A NECESSIDADE DE REPENSAR OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
João Ghisleni Filho
Ricardo Carvalho Fraga
Flávia
Lorena Pacheco
Luiz Alberto de Vargas[1]
Os embargos de declaração – teoria e
prática.
Os embargos de declaração são criação lusitana[2],
cuja origem remonta às Ordenações Afonsinas, tendo ingressado na legislação
brasileira já em 1850, através do Decreto n. 737.[3]
Sempre mantendo o sentido original de sanar dúvidas, completar omissões, esclarecer obscuridades ou
de aclarar o autêntico alcance das decisões, os embargos de declaração,
no Direito nacional, atravessaram o século XX até sua última
regulação, ocorrida em 1974, plasmada nos artigos 535 a 538 do atual CPC.
Os embargos de declaração, conforme o art. 535, são cabíveis quando “houver obscuridade ou contradição” na
decisão judicial ou quando este tiver “omitido ponto sobre o qual devia
pronunciar-se o juiz ou tribunal”.
Assim, estes podem ser propostos para suprir omissões,
esclarecer obscuridades ou sanar contradições de qualquer tipo de decisão
judicial, inclusive a de tribunais superiores, independentemente se a decisão é
prolatada em processo de conhecimento, de
execução ou cautelar. Pacífico, hoje, o cabimento dos embargos de declaração
seja para esclarecer sentença, seja para acórdãos. Da mesma forma, cabem os
embargos em decisões definitivas, decisões interlocutórias e, mesmo, em
despachos de mero expediente.[4]
Também é possível à parte lançar mão dos embargos de
declaração para retificar erro material (ainda que, em relação a este, seja
possível a retificação a qualquer tempo ou, mesmo, de ofício pelo juiz.[5]
Controvertida a doutrina a respeito da natureza dos
embargos de declaração, há os que o classificam como mais uma forma de recurso, enquanto que outros o admitem apenas como uma
forma de correção. A grande maioria dos processualistas entende que os
embargos de declaração constituem uma espécie de recurso.[6]
Por todos, pode-se citar o Prof. Ovídio Batista
da Silva, que sustenta, em favor dessa tese, a inequívoca possibilidade
da decisão dos embargos de declaração ter efeitos infringentes, bem como pelo
fato de os embargos de declaração estarem expressamente previstos no capítulo
dos recursos do Código de Processo Civil.[7]
Tal discussão tem direta repercussão no acalorado debate
quanto ao caráter infringente, um dos aspectos mais controvertidos do tema dos
embargos de declaração. Embora longe de ser uma unanimidade, a maior parte da
doutrina e da jurisprudência admite que, em casos especiais e em caráter
excepcional[8],
os embargos possam alterar mesmo substancialmente a
coisa julgada em casos de “flagrante injustiça, não havendo outra via adequada
para repará-la”.[9]
Pode-se constatar a bem marcada intenção do legislador em
propiciar ao julgador, a pedido da parte, a possibilidade de alterar a decisão
prolatada pela própria redação do inciso II do art. 463 do CPC, quando a admite
por meio de embargos de declaração. Não se trata, portanto, de uma típica
retratação[10], mas de
uma abertura à alteração do julgado, em benefício do aperfeiçoamento da
prestação jurisdicional.[11]
Assim, admite-se um reexame da matéria em casos de erros
de fato ou contradições, mesmo em aspectos essenciais, sendo que, em casos de
omissão, na realidade estaremos mais propriamente diante de uma nova decisão –
e não de uma revisão da decisão anterior.[12]
Athos Gusmão Carneiro, no artigo Os embargos
de declaração e a Súmula 281 do supremo tribunal Federal, lembra, citando lição
de José Carlos Barbosa Moreira: “na hipótese de obscuridade, realmente, o que
faz o novo pronunciamento é só esclarecer o teor do primeiro, dando-lhe a
interpretação autêntica. Havendo contradição, ao adaptar
ou eliminar alguma das proposições constantes da parte decisória, já a nova
decisão altera, em certo aspecto, a anterior. E, quando se trata de suprir
omissão, não pode sofrer dúvida que a decisão que acolheu os embargos
inova abertamente: é claro, claríssimo que ela diz aí mais
que a outra, o que parecer mais exato é afirmar, como fazia o Código baiano
(art.1.314), que o provimento dos embargos se dá ‘sem outra mudança no
julgado’, além daquela consistente no esclarecimento, na solução da contradição
ou no suprimento da omissão (comentário ao CPC.11 ed.,
forense, n.304, p. 555-556)”. (grifos originais)
Portanto, em linhas gerais, temos um instituto processual
dos mais antigos, voltado à idéia fundamental de viabilizar, no momento mais
crucial do processo (o da decisão judicial), que esta possa ser a mais clara
possível, de forma que a justiça feita de maneira adequada.[13]
Os embargos de
declaração: de colaboração com a prestação jurisdicional a instrumento de abuso
do direito processual de ampla defesa.
