PROCESSO: 0000016-38.2012.5.04.0020 RO
EMENTA
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DANOS
EXISTENCIAIS. EXCESSO DA JORNADA DE TRABALHO. DIREITO FUNDAMENTAL AO
LAZER. WMS SUPERMERCADOS DO BRASIL LTDA. O
abalo físico e psicológico causado pelo empregador ao submeter habitualmente
trabalhador à excessiva jornada de trabalho caracteriza dano moral.
Conduta patronal ilícita que viola direitos fundamentais constitucionais,
dentre os quais o direito ao lazer. Reparação por danos morais procedente.
ACÓRDÃO
preliminarmente, por unanimidade de
votos, não conhecer do recurso da reclamada, no item referente à rescisão
indireta, por ausência de ataque aos fundamentos da sentença. Por
unanimidade de votos, dar provimento parcial ao recurso ordinário da
reclamada para reduzir o percentual de honorários assistenciais a 15%
sobre o valor bruto da condenação. Valor da condenação inalterado.
RELATÓRIO
A reclamada recorre da decisão que julga procedente em parte a ação. Busca modificá-la no tocante à rescisão indireta, danos existenciais, horas extras, assistência judiciária gratuita e honorários assistenciais.
Não foram apresentadas contrarrazões.
VOTO RELATOR
DESEMBARGADOR CLÁUDIO ANTÔNIO
CASSOU BARBOSA:
I - PRELIMINARMENTE
NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DA RECLAMADA. AUSÊNCIA DE ATAQUE AOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA.
A reclamada não se conforma com o reconhecimento judicial da rescisão indireta como extinção do contrato de trabalho. Afirma que não houve nenhuma falta grave por parte do empregador, salientando que a autora jamais foi perseguida ou sofreu qualquer tipo de constrangimento no exercício de suas funções. Aduz que as testemunhas não confirmaram a tese da reclamante. Salienta que a autora laborou por mais de cinco anos nessas condições, tempo suficiente para que se operasse o perdão tácito.
O Juízo de origem acolheu o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho, consignando que: A jornada de trabalho excessiva a que a autora era submetida é fato suficiente para configurar a rescisão indireta do do contrato de trabalho, nos termos do art. 483, d, da CLT (fl. 60).
A tese recursal apresentada não apresenta nenhuma conexão com a demanda em análise. Em suas razões recursais, a reclamada defende-se de fatos dos quais não fora acusada, mormente quando afirma que jamais constrangeu ou perseguiu a autora. Cabe, por oportuno, ressaltar que a própria reclamante afirma em depoimento que não teve nenhum problema de relacionamento dentro da empresa (fl. 49).
A reclamante foi admitida, em 04 de abril de 2011, para exercer a função de Operadora de Caixa. O Juízo de primeiro grau concluiu pela rescisão indireta como causa de extinção do contrato de trabalho, tendo a reclamada procedido à baixa na CTPS da autora com a data de 29 de dezembro de 2011, pela projeção do aviso prévio (fl. 49). Alheia a esse fato, no entanto, a reclamada sustenta que a recorrida laborou por mais de cinco anos na empresa, tempo suficiente para que se operasse o perdão tácito (fl. 81-v).
Salienta também que a prova testemunhal não corrobora a tese obreira; entretanto, registro que não houve produção de prova testemunhal.
Considerando a fundamentação adotada na decisão de origem, o recurso ordinário não apresenta qualquer argumento contrário ao que foi decidido em primeiro grau, apresentando alegações estranhas ao fundamento do julgado.
Nesse sentido, adota-se, de forma análoga, o entendimento contido na Súmula nº 422 do TST, nos seguintes termos:
RECURSO. APELO QUE NÃO ATACA OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. NÃO CONHECIMENTO. ART. 514, II, do CPC. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 90 da SDI-II - Res. 137/2005 - DJ 22.08.2005) Não se conhece de recurso para o TST, pela ausência do requisito de admissibilidade inscrito no art. 514, II, do CPC, quando as razões do recorrente não impugnam os fundamentos da decisão recorrida, nos termos em que fora proposta.
Assim sendo, não se conhece do recurso da reclamada no item, por ausência de impugnação aos fundamentos da decisão recorrida.
