DISSÍDIO
COLETIVO
(por Ricardo Carvalho Fraga e Luiz
Alberto de Vargas)
Criado nas décadas de 30 e 40, o
dissídio coletivo foi mantido pela Constituição de 1988 (art. 114, parágrafo
2º), sendo recepcionado todo o Capítulo IV da CLT (artigos 856 a 875).
Dissídio coletivo, conforme Maurício Godinho Delgado, é uma figura
“quase singular” ao Direito Brasileiro, nos dias atuais, pois representa uma
fórmula judicial de solução de conflitos
coletivos trabalhistas que já não mais se encontra na legislação comparada.
Para o mencionado autor, dissídio
coletivo é “a atribuição constitucional deferida ao Poder Judiciário de fixar
regras jurídicas no âmbito das relações laborais”. Tais regras são gerais,
abstratas, impessoais, obrigatórias e resultam de um único e específico
processo posto a exame do tribunal trabalhista, algo que, de alguma forma, o
aproxima do exercício de uma função típica e tradicional do Poder Legislativo.
A indeterminação dos sujeitos é traço
fundamental do dissídio coletivo. Não se confunde dissídio coletivo com
dissídio individual plúrimo. No dissídio coletivo
estão em jogo interesses abstratos de um grupo social
ou de uma categoria, ao passo que, nos dissídios individuais plúrimos, o Judiciário aprecia os interesses concretos de
indivíduos determinados. No dissídio coletivo, as decisões se aplicam a pessoas
indeterminadas que pertençam ou vem a pertencer à uma
determinada coletividade, ao passo que, nos dissídios individuais, as decisões
se aplicam a um soma determinada de indivíduos.
Por outro lado, no dissídio coletivo, há
reivindicações de criação de novas condições de trabalho (de natureza
econômica) ou pedido de interpretação de norma pré-existente em benefício de sua
maior efetividade (de natureza jurídica), ao passo que, nos dissídios individuais,
pretende-se tão-somente a aplicação de normas já existentes.
Os dissídios coletivos dividem-se por
sua natureza (econômica ou jurídica), existindo, ainda, o dissídio coletivo de
greve.
Nos
dissídios coletivos de natureza econômica, a atuação da Justiça
do Trabalho ocorre somente após o fracasso da negociação coletiva e na recusa à
arbitragem, quando esta decidirá o conflitos,
respeitando as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as
convencionadas anteriormente. (art. 114 parágrafo 2º, CF). A jurisprudência do
TST prevê a extinção do processo, sem julgamento do mérito, se não ficar
comprovado o esgotamento das tentativas de negociação.
Podem ser originários (quando existirem
normas e condições em vigor decretadas em convenção, acordo ou sentença
normativa) ou de revisão (para rever condições já existentes).
O prazo para instauração de dissídio
coletivo de revisão é o de 60 (sessenta) dias antes do termo final do
instrumento revisando (art. 616, parágrafo 3º, CLT).
O conteúdo das sentenças normativas em
dissídios de natureza econômica (incluindo-se as sentenças que homologam
acordos a que chegaram as partes no curso do dissídio coletivo) pode ser muito
variado. Normalmente, as cláusulas
normativas estipulam direitos e deveres recíprocos entre as partes
envolvidas no conflito, tratando de reajustes salariais, majoração de
adicionais remuneratórios, horários de trabalho, estabilidades
provisórias, liberação de dirigentes
sindicais, entre muitos temas. Comumente, as cláusulas normativas estabelecem
contribuições em favor dos sindicatos a serem recolhidas por integrantes da
categoria profissional ou econômica. A jurisprudência do TST tem limitado a
abrangência dessas contribuições aos sindicalizados (Orientação Jurisprudencial
17 e Precedente Normativo 119, ambos da Seção Especializada de
Dissídios Coletivos do TST).
Em geral, tem
sido rejeitadas cláusulas que tratam de matéria previdenciária, entendendo os
Tribunais que a matéria já se encontra exaustivamente regulada em lei e por representar
um ônus excessivo para os empregadores.
A partir de nova redação do art. 114,
parágrafo 2º decorrente da Emenda Constitucional 45 de 2004 (Reforma do
Judiciário), reverteu-se certa tendência ao esvaziamento do Poder Normativo,
passando-se a entender que o Judiciário Trabalhista, no exercício do mesmo, ao
criar novas obrigações, não está mais restrito a atuar na “lacuna do texto
legal”, pois deverá respeitar as “disposições convencionais mínimas”, de
maneira que as cláusulas preexistentes pactuadas em convenções coletivas de
trabalho em acordos coletivos de trabalho ou contempladas em sentenças
normativas passam a constituir “um piso de conquista da categoria profissional
que balizam o julgamento do dissídio coletivo, a menos que, em face da dinâmica
da economia e da sociedade, resulte demonstrada a excessiva onerosidade ou
inadequação de determinada cláusula”. (TST.