Na medida em que as decisões judiciais se tornam mais
complexas, abordando assuntos cada vez mais diversos e especializados, aumentam
consideravelmente as possibilidades de erro na decisão judicial. Nesse sentido,
o instituto dos embargos de declaração viabiliza uma forma de verdadeira e utilíssima
colaboração das partes
por meio de seus advogados na construção de uma decisão judicial
mais clara e isenta de equívocos e contradições. No dizer do Ministro
Marco Aurélio Mendes de Faria Mello,
“Os embargos de declaração não
consubstanciam crítica ao ofício judicante, mas servem-lhe de aprimoramento. Ao
apreciá-los, o órgão deve fazê-lo com espírito de compreensão, atentando para o
fato de consubstanciarem verdadeira contribuição da parte em prol do devido
processo legal”.[14]
Tornam-se, os embargos de declaração também, uma forma de
democratizar o processo de produção da decisão judicial, além de aproximar mais
a decisão judicial do interesse concreto da parte, seja no esclarecimento dos
pontos da lide que a parte entende como relevantes, seja no uso de uma
linguagem mais apropriada ao entendimento das partes e da própria sociedade.
Tão nobres propósitos, entretanto, são, muitas vezes,
desvirtuados no cotidiano dos processos judiciais, de forma que os embargos de
declaração já pouco servem para o
aperfeiçoamento da prestação judicial, a ponto de que já se fala em sua simples
extinção por meio de alteração da norma processual.
Na prática, constata-se a utilização exacerbada dos
embargos de declaração pelas partes litigantes, seja para obtenção de uma
indevida ampliação do prazo recursal, seja como instrumento de
manifestação da inconformidade da parte com a decisão prolatada.
A seguir,
procuraremos melhor viabilizar formas verdadeiramente abusivas no manejo dos
embargos de declaração, iniciando um debate em torno de possíveis alterações
legislativas que possam repor este importante instrumento processual ao local
para o qual foi originalmente concebido pelos processualistas.
A desacertada mudança legislativa
Ainda que o uso dos embargos para ampliação do prazo
recursal não seja coisa recente, há de se reconhecer que tal utilização abusiva
aumentou significativamente a partir da equivocada mudança legislativa operada pela Lei n.
8950/94. Entre as modificações ocorridas,
destaca-se à relativa ao prazo para proposição de embargos de declaração, que
passou a ser, em todos os casos, de cinco dias, bem como a transformação
do mesmo de suspensivo para interruptivo. Assim, estabeleceu-se uma facilidade
excessiva para uma certa litigância emulativa, deslocada do interesse na busca da verdade, em
detrimento da celeridade processual. Pode-se mesmo dizer que, a partir de
então, abriram-se as portas para a utilização dos embargos de declaração para
ações oblíquas, destinadas à procrastinação do feito, ao tumulto processual ou
a simples manifestação de protesto contra uma decisão judicial desfavorável.[15]
Talvez legislador
pretendesse que haveria um contraponto a essa abertura aos
expedientes protelatórios através da multa prevista no artigo 538, parágrafo único
do CPC.
Se essa era a pretensão do legislador, certamente tal
desiderato não foi atingido.
