(parte 1)
As
objeções neoliberais às políticas de direitos humanos
Luiz
Alberto de Vargas
Conforme Norberto Bobbio,
"todos os problemas de nosso tempo podem ser resumidos a apenas um, qual
seja, a luta pelo reconhecimento e pelo respeito aos direitos do homem"
Em uma trajetória evolutiva,
a afirmação internacional dos direitos humanos através de sua positivação, se
faz através de sua constitucionalização - hoje praticamente universal - e pela
sua consagração em tratados internacionais. Por outro lado, tudo que se projeta
de forma progressiva encontra - até por um princípio físico - resistências. Por
sua natureza intrinsecamente progressista os direitos humanos sempre foram
combatidos, teórica e politicamente pelos setores conservadores, especialmente
pelas objeções repetidas pelo pensamento neoliberal.
a primeira objeção é a da
própria impossibilidade de dar-se um conteúdo real à idéia de direitos do
homem. Tal idéia não fez grande sucesso, nem tem grande futuro nos dias de
hoje. Em primeiro lugar, porque se consolidou a noção de que todos os homens,
independentemente de credo, nacionalidade ou raça, fazem parte da humanidade e
compartilham um futuro comum. Assim, faz sentido que se assegure a todo homem,
como faz a Declaração de Direitos do Homem, um conjunto de direitos pela sua
simples condição de humano.
Por outro lado, é de notar
que tal idéia de negar-se uma identidade comum a todos os homens, separando-os
por nacionalidade ou raça, se choca frontalmente com o próprio processo de
internacionalização, o que evidencia que se trata de uma noção
irremediavelmente superada.
- a segunda objeção é mais
elaborada e, talvez, seja a mais persistente. Diz respeito ao caráter
pretensamente abstrato dos direitos humanos e, assim, a enorme dificuldade de
sua positivação e - quando isso ocorre - a virtual impossibilidade de sua
concreção. Assim, os direitos fundamentais estariam fadados a serem meras
declarações de boas intenções que, quando transformadas em normas constitucionais,
não passariam de normas programáticas. Tal impugnação à efetividade dos
direitos fundamentais se volta especialmente
contra os chamados direitos econômicos e sociais que, por exigirem
prestações efetivas do Estado em favor do cidadão, demandam recursos públicos.
Como os recursos são, por definição, escassos e compete o seu gerenciamento aos
governos, entendem os liberais que estes não podem ser compelidos a efetivar
tais direitos. Os direitos econômicos e sociais passam a depender, assim, dos
critérios de conveniência e oportunidade dos governos, numa chamada
"reserva do possível". Em
realidade, tal argumentação teórica se destina a encobrir a opção política pelo
abandono dos compromissos sociais previstos constitucionalmente, enquanto que,
no plano internacional, representam o "ponto morto" que se encontram
os organismos internacionais na efetiva promoção dos direitos econômicos e
sociais.
Finalmente, chegamos as mais
recentes objeções liberais, mais propriamente ã objeção neoliberal, cujo
exponte maior é Friedrich Hayek.
Em sua fundamentada teoria
Hayek, como todo liberal, desconfia da bondade intrínsica do indivíduo e tem
uma visão pessimista do ser humano. Acredita, sim, na virtude da evolução que, independentemente da vontade do
homem, faz que este e as instituições que cria ajam de forma virtuosa, quando o
próprio homem não é virtuoso. Assim, por exemplo, o homem é egoísta, mas o
mercado (que é resultado da ação dos egoístas) não é egoísta, mas objetivamente
virtuoso. Assim, a evolução faz que todos ajam da melhor forma possível, de
acordo com uma lógica própria (não diria divina, mas pelo menos transcendente)
determinada pelo próprio processo evolutivo (racionalismo evolutivo).
Assim, as instituições
humanas passam a ser instituições naturais (e não artificiais, ou seja,
deliberadamente construídas e dirigidas pelo homem). O homem passa a ser não
mais responsável pelo produto social das ações das instituições que criou, mas
que objetivamente não comanda. Cria-se, assim, a irresponsabilidade social e se
justifica o mais desbordado individualismo.
A mais importante
instituição é o mercado, que age de acordo com uma ordem natural, que nâo pode
ser perturbada pela ação do Estado - que apenas seria um fator de distorção
dessa ordem natural, em si mesmo e espontaneamente, equilibrada - e, portanto,
intrinsecamente justa.
Dentro de tal pensamento, a
justiça social é uma falácia perigosa,
que conduz à opressão do indivíduo e ao totalitarismo.
É importante, aqui, repassar
o pensamento de Hayek, porque exatamente esta é a base da opção política
desencadeada por governos conservadores (Tatcher, Reagan), nos anos 70/80, que
explica, politicamente, a globalização conservadora que vivemos.