do reclamante às fls. 982-992, sobem os autos a este Tribunal.

Processo não submetido a parecer do Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

 

ISTO POSTO:

 

PRELIMINARMENTE.

 

1. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DA RECLAMADA. ARGUIÇÃO EM CONTRARRAZÕES DO RECLAMANTE.

 

O reclamante alega em contrarrazões a inadmissibilidade do recurso ordinário da reclamada, pois a procuração da fl. 61 não teria sido passada pelos representantes legais, conforme contrato de constituição e alteração contratual das fls. 63-77. Invoca a Orientação Jurisprudencial n. 373 da SDI-I do TST e a Súmula n. 164 do TST.

Analisa-se.

Não se verifica a irregularidade de representação apontada, porquanto a procuração da fl. 61 contém a identificação dos representantes legais da reclamada, na pessoa do Diretor Presidente, Marco Roberto Amorim Baltar, e do Diretor Executivo, Carlos Henrique Paganetto Roma Júnior.

A Orientação Jurisprudencial n. 373 da SDI-I do TST -IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. PROCURAÇÃO INVÁLIDA. AUSÊNCIA DE IDENTIFICAÇÃO DO OUTORGANTE E DE SEU REPRESENTANTE. ART. 654, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL. Não se reveste de validade o instrumento de mandato firmado em nome de pessoa jurídica em que não haja a sua identificação e a de seu representante legal, o que, a teor do art. 654, § 1º, do Código Civil, acarreta, para a parte que o apresenta, os efeitos processuais da inexistência de poderes nos autos. – exige a identificação do representante da reclamada, nada referindo quanto ao contrato de constituição da empresa.

Ainda que assim não fosse, o advogado que subscreve o recurso, Guilherme Guimarães (OAB-RS 37672), participou da audiência de instrução da fl. 58, restando, portanto, caracterizada a hipótese de mandato tácito.

Rejeita-se a arguição de não conhecimento do recurso ordinário da reclamada suscitada em contrarrazões pelo reclamante.

 

           

2. CONHECIMENTO.

 

Tempestivo o apelo (fls. 957 e 958), regular a representação (fl. 61), custas processuais recolhidas (fl. 978) e depósito recursal efetuado (fl. 977), encontram-se preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso.

 

NO MÉRITO.

 

1. HORAS EXTRAS. ADICIONAL NOTURNO. HORA REDUZIDA NOTURNA. INTERVALO INTERJORNADA. INTERVALO INTRAJORNADA.

 

A sentença deferiu o pagamento de horas extras a partir de 01.04.2005, decorrentes da extrapolação da jornada diária de 8h, até o limite  de 44 horas semanais, e, após ultrapassado este, as trabalhadas além da 44ª hora semanal, que deverão ser remuneradas com 50%, com reflexos. Deferiu também o pagamento de adicional noturno e de horas extras a partir de abril de 2005, como as horas laboradas sem a redução da hora noturna, com reflexos.

A recorrente não se conforma com a condenação ao pagamento de horas extras. Alega que a partir de abril de 2005 o reclamante deixou de ter sua jornada de trabalho controlada, pois passou a exercer a atividade de Supervisor de Pessoal estando enquadrado na exceção prevista no art. 62, II, da CLT. Sustenta que o volume de trabalho não era acentuado e perfeitamente adequado à jornada contratada. No caso de ser afastada a aplicação da exceção do inciso II do art. 62  da CLT, requer a reforma da jornada arbitrada, pois entende que sempre esteve adaptada ao regime de 44 horas semanais. Alega que a prova documental demonstra que o volume de serviço fixado na sentença não é sustentável. Com relação ao intervalo entre jornadas afirma que a jornada fixada na sentença corresponde a um volume de trabalho extraordinário, não se tratando de turnos regulares de trabalho em violação ao descanso de 11 horas entre uma jornada e outra, mas sim de prestação de serviço extraordinário, o qual já está remunerado pela própria condenação proferida na origem. Assevera que eventual desrespeito ao intervalo entre as jornadas é mera infração administrativa não havendo amparo legal para hora extra deferida a este título. Quanto ao intervalo intrajornada sustenta que a decisão extrapola os limites da lide, porquanto na petição inicial o reclamante formula pedido baseado na afirmação de que pelo menos três vezes por semana não poderia gozar de intervalo, não podendo o juízo deferir intervalo intrajornada todos os dias em que houve labor. Invoca o disposto nos arts. 128, 293 e 460 do CPC. Transcreve jurisprudência.