Passados já dezesseis anos, constata-se
que, ainda com um expressivo incremento na aplicação das multas por parte dos
juízes, tal fato não importou em uma inibição da utilização indevida dos
embargos de declaração. Ao contrário, empiricamente, pode-se verificar um
aumento importante na proposição de embargos de declaração, a maior parte
julgada improcedente. Embora não se possa afirmar que sempre tais decisões judiciais
sejam corretas (pois, há casos, as instâncias superiores declaram que algumas
dessas decisões de improcedência configuram negativa de prestação
jurisdicional), pode-se afirmar, com segurança, que a maior parte dos embargos
de declaração são infrutíferos, já que não logram obter qualquer
esclarecimento adicional, nem suprir omissões ou corrigir supostas
contradições. São, em suma, um grave descuido com o passar do tempo e um
desperdício de recursos do Judiciário. Pode-se dizer, assim, que os embargos de
declaração tornaram-se, na prática, uma fase a mais no processo, passando de
instrumento excepcional destinado ao aperfeiçoamento da decisão em
expediente corriqueiro a disposição de profissional menos preocupados com a
celeridade ou, mesmo, interessados na protelação e/ou no tumulto processuais.
Chegou-se ao ponto de ser proposta, mesmo, a extinção dos embargos de
declaração, como medida de celeridade e economia processuais,[16]
Entretanto, pode-se
dizer, com inteira razão, que tal avalanche de procedimentos inúteis pode
justificar-se como um mal necessário, como única forma de se garantir a
possibilidade de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional pela correção de
defeitos na decisão judicial.
Cria-se, assim, um
dilema de difícil – talvez impossível – solução, ou seja, o da separação entre “joio” e “trigo”: como manter-se o instituto dos
embargos de declaração, criando-se um desincentivo suficiente para a inibição
de procedimentos protelatórios.
Apesar do empenho da
doutrina em procurar delimitar de forma precisa os contornos dos embargos de
declaração “potencialmente procedentes” (aquele que, efetivamente, representam
um anseio legítimo da parte em obter esclarecimentos adicionais do julgador – e , assim, constituem uma contribuição ao aperfeiçoamento da
prestação jurisdicional) dos que não são mais do que alegações pouca razoáveis de obscuridade,
omissão ou contradição (ante a clareza
da decisão), apresentadas com menor atenção à lealdade processual e que, muitas
vezes, não são mais do que tentativas explícitas de ganhar tempo, manifestar irresignação ou, mesmo,
de criar confusão quanto ao conteúdo do que foi decidido. A empreitada de discernir tais situações é
quase impossível, dado o alto grau de subjetivismo que envolve a questão. A decisão judicial é
obra humana e, como regra, sempre pode ser aperfeiçoada. Além disso, mesmo o
conceito de “perfeição” é subjetivo e, certamente, cada indivíduo tem uma visão
própria de quanto uma decisão judicial deve ser clara ou detalhada, sem que se
possa estabelecer um parâmetro seguro para a caracterização de omissões,
contradições ou obscuridades. Por fim, não se pode impunemente imputar à parte
um propósito oblíquo ou malicioso quando pretende apontar erros na decisão
judicial, ainda que se
possa desconfiar dos propósitos do embargante quando este
meramente repete argumentos já entendidos como superados pelo prolator da
decisão judicial, insiste numa
inviável reapreciação da prova dos autos
ou afirma existir erro onde não há mais do que o fundamento do decidido no
entendimento do prolator (ainda que contrariando a tese apresentada pela
parte).
Exatamente porque não
se pode claramente imputar má-fé à parte que, aparentemente, não leu
corretamente (ou leu incompletamente) a decisão judicial, a aplicação de multas
quase sempre resulta na desagradável sensação de que o julgador apreciou com
pouca benevolência a manifestação da parte (porque uma interpretação mais
benigna sempre é possível!) e, assim, a aplicação da multa quase sempre parece
exagerada.
Desse modo, a multa
prevista em lei mostra ineficaz exatamente porque não se pode, com convicção,
delimitar com eficiência os campos em que a parte age de boa ou má-fé na
proposição de embargos de declaração.
Ou, dizendo de outra maneira, pela impossibilidade de definir com
clareza situações de contradição, omissão ou obscuridade na decisão judicial.
Das dificuldades de discernir
entre situação de dúvida razoável e de manifesto intento procratinatório.
As hipóteses de
cabimento de embargos de declaração, a partir da alteração ocorrida pela Lei n. 8950/94,.são as de contradição, obscuridade ou omissão.