II - MÉRITO
1. HORAS EXTRAS
A reclamada insurge-se contra decisão que o condena ao pagamento de horas extras em razão da não exibição dos registros de horário, argumentando que, na forma do inciso I do art. 333 do CPC, cabia à reclamante o ônus da prova do trabalho extraordinário. Salienta que não há nos autos nenhum elemento que possa indicar incorreção nas anotações das jornadas de trabalho. Entende que, em atenção ao princípio da primazia da realidade, deve ser autorizada a juntada nos cartões-ponto na fase de liquidação. Aduz que a manutenção da decisão recorrida enseja o enriquecimento ilícito da autora. Por fim, afirma que a ausência de determinação para a juntada dos cartões-ponto constitui óbice à presunção realizada pelo Juízo de origem.
De início, registro que apesar de consignar na contestação que os cartões de horário foram fielmente registrados e que acompanhariam a peça de defesa, a reclamada deixou de apresentá-los.
Diversamente do que alega a reclamada, tendo em vista que a empresa conta, notadamente, com um número bastante elevado de empregados, era seu o ônus de trazer aos autos os registros, conforme dispõe o art. 74, § 2º da CLT.
A esse respeito a Súmula nº 338, I do TST, ainda dispõe que:
É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário.
Nesse contexto, o Juízo de origem arbitrou a jornada de trabalho da reclamante da seguinte forma: de segunda a sábado, das 11h às 23h40min, com uma hora de intervalo.
Não tendo a reclamada apresentados os registros de horário, tampouco produzido prova capaz de elidir a presunção relativa de veracidade da jornada indicada na inicial, tenho por acertada a decisão recorrida.
Por fim, é na fase de conhecimento que as provas são produzidas, motivo por que entendo descabida a pretensão da recorrente de apresentá-los na fase de liquidação de sentença.
Nego provimento.
2. DANOS EXISTENCIAIS
A reclamada não se conforma com a condenação ao pagamento de danos existenciais em virtude da jornada excessiva, arbitrados na origem em R$30.000,00. Alega que a autora sempre foi recompensada pelo seu trabalho, recebia altos salários e determinava seus próprios horários, folgas, etc. Afirma que as horas extraordinárias geram somente o direito ao adicional e que em momento algum a empresa exigiu da reclamante jornadas extenuantes. Sustenta que cabia à autora o ônus de provar tais acontecimentos e que não foi ouvida nenhuma testemunha que confirmasse esses supostos infortúnios. Aponta para o fato de que a empresa disponibiliza o uso de programas que visam ao bom relacionamento: "Política de Portas Abertas" e "Política de Respeito ao Indivíduo", por meio dos quais os empregados insatisfeitos podem fazer reclamações sem que haja a necessidade de identificação e que em nenhum momento a reclamante assevera ter feito uso de tais programas, evidenciando assim que sua insatisfação possui nítido caráter pecuniário. Salienta que a indenização por dano moral deve ter fundamento sólido e ser cabalmente comprovado, o que não ocorreu no caso em tela. Sucessivamente, requer a redução do valor da indenização, tendo em vista que este deve ser proporcional ao dano causado. Por fim, alega violação ao a regra do inciso V do art. 5º da Constituição Federal.
A responsabilidade civil será imputada quando configurada a hipótese do art. 927 do Código Civil: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
A indenização por dano moral, especificamente, decorre da lesão sofrida pela pessoa, em sua esfera de valores eminentemente ideais, como a dignidade, a honra, a imagem e a intimidade, conforme preceitua o art. 5º, X, da Constituição Federal.
Na forma do disposto nos arts. 818 da CLT e 333 do CPC, cabe à parte reclamante comprovar os fatos que teriam causado abalo de natureza subjetiva.
A reclamante foi admitida, em 04 de abril de 2011, para exercer a função de Operadora de Caixa. O Juízo de primeiro grau concluiu pela rescisão indireta como causa de extinção do contrato de trabalho, tendo a reclamada procedido à baixa na CTPS da autora com a data de 29 de dezembro de 2011, pela projeção do aviso prévio (fl. 49).
A reclamada deixou de apresentar os registros de horário, motivo por que se presume verdadeira a jornada alegada pela autora na inicial, ou seja, de segunda a sábado, das 11h às 23h40min, com uma hora de intervalo, conforme Súmula nº 338, I do TST (fl. 59-v).
O art. 7º, inciso XIII da CF, assegura ao trabalhador uma jornada máxima de 8 horas diárias e quarenta e quatro semanais: entretanto, o que se verifica, no caso em exame, é que a reclamada desrespeita, de maneira acintosa, essa norma, transformando o extraordinário em ordinário. Dessa forma, evidente que a prática lesiva aos valores sociais do trabalho, acaba interferindo de maneira negativa na esfera existencial do empregado.