Examina-se.

O reclamante foi admitido na reclamada em 11.10.99 para exercer as funções de auxiliar de departamento pessoal, sendo promovido para supervisor de pessoal em 01.04.2005. Foi despedido sem justa causa em 14.01.2008 percebendo como último salário a importância de R$ 2.571,47 mensais.

Na petição inicial o reclamante alega ter sido contratado para trabalhar de segunda a sexta-feira das 8h às 12h18min e das 13h30min às 18h, o que foi registrado até 01.04.2005, porque a partir dessa data não mais registrou a jornada de trabalho nos cartões-ponto.

Primeiramente, analisando a função de confiança, destaca-se que o art. 62, inciso II, da CLT exclui do capítulo da duração do trabalho os empregados que exercem atividade externa, bem como “os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial”.

Em assim sendo, estes empregados não se encontram sujeitos a controle de horário, ou seja, na expressão de Valentin Carrion: “ ... não tem direito, em princípio, a jornada normal mínima, nem a remuneração de outras horas além das normais, e nem adicional por trabalho extraordinário” (in Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, pg. 107, item 1 do art. 62. Ed. Saraiva, 1996, 21ª edição).

Todavia, o mesmo artigo, no seu parágrafo único, apresenta uma exceção: “o regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento).”

Como se vê do exposto, para que o empregado fique excepcionado dos preceitos relativos à duração do trabalho, é necessária a ocorrência de dois elementos: a inequívoca demonstração de que exerça cargo de confiança; e que receba padrão diferenciado de salário.

No caso em exame, o conjunto probatório carreado aos autos evidencia que o cargo exercido pelo reclamante, de Supervisor de Pessoal, não se enquadra na hipótese prevista no inciso II, do art. 62 da CLT, não restando demonstrada a presença daquela necessária autonomia para tomar decisões importantes em nome do empregador, capaz de caracterizar o cargo de gestão a que se refere o dispositivo legal em foco.

Com efeito, não restou comprovado que o autor detinha amplos poderes de mando e de gestão, inclusive comprovada sua subordinação no depoimento do preposto da empresa, que afirma: “como supervisor de pessoal, o autor era subordinado à Valência, a qual tinha o cargo de coordenadora; Valência era subordinada à diretoria; (..)”. (fl. 924).

A testemunha, Jocelena Vargas Noronha, indicada pelo reclamante, informa que “(...) Valência era a coordenadora de toda a equipe de RH, também atuando como superior hierárquica na equipe, orientando e fiscalizando o trabalho dos funcionários; quando a depoente iniciou o trabalho com o autor, esse já tinha as atribuições de supervisor de pessoal; (...)”. (fl. 925).

Além disso, também não restou demonstrado que o reclamante percebia remuneração superior aos demais empregados. Observa-se que o recibo de pagamento do mês de abril/2005, o salário base do autor era de R$ 2.236,92, acrescido de horas extras, adicional noturno e hora reduzida noturna (fl. 166). O salário de maio/2005 permanece nas mesmas condições e o salário base de junho/2005, quando o reclamante já exercia a função de “supervisor de pessoal”, continua no valor de R$ 2.236,92, porém, sem o pagamento de horas extras, adicional noturno, hora reduzida noturna (fl. 167).

Diante desse contexto, correta a sentença que concluiu que o reclamante não estava enquadrado na exceção prevista no inciso II do art. 62 da CLT, deferindo o pleito de horas extras.