Recurso Ordinário de Dissídio Coletivo nº 31.084/2002-900-03-00. Relator:
Ministro João Orestes Dalazen. Sessão Especializada em Dissídio Coletivo. DJ 17.10.2003).
As partes nos dissídios coletivos de
natureza econômica são as entidades sindicais envolvidas no conflito,
preferencialmente os Sindicatos, mas não apenas estes, como se poderia
depreender em uma leitura equivocado do art. 522, parágrafo 2º da CLT. Dependendo do âmbito da negociação ou no
desinteresse do Sindicato (art. 617 parágrafo 1º, CLT), também as Federações e
as Confederações estão legitimadas para o ajuizamento de dissídios coletivos de
natureza econômica (art. 857, parágrafo único, CLT). Por estarem excluídos do
direito à negociação coletiva, não tem direito os servidores públicos a ajuizar
dissídio coletivo. Da mesma forma, os trabalhadores domésticos, que não tiverem
o direito à contratação coletiva no art. 7, inciso XXVI da Constituição. Tampouco, os militares, que sequer possuem
direito à sindicalização (art.142, IV, CF).
As entidades sindicais atuam como
substitutos processuais das categorias, profissional e econômica, envolvidas.
Há, entretanto, autores que entendam que as partes são as próprias categorias
representadas pelas entidades sindicais.
Para atuar em juízo, imprescindível que
a entidade sindical comprove seu registro no órgão competente do Ministério do
Trabalho (Orientação Jurisprudencial 15 da Seção Especializada de Dissídios
Coletivos do TST). Assim, estão excluídas da legitimidade para ajuizar dissídio
coletivo as associações profissionais e de classe (ex. OAB).
É condição da ação judicial coletiva a
prévia e obrigatória tentativa de solução do conflito através de negociação
coletiva, sob pena de extinção do feito (Orientação
Normativa n. 29 da Sessão de Dissídios Coletivos do TST).
Os
dissídios coletivos de natureza jurídica visam à
interpretação de uma norma preexistente, legal, costumeira ou mesmo oriunda de
acordo, convenção ou dissídio coletivo. A sentença normativa em tais casos tem
natureza declaratória (art. 4º. CPC).
Entretanto, a norma em questão a ser
interpretada deve dizer respeito a interesse particularizado do suscitante, não
se admitindo dissídio coletivo de natureza jurídica para a interpretação de
“normas de caráter genérico” (Orientação Jurisprudencial 7 do TST). A exigência
de um “interesse particularizado” para o ajuizamento do dissídio leva a pensar
que, sob a ótica da Orientação Jurisprudencial 7 do
TST, este somente se legitima para a interpretação de normas coletivas
(cláusulas de sentenças normativas, acordos e convenções coletivas).
Nos dissídios coletivos de natureza
jurídica reconhece-se uma legitimidade mais ampla doque
a dos dissídios
de natureza econômica. Além dos já legitimados para suscitar dissídios
coletivos de natureza econômica, incluem-se os que estiveram representados por
seus entes superiores, os signatários de acordos e convenções coletivas, as
empresas atingidas pela norma e, nas causas em que estiver presente o interesse
público, também o Ministério Público.
O
ajuizamento de dissídio coletivo de natureza jurídica dispensa a realização de assembléia
geral da categoria que autorize tal ajuizamento, nem da tentativa de negociação
prévia, pelo que se depreende do cancelamento da Orientação Jurisprudencial 6
da SDC do TST em 10/8/2000.
A partir da nova redação do art. 114,
parágrafo, 2º da Constituição Federal, que menciona apenas o dissídio coletivo
de natureza econômica, levando-se em conta a natureza excepcional do Poder
Normativo e a notável ampliação das ações coletivas a partir da Constituição de
1988, pode-se questionar sobre a sobrevivência do dissídio coletivo de natureza
jurídica em nosso ordenamento. Parece inconsistente que típicas ações
declaratórias que versam sobre interesses coletivos tenham de ser propostas diretamente perante os Tribunais – e não
seguir a regra geral de competência, a do ajuizamento perante a primeira
instância.