Incontroverso que a extensa jornada de trabalho a que estava submetida a autora é prejudicial à saúde. A situação causa inegável constrangimento social e abalo psicológico à pessoa do trabalhador, decorrente do estresse físico e emocional, pois prejudicado no exercício de direitos fundamentais. A conduta ilícita do empregador, ao desrespeitar o exercício de direitos assegurados pela Constituição Federal, em seu Capítulo II, DOS DIREITOS SOCIAIS, art. 6º, notadamente o direito à saúde e ao lazer, autoriza o deferimento de indenização compensatória.
Ressalto que, ao poder de comando ou poder diretivo do empregador, contrapõem-se limites traçados pelo ordenamento jurídico, de modo a impedir contornos de arbitrariedade patronal. Vale dizer que qualquer empreendimento ou organização empresarial deve respeitar as condições mínimas de proteção ao trabalhador, sob pena de configurar abuso de direito. Assim, os direitos fundamentais servem como um parâmetro e um balizador na preservação do princípio da igualdade face aos atos discriminatórios. Nesta linha, a exigência de jornadas extremas a um determinado grupo de trabalhadores reveste-se de brutal ato discriminatório em relação ao restante da coletividade, que exerce suas atividades laborais dentro dos limites aceitáveis como razoável e justo.
Trata-se de matéria que recebe atenção especial dos operadores do Direito. No âmbito deste Tribunal, destaco notável acórdão da lavra do Des. José Felipe Ledur ao assim ementar:
DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTRA EXCEDENTE DO LIMITE LEGAL DE TOLERÂNCIA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. O dano existencial é uma espécie de dano imaterial, mediante o qual, no caso das relações de trabalho, o trabalhador sofre danos/limitações em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo tomador do trabalho. Havendo a prestação habitual de trabalho em jornadas extras excedentes do limite legal relativo à quantidade de horas extras, resta configurado dano à existência, dada a violação de direitos fundamentais do trabalho que traduzem decisão jurídico-objetiva de valor de nossa Constituição. Do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana decorre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador, do qual constitui projeção o direito ao desenvolvimento profissional, situação que exige condições dignas de trabalho e observância dos direitos fundamentais também pelos empregadores (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Recurso provido. (TRT da 4ª Região, 1ª. Turma, 0001137-93.2010.5.04.0013 RO, em 16/05/2012, Desembargador José Felipe Ledur - Relator. Participaram do julgamento: Desembargadora Iris Lima de Moraes, Juiz Convocado José Cesário Figueiredo Teixeira)
A matéria aqui debatida, relativamente ao dano existencial por prática abusiva do empregador que atenta contra direito fundamental do empregado, vem ganhando destaque também em outras Regiões, como no artigo do Juiz da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara (SP), José Antônio R. de Oliveira Silva:
[...]
De fato, o direito à saúde do trabalhador, como espécie da saúde em geral, é um direito humano. Por isso, é um direito inalienável, imprescritível e irrenunciável. É um direito natural de todos os trabalhadores, em todos os tempos e lugares, ainda que sua positivação tenha ocorrido tardiamente. Se a saúde do trabalhador é algo inerente a ele, imanente, em respeito a sua dignidade essencial, inclusive para uma boa prestação de serviços ao empregador, trata-se de um direito natural, pois intrínseco à conformação de sua personalidade e de seu desenvolvimento como pessoa. É um direito imprescindível para o trabalhador. Essa é, portanto, sua natureza jurídica: trata-se de um direito humano, fundamental ou não, ou seja, positivado nas constituições de cada país ou não, não havendo qualquer necessidade de outras adjetivações. De modo que assim se insere no continente maior dos direitos humanos, como conteúdo deles, vale dizer, como um dos valores fundamentais do sistema jurídico, sem o qual a dignidade da pessoa humana estará seriamente ameaçada. [...] (Revista LTr, 76-10, outubro de 2012/1189).
Com profundidade e extrema preocupação, a questão aqui examinada é abordada pelos colegas Altamiro Borges e Antônia Mara Vieira Loguercio - na obra Questões Polêmicas sobre a Jornada de Trabalho (NOTADEZ HS EDITORA, p. 47). Os autores examinam o tema da jornada de trabalho sob o enfoque da necessidade de uma limitação de carga horária para permitir ao trabalhador viver em comunidade. Neste aspecto, fazem a citação da assertiva de Marx, que enfrentou o estudo do desequilíbrio entre a força do capital e o trabalho: Mas, em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por trabalho excedente, viola o capital os limites extremos, físicos e morais, da jornada de trabalho. Usurpa o tempo que deve pertencer ao crescimento, ao desenvolvimento, e à saúde do corpo. Rouba o tempo necessário para se respirar ar puro e absorver a luz do sol.