No que respeita à jornada de trabalho fixada na sentença, também se verifica o acerto do Julgador, na medida em que descumprido o art. 74, § 2º da CLT, já que incontroversa a inexistência de registros de horário em relação ao período posterior a 01.04.2005, circunstância que autoriza o acolhimento da jornada declinada na inicial, mormente considerando que o Magistrado de origem arbitrou a jornada trabalhada respeitando os limites do quanto comprovado pelo conjunto da prova testemunhal, limitando-a ao quanto postulado na petição inicial

 A sentença considerou o horário de trabalho do autor como sendo das 8h às 18h, de segunda a sexta-feira, com 45 minutos de intervalo; das 8h às 23h, de segunda a sexta-feira, com 45 minutos de intervalo, do dia 25 ao dia 1º de cada mês; além de um sábado por mês das 8h às 18h.

Sinala-se que no período em que o reclamante registrou o horário de trabalho nos cartões-ponto ele já ultrapassava a jornada em determinados dias do mês, como se observa em todo o contrato de trabalho, nos cartões-ponto juntados às fls. 118-146.

A alegação da reclamada de que resta comprovado que o volume de trabalho estava perfeitamente adaptado a demanda de serviço não se confirma com a situação dos autos, porquanto, se no período anterior a abril de 2005 o autor já fazia horas extras, mais razão teria para extrapolar a jornada quando demonstrado que a reclamada reduziu o número de funcionários do setor de trabalho do autor. Destaca-se o depoimento da testemunha Jocelena Noronha, que informa: “houve redução de 2 funcionários no departamento pessoal; Elisabete Alves e Maria Isabel Ribeiro;” (fl. 925). Assim também o depoimento da segunda testemunha indicada pelo autor, Marcelo Zarichta Soares, que “sabe que ocorreram diversas reduções de pessoal no setor de trabalho do autor; recorda-se que em 2005 houve grande redução de pessoal no setor;” (fl. 926).

Dessa forma entende-se correta a sentença também neste aspecto.

Assim, extrapolada a jornada até às 23 horas e efetuado o pagamento das horas normais, o reclamante faz jus às horas noturnas, adicional noturno, hora reduzida, bem como as horas decorrentes do intervalo interjornada não usufruído. Tal como deferido na origem.

Não prospera a tese de que a inobservância dos intervalos em questão configura mera infração administrativa, na medida em que se trata de descumprimento de dispositivo legal de ordem pública, no caso o art. 66 da CLT, que visa resguardar a saúde do trabalhador.

As horas trabalhadas em prejuízo do intervalo mínimo de 11 horas consecutivas para descanso interjornadas devem ser remuneradas como extraordinárias, inclusive com o respectivo adicional, a teor dos artigos 66 e 61, § 2º, da CLT. Entendimento já pacificado nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 355 da SDI-I do C. TST, verbis:   

 

INTERVALO INTERJORNADAS. INOBSERVÂNCIA. HORAS EXTRAS. PERÍODO PAGO COMO SOBREJORNADA. ART. 66 DA CLT. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO § 4º DO ART. 71 DA CLT (DJ 14.03.2008). O desrespeito ao intervalo mínimo interjornadas previsto no art. 66 da CLT acarreta, por analogia, os mesmos efeitos previstos no § 4º do art. 71 da CLT e na Súmula nº 110 do TST, devendo-se pagar a integralidade das horas que foram subtraídas do intervalo, acrescidas do respectivo adicional.

 

No que se refere à condenação ao pagamento como extra do período faltante para completar uma hora de intervalo para repouso e alimentação, todavia, impõe-se a reforma do julgado para limitar a condenação, nos termos do postulado na inicial. Isto porque, na petição inicial, como se vê do pedido de pagamento das horas laboradas durante o intervalo para repouso e alimentação (letra “c” do petitório), o autor afirma que deixava de realizar o intervalo “em pelo menos três vezes por semana” (fl. 04 e 14), merecendo reforma a sentença, no aspecto, quando defere horas extras decorrentes da supressão parcial do intervalo intrajornada a partir de 01.04.2005 sem considerar a limitação constante da própria inicial. As normas previstas nos arts. 128 e 460 do CPC vedam a condenação em quantidade superior ou objeto diverso do que foi pedido, circunstância que impõe a limitação da condenação ao pagamento da supressão parcial do intervalo intrajornada a partir de 01.04.2005 em três vezes por semana.

Dá-se provimento parcial ao recurso para limitar a condenação ao pagamento da supressão parcial do intervalo intrajornada a partir de 01.04.2005 em três vezes por semana.