Corretamente não há mais falar em dúvida,
já que esta não é defeito que se pode imputar à decisão, mas justamente o
efeito causado por eventual falha na sentença.
A contradição
que a norma processual pretende sanar, conforme a doutrina, é
aquela que se estabelece entre “duas proposições inconciliáveis”[17],
ambas contidas na própria decisão.
Assim, pode haver conflito entre capítulos da decisão, entre a fundamentação e
o “decisum” ou,mesmo, entre
a ementa e o corpo da decisão. Não se
trata, portanto, na contradição que “no sentir da parte, resulta de incorreta
aplicação do direito à controvérsia ou a aplicação de normas que o embargante
entenda excluírem-se”.[18].
Sendo um “erro lógico”, não se confunde, portanto, como o “erro in judicando”. Da mesma forma, não há falar em contradição
passível de embargos de declaração se o vício apontado se reportar “a
antagonismo entre a prova dos autos e o desfecho atribuído à decisão ou a
interpretação conferida à texto legal”.[19]
Ou seja, trata-se de uma contradição suficientemente
grave para configurar uma razoável dúvida sobre o exato teor da decisão, que se
mostra ambígua, aparentemente acolhendo simultaneamente teses mutuamente excludentes.
Não se pode falar em “contradição inconciliável” quando, ao contrário, o
conflito não se estabelece objetivamente, mas tão-somente no entendimento
particular e subjetivo da parte, entre a tese acolhida pela decisão judicial e
os argumentos esgrimidos pela parte no processo.
Assim, somente se pode falar em contradição a ser
reparada pela via dos embargos de declaração quando esta se configura entre os termos contidos na própria decisão –
e não entre esta e outros elementos do processo ou fora dele.
A obscuridade
ocorre quando a decisão não logra deixar claro o exato teor da decisão.
Conforme José Frederico Marques, a obscuridade deve ser de tal forma que torna
o texto “ambíguo e de entendimento impossível”.[20]
Assim, a falta de clareza deve ser fator que compromete a perfeita
interpretação do real conteúdo da decisão, tornando insatisfatória a prestação
jurisdicional. Entretanto, não se verifica obscuridade sanável pela via dos
embargos de declaração quando não subsistem dúvidas razoáveis quanto ao que foi
decidido, mas mera insatisfação da parte quanto aos argumentos acolhidos na
fundamentação da sentença. Ou seja, quando a sentença é perfeitamente
compreensível, ainda que acolhendo fundamentos que a
parte entende que não sejam os mais corretos, não estará deixando de
“esclarecer o direito”, mas tão-somente adotando um entendimento que, na ótica
subjetiva da parte, não é o mais “iluminado” – e que, portanto, não é o que
melhor clarifica a relação jurídica examinada. Assim, ainda que a análise dos fatos
e do direito envolvido não atinja a “claridade” que a parte esperava, nem por
isso haverá de se entender que a decisão seja “obscura” ou
“pouco compreensível”.
Se
é
certo que a ambiguidade das palavras e expressões
seja bastante comum nos textos jurídicos - praticamente justificando qualquer
pedido de aclaramento-, não é raro que a dificuldade interpretativa resulte
muito mais na má-vontade do intérprete do que na imprecisão do texto
interpretado. Aqui, mais uma vez,
retornamos ao tema do subjetivismo, pois não será tarefa fácil declarar-se com
plena convicção que determinado texto não dá margem a interpretações diversas,
já que, no campo da razão argumentativa, não há falar em certezas absolutas.
A omissão a ser
sanada diz respeito à completude, ou seja, a decisão deveria se pronunciar
sobre determinado ponto, mas não o fez. Pode
ser algum ponto controvertido na lide suscitado pela parte ou, mesmo se não
suscitado, de conhecimento oficial do juiz. Trata-se de falha mais grave que pode ser
sanada pela via dos embargos de declaração, já que a decisão omissa configura
negativa de prestação jurisdicional.
Porém, do juiz não é exigido que examine todos os fundamentos das
partes, sendo importante apenas que indique somente o fundamento que apoiou sua
convicção ao prolatar sua decisão. Nada
mais afastado da intenção do legislador que admitir um questionamento ou mesmo
uma verdadeira “sabatina” a que deva se submeter o prolator da decisão, como
que compelido a justificar-se por ter adotado posição distinta daquela que a
parte pretendia.