Os
dissídios coletivos de greve ocorrem em meio ao fato
social da greve, ou seja, quando ocorre a suspensão coletiva do trabalho e são
propostos, em geral, pelos empregadores ou, pelo Ministério Público do
Trabalho. Em relação ao último, há menção expressa na Constituição
Federal, em caso de greve em atividade
essencial, com possibilidade de lesão do interesse público (art. 114, parágrafo
3º, com a nova redação dada pela Emenda Constitucional n. 45/2004). Quanto aos demais, a possibilidade de
instauração de instância está contida no art. 856 da CLT e no art. 8º da Lei
7783/89 (Lei de Greve) , porém é questionável a recepção dessas normas perante o regulação
aparentemente exaustiva contida no parágrafo 3º do art. 114 da Constituição
Federal. De todo modo, a partir da Lei 7783/89 e, principalmente, depois da Emenda
Constitucional n. 45, parece
fora de dúvidas de que se encontra revogada
a possibilidade contida no art.
856 da CLT , de que o próprio Presidente possa instaurar
instância em dissídio coletivo de greve.
Proposto o dissídio coletivo de greve, o
Tribunal apreciará eventual alegação de abuso do direito de greve, mas também
decidirá pela procedência, total ou parcial das reivindicações, cumprindo ao
Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão (art. 8º. Lei 7783/89).
Procedimento.
A competência originária para apreciação
de dissídios coletivos é dos Tribunais Regionais do Trabalho (Pleno ou Sessão
Especializada) quando a abrangência territorial do conflito não ultrapassa a
competência territorial do Tribunal Regional (arts.
677 e 678, I, “a”, CLT). Nos conflitos de abrangência interestadual ou
nacional, a competência é do Tribunal Superior do Trabalho (art. 702,”a” , CLT).
Por expressa previsão legal, nos casos
em que o dissídio envolva apenas a base territorial do Estado de São Paulo, mas
se estenda para além da jurisdição de um único Tribunal Regional do Trabalho
(no caso, o da 2a. e o da 15a.
Regiões), a competência não será do Tribunal Superior do Trabalho, mas sim do
Regional da 2a. Região.
O ajuizamento do dissídio coletivo
ocorre através de petição fundamentada dirigida ao Presidente do Tribunal,
acompanhada dos documentos imprescindíveis à instrução do feito (art. 858 da CLT)
e deve ser autorizado por assembléia geral da categoria. Esta assembléia geral
será convocada nos termos dos estatutos sindicais, com ampla divulgação e,
nela, a aprovação da autorização para ajuizamento deverá contar o voto, em uma
segunda convocação, de,
no mínimo, 2/3 dos presentes (art. 859, CLT, ).
Após o ajuizamento, o processo de
dissídio coletivo se desenvolve em diversas etapas: a primeira, destinada à
conciliação e instrução, se realiza através de uma audiência, presidida pelo
Presidente do Tribunal ou, por sua delegação, pelo Vice-Presidente, Magistrado
da Seção Especializada em Dissídios Coletivos ou,quando o dissídio for fora da
sede do Tribunal, por autoridade judiciária local (art. 866, CLT). Nessa
audiência, são colhidas informações das partes e são formuladas propostas de
conciliação. No caso de acordo, este é
levado à homologação pelo Pleno ou pela Seção Especializada em Dissídios
Coletivos.
Caso não haja acordo, em uma segunda
etapa, ocorrem diligências e é ouvida a Procuradoria do Trabalho. O
representante do Ministério Público poderá dar seu parecer, oral ou escrito. O não-comparecimento das partes à audiência não implica em
qualquer sanção. Por fim, o processo é levado a julgamento pelo Pleno ou pela
Seção Especializada do Tribunal (art. 864 CLT). Na sessão de julgamento, as
partes podem sustentar oralmente suas razões. O Relator resume o caso e
apresenta seu voto-proposta. Em seguida, o Revisor apresenta seu voto, bem como
os demais magistrados. Em se tratando de dissídio coletivo de natureza
econômica, as cláusulas do dissídio são votadas uma a uma. Da decisão do
Tribunal serão notificadas as partes ou seus representantes e, para ciência dos
demais interessados, far-se-á a publicação em jornal oficial (art. 867, CLT).
Sentenças
normativas são as decisões dos tribunais trabalhistas em que
são fixadas as novas normas e condições de trabalho que serão aplicáveis aos
contratos individuais de trabalho dos membros da categoria.