 

2. DANOS MORAIS.

 

A recorrente não se conforma com a condenação ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 33.048,40. Alega que a prova oral é uníssona ao afirmar a inexistência de prejuízo ao reclamante. Alega que não houve excesso de jornada nos moldes alegados na petição inicial, o que já afasta a pretensão do autor. Entende que mesmo mantendo a jornada fixada na sentença, tal não justifica a condenação por ausência de fato gerador capaz de justificar como ação das recorrentes o prejuízo na continuidade do curso superior. Refere que não houve comprovação do dano sofrido, e que o conjunto probatório não possibilita o convencimento de ofensa a quaisquer valores previstos na Constituição Federal, a teor do art. 5º, inciso X. Transcreve jurisprudência. No caso de manutenção da sentença, requer a minoração do valor arbitrado.

Examina-se.

Como já referido, o reclamante iniciou na reclamada em  11.10.99 na função de Auxiliar de pessoal, sendo promovido a Supervisor de pessoal em 01.04.2005. O salário base do autor antes e após a promoção permaneceu o mesmo, conforme recibos das fls. 165-6.

O autor alega que em razão da supressão do pagamento de horas extras a partir de 01.04.2005, acrescido ao fato da sobrecarga de trabalho, foi obrigado a cancelar o curso superior que frequentava.

Os documentos das fls. 24 e 25 atestam as disciplinas cursadas pelo autor no curso de Bacharelado em Administração da Faculdade São Judas Tadeu, sendo que o documento da fl. 23 comprova o trancamento de sua matrícula em curso superior no segundo semestre de 2005.

Ao contrário do alegado nas razões recursais, a prova oral não afirma a inexistência de prejuízo do autor pelo trancamento do curso superior. A testemunha Jocelena  afirma que não sabe o motivo de o autor ter cancelado seu curso superior (fl. 925). Já a testemunha Marcelo informa que “sabe, por comentário do autor, que este cancelou o curso superior que fazia, pois o horário de trabalho passou a invadir o horário das aulas; autor comentou com o depoente que o curso superior ‘iria fazer falta posteriormente’; o depoente identificou tristeza no autor, ao cancelar o curso superior;” (fl. 926). A testemunha indicada pela reclamada nada refere quanto ao cancelamento do curso superior.

Ademais, constata-se a ocorrência de redução salarial, pois demonstrado que o reclamante deixou de perceber horas extras a partir de abril/2005, bem como a redução do número de funcionários no setor de trabalho, conforme atestam os documentos das fls. 463 e 403, indicando que em janeiro de 2005 a empresa contava com 751 funcionários e em julho de 2005 possuía o total de 692 funcionários, o que é confirmada pela prova oral, revelando o aumento no volume de trabalho.

Diante da alteração das condições de trabalho e da jornada fixada, tem-se comprovada a impossibilidade de cursar regularmente curso superior a partir do segundo semestre do ano de  2005, demonstrado, portanto, o nexo de causalidade.

Ressalta-se que quando o litígio versar sobre direito moral, o autor não precisa comprovar que se sentiu ofendido ou humilhado com a atitude do agressor, bastando que se prove ato ilícito, dano e nexo de causalidade. A presunção sana a impossibilidade da prova da lesão de direito pessoalíssimo sofrido pela pessoa natural de direito em razão de ato ou omissão ilícita de outrem.

Neste sentido o acórdão n. 01761-2006-203-04-00-6, da lavra do Des. Denis Marcelo de Lima Molarinho, cuja ementa ora se transcreve:

 

DANOS MORAIS. EDUCAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE FREQUÊNCIA EM CURSO SUPERIOR. Presente o dano, representado pela impossibilidade de cursar regulamente o curso superiorno ano de 2006, conforme demonstrado na prova documental, e o nexo de causalidade consubstanciado nos registros de horário, que demonstram as jornadas extensivas, além da previsão legal, a que era submetido o reclamante, cabível a indenização por danos morais. Violação de garantias constitucionais, dignidade humana e direito à educação. Negado provimento.

 

Com relação ao valor fixado, tem-se correta a decisão, considerando o gasto médio com ensino superior em instituição particular correspondente.