Assim, não incorre na omissão “o julgador que eventualmente
silencia quanto ao exame de fundamentos lançados pelas partes que não sejam
suscetíveis de influir no resultado do julgamento”.[21] Na
prática, a própria conclusão de que determinado fundamento poderia ou não
influenciar no julgamento da lide é controvertida, porque se estará cogitando
dos efeitos de determinado argumento em uma ponderação de valores que ocorre no
íntimo do julgador – e, portanto, parece inescapável concluir que “qualquer
fundamento”, a priori, pode influenciar o julgamento da lide.
Há de citar-se, ainda, o erro material, que, na forma do art. 463
do CPC, podem ser corrigidos por meio de embargos de declaração ou, mesmo, de
ofício pelo juz. No mesmo sentido, os artigos 833 e
897. São erros materiais os erros evidentes, os enganos de escrita, de
datilografia ou de cálculo. Em geral, os embargos de declaração para
retificação de erro material são oferecidos na melhor forma de colaboração da
parte para a melhoria da prestação jurisdicional. Mas, não raro, também estes
podem ser objeto de ações oblíquas, como, por exemplo, a parte alega que
determinada afirmação feita pela sentença não corresponde à realidade e
pretende sua retificação, sustentando tratar-se de “erro material”.[22]
Dos
embargos de declaração como instrumento de prequestionamento.
Admite-se, também, os
embargos para fins de prequestionamento de matéria ou
questão invocada no recurso
e que não tenha sido objeto de pronunciamento pelo julgador. Entende-se que,
nesses casos, a ausência de um pronunciamento explícito do órgão julgador
inviabiliza a apreciação do recurso pelos tribunais superiores, Nesse sentido a
Súmula 297 do TST:
I Diz-se prequestionada a matéria ou questão quando na decisão impugnada
haja sido adotada, explicitamente, tese a respeito.
II- Incumbe à parte
interessada, desde que a matéria haja sido invocada no recurso principal, opor
embargos declaratórios objetivando o pronunciamento sobre o tema, sob pena de
preclusão.
III - Considera-se prequestionada
a questão jurídica invocada no recurso principal sobre o qual se omite o
Tribunal de pronunciar tese, não obstante opostos embargos de declaração.
(2003)
Tal Súmula explicita
melhor o conteúdo da a Súmula 356 do STF:
“O ponto omisso da
decisão sobre a qual não foram opostos embargos declaratórios não pode ser
objeto de recurso extraordinário por faltar o requisito do prequestionamento”.
A partir do
entendimento consagrado no item III da referida Súmula, divide-se a doutrina
quanto às conseqüências do não pronunciamento do órgão judicial embargado a
respeito da questão suscitada em embargos de declaração para fins de prequestionamento.[23] Para
uma das correntes, interpretando o afirmado no item III da Súmula n. 297, cabe
à parte apresentar preliminar de nulidade e cerceamento de defesa que deverá
ser acolhida pelo tribunal superior, que declarará a negativa de prestação
jurisdicional. Para outra corrente, tem-se
que, ainda que o juízo embargado não se manifeste sobre a questão invocada pela
parte embargante, tem-se a matéria como prequestionada,
não sendo o caso de declarar-se negativa de prestação jurisdicional. Assim, pode-se dizer que basta que a parte
utilize os embargos de declaração para suscitar ponto já invocado no recurso
para que, independentemente da decisão dos embargos, obtenha o efeito do prequestionamento e, portanto, o .tribunal
superior conhecerá da matéria sem necessidade de declarar a negativa de
prestação jurisdicional.
Parece-nos que melhor
razão assiste a segunda corrente, que expressa uma tendência mais moderna do
direito processual, em que se prestigia a menor formalidade e a celeridade, na
linha do recente art. 515 do CPC.
Por outro lado, os
embargos de declaração não servem para o propósito de rediscutir os temas
devidamente examinados e decididos no julgamento proferido, como é
exemplificativo o acórdão que segue:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.REDISCUSSÃO DA
MATÉRIA JÁ DECIDIDA NO ACÓRDÃO. IMPOSSIBILIDADE.Não pode justificar a
interposição de embargos declaratórios a alegação de ocorrência de contradição,
obscuridade ou omissão, quando, em verdade, a postulação esconde a pretensão de
rediscutir temas já examinados.
OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. DISPOSITIVOS LEGAIS DEDUZIDOS PELO EMBARGANTE.Os embargos declaratórios não constituem meio
idôneo para amoldar a decisão da Corte aos dispositivos legais alegados pela
parte. Ou seja, desnecessário é o enfrentamento de cada dispositivo legal
suscitado pela parte.
PREQUESTIONAMENTO. Tendo sido a matéria enfocada nos embargos de
declaração devidamente enfrentada e julgada no acórdão-recorrido, impõe-se a
sua rejeição quando o seu objetivo é apenas prequestionar
artigos que entende o embargante sejam aplicáveis.
Embargos desacolhidos.”
(Embargos de Declaração Nº
70033777749, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em
16/03/2010)
Dos
embargos de declaração como instrumento para modificação do julgado.
Como já se disse, os
embargos de declaração podem ensejar a modificação do julgado, parcial ou
total, podendo tal modificação ter caráter infringente – alteração do resultado
da demanda--, mesmo quando tal modificação venha em desfavor da parte
embargante, não se admitindo, no caso, a proibição do “reformatio
in peius”.[24]
Nesses casos de modificação do julgado, a jurisprudência
pacífica é a de que, sob pena violação do amplo direito de defesa e do
contraditório, a parte embargada deve ser previamente intimada para contestar
os embargos.
[25]
Embora omissa a
legislação a respeito, em processos trabalhistas, em que há possibilidade de
modificação do julgado, a prática é a da inclusão do processo em pauta de
julgamento, intimando-se as partes e, mesmo, admitindo a sustentação oral.[26] Não faz
falta que a parte explicitamente declare o caráter infringente dos embargos,
mas sim, que o juiz, na possibilidade de alterar o resultado da decisão, atenda
o princípio do contraditório.
A subsistência do
entendimento de que os embargos possam alterar o resultado da demanda – e de
que esta possibilidade é um fator benéfico à segurança e à celeridade
processuais - é um dos principais motivos para que os embargos de declaração
persistam, devendo-se buscar sua aperfeiçoamento através de medidas de
alteração legislativa.
Uma
proposta de alteração legislativa.
A preservação do
instituto dos embargos de declaração atende a, pelo menos, duas finalidades
essenciais, que justificam sua existência: 1) viabilizar a colaboração das partes na prestação
jurisdicional, indicando ao juiz falhas e equívocos contidos na decisão
judicial que possam ser corrigidos pelo magistrado, sem alteração do resultado e 2) em casos especiais (em que as falhas na
decisão judicial comprometem o julgamento) propiciar a modificação do
resultado.
No primeiro caso,
estar-se-á diante de simples pedido de aclaramento do conteúdo da decisão
judicial; no segundo, haverá o caráter infringente. Em ambos os casos, há de se entender que é
direito da parte requerer a melhoria da prestação jurisdicional. Em ambos os
casos, também, há de se reconhecer ser praticamente impossível determinar, com
segurança que a parte é destituída de qualquer razão e que litiga com má-fé.
Por outro lado, deve-se encontrar uma forma mais célere e econômica de
julgamento dos embargos de declaração, aliviando o trabalho dos juízes e
restringindo o campo de controvérsia sem descurar do dever de integral
prestação jurisdicional.
Parece-nos que a
melhor maneira de realizar tais propósitos seja atribuir ao bom-senso do
magistrado decidir a respeito do conteúdo dos embargos propostos, reconhecendo
tratar-se de real contribuição à prestação jurisdicional ou de necessário
requerimento de reapreciação da matéria por força de erros que possam levar à
modificação do resultado da decisão.
Não sendo o caso, caberá
ao juiz, liminarmente rejeitar os embargos (por mero despacho e, sem maior
fundamentação, reportando-se
às razões e argumentos já expendidos na decisão. Provavelmente, em tal situação
poderão ser enquadrados a grande maioria dos embargos de declaração que, hoje,
são propostos.