Quando figure como parte apenas uma
fração de empregados de uma empresa, poderá o Tribunal, na própria decisão,
estender tais condições de trabalho aos demais empregados da empresa que forem
da mesma profissão (art.868, CLT). . Tal providência será adotada pelo Tribunal
– quando entender justo e conveniente. A extensão
da sentença normativa também poderá ser feita a todos os integrantes da
categoria profissional compreendida na jurisdição do Tribunal. Nesse caso, alem
da providência “ex officio” pelo Tribunal é possível também
pela solicitação por um ou mais
empregadores (ou de qualquer sindicato destes, por um ou mais sindicatos de
empregados ou pelo Ministério Público do Trabalho. Em qualquer caso, deverá
haver a concordância de ¾ dos empregadores e de ¾ dos empregados ou respectivos
sindicatos. Ouvido o Ministério Público, a extensão da sentença normativa
ocorrerá em julgamento pelo Tribunal (art. 870, parágrafo 2º).
Decorridos mais de um ano de vigência da
sentença normativa, esta poderá ser objeto de revisão, em caso de modificação das circunstâncias que a criaram (cláusula rebus sic stantibus),
de modo que as condições de trabalho ali não se tornem, ao longo do tempo, injustas ou
inaplicáveis (art.873, CLT). Tal revisão
poderá ser promovida por próprio Tribunal, pelo Ministério Público do Trabalho
ou por interessados no cumprimento da decisão (associações sindicais ou
empregador ou empregadores).
O prazo de vigência da sentença
normativa será fixado pelo Tribunal, mas não poderá exceder a 4 (quatro) anos (art. 868, parágrafo único, CLT). O termo
inicial de tal prazo será a data da publicação do acórdão (quando não houver perda da data-base), do ajuizamento (se
não houver acordo, convenção ou sentença normativa em vigor) ou, nos demais casos, o dia imediato ao termo final de vigência da
normatividade revisanda.
A data-base é o dia em que o
acordo, convenção ou sentença normativa entre em vigor e serve como marco
temporal para período do ano em que
patrões e empregados se reúnem para sua repactuação. Havendo convenção, acordo
ou sentença normativa em vigor, para que não ocorra a perda da data-base (solução de
continuidade entre o fim de uma norma coletiva e o início da que a sucederia),
o dissídio coletivo revisional deverá ser proposto dentro dos 60(sessenta) dias
anteriores ao termo final, de modo que o novo instrumento possa ter vigência no
dia imediato a esse termo (art. 616, parágrafo 3º).
O recurso contra a sentença normativa
tem efeito meramente devolutivo, mas é possível o pedido de efeito suspensivo
ao TST por meio de ação cautelar (art. 14 da Lei 10.192/2001).
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Direito do Trabalho”, 3ª Ed., São Paulo, LTr,
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da Silva. “O Poder Normativo da Justiça do Trabalho pós-revogação da Instrução
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MASCARO. Amauri Mascaro Nascimento.
“Compêndio de Direito Sindical”, 6ª Ed. São Paulo, LTr, 2009.
Referências normativas:
art.
114 parágrafo 2º, CF
Capítulo IV da CLT (artigos 856 a 875).
art.
616, CLT
Lei 7783/89 (Lei de Greve)
Jurisprudência uniforme dos tribunais:
Orientações Jurisprudenciais 7, 15, 29, 32 e 34 da
Seção Especializada de Dissídios Coletivos do TST.
Precedente Normativo 119 da Seção
Especializada de Dissídios Coletivos do TST.
Casuística:
OJ-34 (SDC-TST) ACORDO EXTRAJUDICIAL. HOMOLOGAÇÃO.
JUSTIÇA DO TRABALHO. PRESCINDIBILIDADE. É desnecessária a homologação, por
Tribunal Trabalhista do acordo extrajudicialmente celebrado, sendo suficiente
para que surta efeitos, sua formalização perante o
Ministério do Trabalho.
PN-37 (SDC-TST) DISSÍDIO COLETIVO. FUNDAMENTAÇÃO DE
CLÁUSULAS. NECESSIDADE (positivo) Nos processos de dissídio coletivo só serão julgadas as cláusulas fundamentadas na representação,
em caso de ação originária, ou no recurso.
PN-82 (SDC-TST)
DISSÍDIO COLETIVO. GARANTIA DE SALÁRIOS E CONSECTÁRIOS
(positivo) Defere-se a garantia de salários e consectários ao empregado
despedido sem justa causa, desde a data do julgamento do dissídio coletivo até
90 dias após a publicação do acórdão, limitado o período total a 120 dias.