Nega-se provimento.

 

3. DESCONTOS FISCAIS.

 

A sentença entende que o imposto de renda deve ser apurado mês a mês, com base nas alíquotas e base de cálculo das épocas próprias em que as verbas deveriam ter sido pagas.

A reclamada não se conforma com a incidência dos descontos fiscais apurados mês a mês. Afirma que os descontos ficais devem ser apurados sobre o valor bruto da condenação, através do regime de caixa, o que requer. Invoca o art. 46 da Lei n. 8.541/92. Prequestiona a Instrução Normativa n. 25 de 1996 da Secretaria da Receita Federal. Transcreve jurisprudência.

Examina-se.

As retenções do imposto de renda decorrem de obrigação legal, nos termos do art. 46 da lei n. 8.541/92.

O imposto de renda retido na fonte incide sobre o valor total dos rendimentos, nos termos da Súmula 51 deste Tribunal, verbis: “Os descontos fiscais incidem, quando do pagamento, sobre o total tributável, monetariamente atualizado, excluídos os juris de mora”.

Neste sentido a Súmula 368, II, do TST:

 

DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS. COMPETÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO. FORMA DE CÁL- CULO. (...) II - É do empregador a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias e fiscais, resultante de crédito do empregado oriundo de condenação judicial, devendo incidir, em relação aos descontos fiscais, sobre o valor total da condenação, referente às parcelas tributáveis, calculado ao final, nos termos da Lei nº 8.541/1992, art. 46, e Provimento da CGJT nº 03/2005 (ex-OJ nº 32 - Inserida em 14.03.1994 e OJ nº 228 - Inserida em 20.06.2001).

 

Dá-se provimento ao recurso para autorizar o recolhimento das contribuições fiscais, em consonância com a Súmula n. 51 deste TRT.

 

4. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. JUROS. MULTA.

 

A sentença considerou, quanto às contribuições previdenciárias, em observância à determinação do art. 832 da CLT e Prov. N. 001/96 da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, serão incidentes sobre as cotas patronais e do empregado, e incidirão sobre as parcelas da condenação que na forma do art. 214 do Dec. 3048/49 integram o salário de contribuição. O prazo para recolhimento é até o dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença. Os valores devidos pela reclamada somados às contribuições do reclamante acrescidos de juros correção monetária e multa apurados desde a época em que os recolhimentos deveriam ter sido efetuados, na forma da legislação previdenciária própria, deverão ser incluídos na condenação da reclamada para posterior liberação do INSS.

A recorrente alega que somente incide a legislação previdenciária disposta no art. 879, §4º, da CLT, se houve mora no pagamento dos débitos trabalhistas. Caso contrário se aplica o FACDT sem os acréscimos de juros de mora e multa. Invoca o art. 34 da Lei n. 8212/91 e o art. 276 do Decreto n. 3048/99. Sustenta que a empresa não está em mora com o recolhimento das contribuições previdenciárias e que o fato gerador das contribuições é a decisão judicial que reconheceu o direito e não a prestação de trabalho. Transcreve jurisprudência.

Com razão.

O contrato de trabalho, como já referido, vigeu de 11.10.1999 a 14.01.2008.

Não é possível entender que o fato gerador da contribuição previdenciária seja a prestação de serviços, quando o pagamento de verbas trabalhistas, sujeitas à sua incidência, decorre de decisão judicial. O fato gerador, segundo especifica o art. 114 do Código Tributário Nacional, “é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”. O fato gerador da contribuição previdenciária está definido na Constituição, em seu art. 195: “A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;” – sublinhou-se. Sua explicitação está prevista no art. 22, I, da Lei nº 8.213/91, que “Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências”, quando define o fato que dá ensejo à contribuição previdenciária e sua base de cálculo: “ vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho (...)“ – sublinhou-se.

A incidência da cobrança previdenciária decorre apenas da relação trabalhista presente nos autos, e não do todo da execução do contrato de trabalho. Por essa razão, torna-se exigível somente a partir da liquidação da sentença, quando o débito se torna líquido e certo, possibilitando seu recolhimento. A mora só se configura quando descumprido o prazo expressamente previsto no art. 276 do Decreto nº 3.048/99 e no art. 43, § 3º, da Lei nº 8.212/91.