Por outro lado, em
caso de embargos procedentes, deverá o juiz esclarecer a dúvida, sanar a
omissão, resolver a contradição ou corrigir o erro material, acolhendo os
embargos como uma contribuição concreta ou, se for o caso de infringência, alterar o resultado do julgamento depois de
intimar a parte contrária, atendendo o princípio do contraditório.
Além disso,
parece-nos necessário alterar o prazo de interposição dos embargos, voltando ao
de quarenta e oito horas, mais do que suficiente ante as novas facilidades
propiciadas pelo processo eletrônico.
Também parece medida oportuna alterar a natureza do prazo, de
interruptivo para suspensivo, de modo a retirar parte do incentivo que a atual
lei processual confere à utilização dos embargos de declaração como forma de
aumentar o prazo recursal.
Por fim, parece não
ser mais necessária nem útil qualquer previsão de multa específica pela
utilização de embargos de declaração, devendo ser revogada a previsão contida
no art. 538, parágrafo único do CPC, extirpando-se, assim, fonte de
controvérsias e desentendimento entre magistrados e advogados.
Conclusões provisórias.
Assim, entendemos que a norma
processual que regula os embargos de declaração está a merecer algumas
modificações, que restabeleçam a grande utilidade desse instituto e impeçam sua
instrumentalização indevida em prejuízo da celeridade e da efetividade do
processo.
Portanto, propõe-se:
a) que se entenda como implicitamente prequestionado
qualquer dispositivo legal mencionado pela parte nos embargos de declaração,
sem necessidade de qualquer declaração do juiz a esse respeito na decisão dos
mesmos embargos;
b) a possibilidade do juiz não acolher os embargos de
declaração por simples despacho, sem necessidade de fundamentar, apenas se
reportando as razões já expendidas na decisão embargada.
c) que o prazo para interposição dos embargos de declaração
volte a ser interruptivo;
d) que tal prazo seja suspensivo, como antes da modificação
imposta pela Lei n. 8950/94;
e) que seja extinta a multa por embargos procrastinatórios.
Porto Alegre, 23 de janeiro de 2011.
[1]
Os autores são Desembargados do
Tribunal Regional do Trabalho da 4ª. Região, compondo a Terceira Turma deste
Tribunal.
[2] É ponto pacífico na história do
direito lusitano que os embargos, como meio de obstar ou impedir os efeitos de
um ato ou decisão judicial, são uma criação genuína
daquele direito, sem qualquer antecedente conhecido, asseverando os autores que
de semelhante remédio processual não se encontra o menor traço no direito
romano, no germânico ou no canônico. Os embargos declaratórios são, portanto,
criação portuguesa. (PINTO, Melina Pinto. “A aplicação do princípio da
fungibilidade recursal nos embargos de declaração”, 2005, Disponível em: Jus Navigandi, Teresina,
2005, http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10798)
Acesso em 10/6/2010.
[3] SEHNEM, Felix. Embargos declaratórios . Jus Navigandi,
Teresina, ano 7, n. 61, jan. 2003. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3681>.
Acesso em 10.06.2010.
[4] MIRANDA, Vicente. “Embargos de
Declaração no Processo Civil Brasileiro”, Saraiva, São
Paulo, 1990, p. 15. A prática forense já permitiu conhecer-se
embargos declaratórios apresentados contra simples despacho de “cite-se”, na
medida, em que a parte desejava saber qual seria a modalidade pela qual seria
cumprida a determinação.
[5] Art. 463 do CPC: “Publicada a
sentença, o juiz só poderá alterá-la: I- para Ihe
corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou Ihe retificar erros de cálculo; II - por meio de embargos
de declaração”.
[6] Há respeitáveis opiniões em contrário.
Sustentando o caráter meramente corretivo dos embargos de declaração pode-se
citar, entre tantos, nomes como o de Ada Pellegrini Grinover
e Manoel Antonio Teixeira Filho.
[7] A
possibilidade de efeito modificativo da decisão é expressa no art. 897, A da
CLT. Nesse sentido, a Súmula 278 do TST.
[8] “A tendência de ampliar os efeitos das
decisões, por intermédio dos embargos declaratórios, não pode ser conduzida a
uma iniciativa ilimitada, sob pena de desvirtuamento do ordenamento jurídico,
transformando-o para procedimento recursal indireto e meio de retratação do
mesmo juízo proferidor da sentença embargada”.