De extrema relevância, ainda, destaco artigo escrito por Rodrigo Maia Santos, Advogado Baiano, com o título - "O Excesso de Jornada como Ofensa ao Direito ao Lazer". Ressalta o direito ao lazer como um direito humano fundamental, assegurado constitucionalmente (art. 6º), que afeta diretamente a relação de trabalho. Assim, a prorrogação excessiva da jornada de trabalho justifica a indenização compensatória pelo dano causado. Conclui, no artigo, tratar-se de desrespeito aos limites previstos no ordenamento jurídico, de ato ilícito, por ser excessiva a extrapolação.
Reputo interessante acrescentar estudo consignado na obra escrita por Irany Ferrari e Melchíades Rodrigues Martins, Dano Moral. Múltiplos Aspectos nas Relações de Trabalho (4ª ed., LTr 75, p. 641), relativamente ao dano moral e ao poder diretivo do empregador. Referidos autores evidenciam que o princípio da proporcionalidade atua como uma espécie de freio a certas prerrogativas do empregador em seu poder diretivo. Destaco significativa reflexão sobre o tema:
[...] A verdade é que o trabalho deve ser sempre desenvolvido em ambiente onde impere o respeito entre as partes envolvidas, objetivando-se bem-estar do indivíduo sem violar os valores humanos do trabalho digno. Neste contexto, não podemos deixar consignar as palavras de Rúbia Zanotelli de Alvarenga para quem "é para o bem-estar do ser humano que o trabalho se direciona. É para garantir seu estado de bem viver, condignamente, com o resultado moral de poder assegurar a si e a sua família o sustento, a saúde, o lazer e o progresso material e espiritual contínuo e crescente, a que deve voltar-se o emprego. Isso é sinônimo de justiça social. Os meios de produção voltados para o desenvolvimento econômico somente se justificam se forem respeitados os valores humanos do trabalho digno (O Direito do Trabalho como Dimensão dos Direitos Humanos, setembro/2009, LTr, SP, p.171)". [...]
Ademais, ressalto que a reclamada em questão, a WMS SUPERMERCADOS DO BRASIL LTDA., é contumaz em descumprir as obrigações trabalhistas, possuindo contra si um sem-número de processos trabalhistas nos quais há discussão acerca da jornada excessiva a que submetem seus empregados, em total desrespeito aos direitos mínimos previstos na Constituição Federal.
Nesse sentido, relevante consignar os bem lançados fundamentos da Juíza Valdete Souto Severo, em decisão contra a aludida reclamada (processo nº 0000488-84.2012.5.04.0005). Reflete estudo abrangente que, de forma certeira, ilustra os ardis empresariais a que lança mão a ora reclamada:
[...]
Note-se: o reclamante passa a maioria absoluta de seu tempo no ambiente de trabalho. Tinha de estar lá às 6h e saía às 22h, o que certamente o impedia de acompanhar programas na TV, fazer caminhadas, levar seus filhos para passear, estudar, entre tantas outras atividades de lazer, indispensáveis para que se tenha uma vida suficientemente boa.
Observo que o tema do direito ao lazer e, por consequência, à reparação por sua perda, resolve-se no âmbito do direito fundamental à preservação da saúde do trabalhador, garantido como direito social fundamental no art. 6º e expresso em vários incisos do artigo 7º da Constituição. O direito a não-pensar no trabalho, a não resolver problema algum, nas horas ditas de folga. O direito a passear, a acompanhar o crescimento dos filhos, a namorar, ir ao cinema, divertir-se, e mesmo o direito a consumir. Tudo isso é drasticamente afetado quando o empregado passa praticamente todo o seu tempo acordado dentro do ambiente de trabalho.
[...] Por fim, a carta constitucional protege a família e estabelece seja sua obrigação contribuir para a educação. Ora, se um genitor precisar estar no trabalho, das 6h às 22h, fato que importa sair de casa muitas vezes antes das 5h e retornar quase a meia-noite, não há dúvida de que estará impedido de exercer seu dever constitucional de zelar e contribuir para a educação dos filhos. Os efeitos sociais nocivos de uma tal exploração do tempo de vida do trabalhador é, pois, evidente.