Esta 3ª Turma já decidiu, em caso análogo apreciado por este Relator, no acórdão n. 0085500-32.2006.5.04.0731 AP, publicado em 15.10.2010, cuja ementa ora se transcreve:

 

FATO GERADOR DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ATUALIZAÇÃO DOS CRÉDITOS PREVIDENCIÁRIOS. JUROS E MULTA MORATÓRIOS. Nas ações trabalhistas, o fato gerador da contribuição previdenciária perfectibiliza-se com a definição em juízo do crédito devido, o que, em se tratando de acordo, ocorre com sua homologação e, nos demais casos, com a liquidação da sentença transitada em julgado, que fixa o valor devido e determina o seu recolhimento. Devidas a atualização pela taxa SELIC e a incidência de juros e multa moratórios somente depois de decorrido o prazo do art. 43, § 3º, da Lei nº 8.212/91.

 

 

Tem-se, pois, que a atualização dos créditos previdenciários via taxa SELIC somente é devida em caso de inadimplência, seja do contribuinte em atraso, autuado por fiscalização, ou em atraso devido ao não cumprimento do prazo estabelecido para pagamento em ação trabalhista, decorrente da condenação ou do acordo.

Assim, dá-se provimento ao recurso para determinar que as contribuições previdenciárias sejam atualizadas pela taxa Selic, com incidência de juros e multa somente depois de decorrido o prazo do art. 43, §3º, da Lei nº 8.212/91.

 

5. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

 

A recorrente não se conforma com a decisão que considerou devidos honorários de assistência judiciária sem o preenchimento dos requisitos do art. 14 da Lei n. 5.584/70. Sustenta   que a decisão contraria as Súmulas 329 e 219 do TST.

Com razão.

Os honorários de assistência judiciária, em caso de reclamatória trabalhista, são devidos somente quando preenchidos os requisitos do art. 14 da Lei nº 5.584/70, a saber, declaração de pobreza ou percepção de salário inferior ao dobro do mínimo legal, e credencial sindical, pois o art. 133 da Constituição não revogou o jus postulandi das partes nesta Justiça Especializada.

Neste sentido, as Súmulas nºs 219 e 329 do Eg. TST, bem como a Orientação Jurisprudencial de nº 305 da SDI-I do mesmo Tribunal, que se adotam como razão de decidir.

No caso, o reclamante não preenche integralmente os aludidos requisitos legais, pois seus procuradores não se encontram credenciados pelo sindicato da categoria profissional respectiva, embora haja declaração de insuficiência econômica na fl. 17.

Assim, dá-se provimento ao recurso para excluir da condenação o pagamento de honorários advocatícios de 15% sobre o valor da condenação.

 

6. PREQUESTIONAMENTO.

 

Não se entende presente violação aos artigos apontados, admitindo-se como prequestionados, mesmo quando não foram expressamente mencionados no acórdão, a teor da Súmula 297 do TST.

 

 

Ante o exposto,

 

 

ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: preliminarmente, à unanimidade, rejeitar a prefacial de não conhecimento do recurso ordinário da reclamada suscitada em contrarrazões pelo reclamante.

No mérito, por maioria, vencido o Des. Ricardo Carvalho Fraga quanto aos honorários advocatícios, dar provimento parcial ao  recurso para: a) limitar a condenação ao pagamento da supressão parcial do intervalo intrajornada a partir de 01.04.2005 em três vezes por semana; b) autorizar o recolhimento das contribuições fiscais, em consonância com a Súmula n. 51 deste TRT; c) determinar que as contribuições previdenciárias sejam atualizadas pela taxa Selic, com incidência de juros e multa somente depois de decorrido o prazo do art. 43, §3º, da Lei nº 8.212/91; d) excluir da condenação o pagamento de honorários advocatícios de 15% sobre o valor da condenação.

Valor da condenação que permanece inalterado.

Intimem-se.

Porto Alegre, 19 de janeiro de 2011 (quarta-feira).

 

 JOÃO GHISLENI FILHO

Relator

 

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