[...] Em inúmeras demandas a reclamada, empresa multinacional de grande porte, já foi condenada pela cobrança de horário absolutamente inconstitucional, de seus empregados, bem como por sequer manter registro escrito da jornada, como determina o art. 74 da CLT. Este juízo, inclusive, já entendeu por bem condenar a WMS pela prática de dumping social, nos autos do processo n. 0001263-70.2010.5.04.0005, ao argumento de que "A reclamada WMS Supermercados do Brasil S/A está todos os dias no foro trabalhista de Porto Alegre, respondendo a demandas que, na maioria absoluta das vezes, revelam não-pagamento da jornada extraordinária aos seus empregados. Em processo recentemente instruído por esta julgadora, tombado sob o número 0000869-63.2010.5.04.0005, a alegação da empresa é de que a exploração de mão de obra sem qualquer contraprestação se dava em função do cargo de confiança de "encarregado de seção de restaurante/lancheria" (!). No processo 0000337-89.201.5.04.0005 e no processo 01097-2009-005-04-00-4, o não-pagamento da jornada extraordinária se deu em função do exercício da atividade de "chefe de setor" (!). No processo 01134-2009-005-04-00-4, a reclamada dispensou, sob alegação de justa causa não-comprovada e sem o pagamento sequer das verbas devidas independentemente da causa de saída, empregada gestante. No processo 00851-2009-005-04-00-9, a empresa trouxe testemunha que confirmou retaliações praticadas contra membro da CIPA, com o intuito de forçar a extinção do contrato. Nos processos n. 00485-2009-005-04-00-8, 00980-2008-005-04-00-6 (trabalhador doente) e 01185-2008-005-04-00-5, também houve alegação de justa causa sem prova robusta. No processo 00189-2006-005-04-00-4, a representante do sindicato profissional confirma em juízo haver a reclamante sido coagida a assinar pedido de demissão, quando estava grávida. No processo 01152-2006-005-04-00-3, em que evidenciada a exploração de mão de obra sem registro do contrato de trabalho, o presentante da ré admite que "os encarregados de segurança das lojas da reclamada são pessoas contratadas como empregados" e que há duas "modalidades" de agentes de segurança, os empregados e os policiais militares, como se a ré detivesse a prerrogativa especial de se utilizar da segurança pública do Estado, para benefício próprio, mediante pagamento de valores que apenas contra-prestam o dia trabalhado, em subversão a todos os dispositivos contidos nas normas de direito do trabalho". Tratam-se apenas dos feitos instruídos por esta julgadora. Em Porto Alegre, são 293 processos cadastrados apenas na quinta vara, e 7.796 no total. Trata-se de número expressivo a revelar, como se denota pelos exemplos referidos acima, a exploração de força de trabalho em desrespeito aos direitos trabalhistas mínimos previstos na Constituição, como forma de promover concorrência desleal. A reclamada, uma das maiores redes de supermercado do mundo, aufere lucros bilionários, mas não respeita o direito dos trabalhadores que tornam viável seu empreendimento. E utiliza a Justiça do Trabalho como um "bom negócio", pois o expressivo número de demandas antes referidas certamente não reflete a integralidade dos trabalhadores cujos direitos foram violados. É de conhecimento geral que nem todos os trabalhadores ingressam com demandas trabalhistas, o que faz perceber o tamanho da lesão social perpetrada pela WMS.
[...] A dimensão coletiva dessa atitude flagrantemente danosa é evidenciada aqui, apenas para que se tenha uma noção do que está ocorrendo na realidade da nossa sociedade: estamos diante de uma empresa que opta deliberadamente por desrespeitar direitos trabalhistas, e o faz sem preocupação alguma com os seres humanos que envolve em seu empreendimento e que, em última instância, são a razão de seu sucesso empresarial. Trata-se de prática predatória, social e individualmente nociva, que precisa ser coibida.
A prova de que a condenação ao pagamento das horas extras, por si só, não tem o condão de repor o dano e, muito menos, de imprimir o necessário caráter pedagógico ao processo, evitando que a WMS continue a praticar o mal social, está no número de demandas contra ela ajuizadas, que não pára de crescer.
Dizer que a condenação ao pagamento das horas extras é suficiente para reparar a perda de tempo de vida e convívio social experimentada pelo trabalhador é, pois, negar a realidade, chancelando uma prática contumaz de capitalismo predatório, que não serve às pessoas nem ao sistema.
A confirmar o menoscabo e desdém à integridade física e mental dos trabalhadores, assento a risível e intolerável argumentação recursal ao defender que a autora, Operadora de Caixa, a despeito de ter recebido, no mês de junho de 2011 a importância líquida de R$ 567,00, não faz jus ao dano existencial na medida em que sempre foi recompensada pelo seu trabalho na empresa, recebia salários altos pelos seus serviços, bem como determinava seus próprios horários (fl. 81-v, grifei).
Evidenciado o nexo de causalidade entre o dano e a conduta da reclamada, a ilegalidade decorre da exigência de jornada de trabalho excessiva no período de abril de 2011 a dezembro de 2011, quando a reclamante laborava em jornada de mais de 11 horas diárias, em flagrante e acintoso desrespeito às normas trabalhistas. Presentes, portanto, os pressupostos necessários à responsabilização da reclamada faz jus a reclamante ao pagamento da indenização pretendida, conforme determinado pelo Juízo de origem, inclusive quanto ao montante indenizatório. De acordo com a sentença:
A mera condenação ao pagamento das horas extras, além de não reparar o dano extrapatrimonial sofrido, não contém, ainda, o necessário caráter pedagógico que a indenização aqui deferida deve conter, a fim de evitar que a WMS continue a praticar a conduta que, além de ilícita por desrespeitar o direito individual do trabalhador configura um mal social e uma prática predatória ao próprio sistema capitalista, por configurar concorrência desleal em relação aos demais empregadores que respeitam os direitos fundamentais de seus trabalhadores, podendo ser caracterizado, inclusive, como dumping social (fl. 61-62).
Certo é que na fixação do quantum pode o Julgador considerar, entre outros, aspectos relacionados à intensidade da culpa, à relevância do bem jurídico protegido, ao grau de sofrimento de um homem médio em relação ao dano, aos reflexos do prejuízo na vida pessoal e social do lesado, bem como à situação econômica e social das partes envolvidas. O importante é a busca de uma forma equitativa para o cumprimento dessa tarefa. O Juiz tem o livre arbítrio de analisar as circunstâncias do caso de acordo com sua sensibilidade, bom senso e as máximas de experiência, expondo, enfim, o que entende como justo e razoável para compensar o prejuízo sofrido e reprimir a prática do ilícito.
O valor de R$30.000,00 arbitrado pelo Juízo de origem atende adequadamente à lesão perpetrada pela reclamada, no caso concreto, razão pela qual se confirma integralmente a sentença recorrida.
Por fim, registro que a presente decisão não viola qualquer norma constitucional ou infraconstitucional.
3. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS
Investe a reclamada contra a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita e deferimento de honorários assistenciais. Alega que os requisitos exigidos em lei não foram preenchidos em sua totalidade, o que, obrigatoriamente, implica no indeferimento de tal benefício. Afirma que a autora deveria vir representada por advogado legalmente credenciado pelo sindicato da categoria profissional e comprovadamente não ter condições de arcar com as despesas processuais. Sucessivamente, requer a limitação dos honorários em 10% sobre o valor líquido apurado.
Na esteira do previsto no art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, é aplicável à questão o disposto na Lei nº 1.060/50, que assegura o acesso dos necessitados ao Judiciário sem qualquer ônus, inclusive dispensando-os do pagamento de custas, honorários assistenciais e qualquer outra despesa processual. Basta para tanto a declaração da situação econômica que não permita sejam as despesas arcadas sem prejuízo do sustento próprio ou da família (art. 2º, parágrafo único, c/c o art. 11).
Da mesma forma, a condenação ao pagamento da verba honorária decorre do previsto na Lei nº 5.584/70 e no diploma processual civil, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho. Todo o cidadão trabalhador tem o direito de acessar a Justiça, independentemente de o seu advogado possuir credencial sindical. A assistência judiciária é um direito assegurado constitucionalmente, sendo este um dever do Estado. Por esta razão, resta superada a norma legal que exigia a apresentação da credencial sindical para a concessão da assistência judiciária na Justiça do Trabalho.
Declarada nos autos a condição de insuficiência econômica (fl. 14), faz jus a parte reclamante ao pagamento de honorários assistenciais.
Não adoto, portanto, as orientações insertas nas Súmulas nºs 219 e 329 do TST, bem como na O.J. nº 305 da SDI-I do TST.
Quanto ao percentual arbitrado a título de honorários, destaco que nesta Justiça Especializada são fixados usualmente em 15% sobre o valor da causa.
Dessa forma, dou provimento parcial ao recurso da reclamada para reduzir o percentual dos honorários advocatícios a 15% sobre o valor bruto da condenação.