(OLIVEIRA, Paulo Rogério. “Embargos de declaração”. Disponível em http://www.fadisp.com.br/download/4.1
Acessado em 10/6/2010.
[9] SEHNEM, Felix, ob. cit.
[10] A esse
respeito, VIDIGAL, Márcio
Flávio Salem. “Embargos de declaração como instituto
processual” in MOURA EÇA, Vitor Salino (coord).
“Embargos de declaração no processo do trabalho”, Sãp
Paulo, 2010, LTr, p.45.
[11] “Esta a perspectiva que deve
prevalecer entre os magistrados, advogados e demais operadores jurídicos acerca
do instituto processual, amoldando-o, sempre, em prol da prestação
jurisdicional plena, célere e eficaz, apta a atender aos anseios do
jurisdicionado” ( AMARAL, Anemar
Pereira. “Compreensão dos embargos de declaração, in “MOURA EÇA, ob.cit., p.
157).
[12] SEHNEM, Felix. Ob. cit.
[13] GARCIA, Ana Flávia de Aguiar Melo.
“Embargos de declaração: análise de seus critérios de admissibilidade”.
Disponível http://direito.newtonpaiva.br/revistadireito/docs/convidados/11_04.doc
. Acesso em 10/6/2010.
[14] STF, AI 163047-5, PR, Rel. Marco
Aurélio, (DJU 8/3/1996, p.6223)
[15] No
TRT-4ª. Região, a média de seis anos (2003 a 2008) da taxa de recorribilidade
interna (embargos de declaração) no primeiro grau no Judiciário do Trabalho do
Rio Grande do Sul foi de 26%, evidenciando-se um sensível acréscimo nos últimos
anos (44,77% em 2007 e 33,76% em 2008). Tais números se mostram elevados
(provavelmente por razões de natureza circunstancial) em relação à média do 2º
grau (21%). Segundo dados de 2009 do Conselho Nacional de Justiça, a taxa de
recorribilidade interna do Judiciário Trabalhista nacional é de 21,8% (segundo grau) e 13,8%
(primeiro grau). Tais números são
aproximados aos da média dos Tribunais Estaduais (21%) e dos Tribunais Federais (26,9%).
Curiosamente, a média no primeiro grau da Justiça Estadual de todo o país é
significativamente baixa na fase de conhecimento (2,1%), porém em um contexto de
recorribilidade externa também baixa (8%). Simplificando bastante, pode-se
dizer que são propostos embargos de declaração a cada quatro decisões
proferidas. Não há dados estatísticos disponíveis, mas, empiricamente, sabe-se
que a taxa de acolhimento dos embargos de declaração é muito pequena
(normalmente acrescentando fundamentos à decisão), certamente representando bem menos de um
dígito percentual. Destas, são raras as que contêm algum efeito modificativo.
[16] Conforme foi proposto, em 2004, pelo então Presidente
do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim.
[17] SANTOS, Moacyr Amaral. "Primeiras
Linhas de Direito Processual Civil, 3º vol".
Editora Saraiva, 1997.
[18] VIDIGAL, Márcio Flávio Salem, ob. cit., p.73.
[19] HORTA, Denise Alves. “Embargos de
declaração: regime legal e suas hipóteses” in MOURA EÇA, Vitor Salino (coord)., ob. cit. p. 27.
[20] MARQUES, José Frederico. Manual de
Direito Processual Civil. São Paulo, Ed. Bookseel,
vol.. 3, 1997, pg. 191.
[21] HORTA, Denise Alves,
ob. cit. p. 28.
[22] Por exemplo, o seguinte acórdão : “Os embargantes
sustentam existir erro manterial no acórdão em relação à afirmação de que a
procuradora signatária do agravo de petição, não possui procuração nos
presentes autos. (...)Não se verifica no julgado a existência de qualquer erro
material, entretanto. Da fundamentação
dos embargos, aliás, denota-se que os
embargantes buscam, na verdade, uma nova apreciação da matéria, de maneira
favorável aos seus interesses. Todavia, para esse fim não prestam os embargos
de declaração. (Processo 0055000-56.2001.5.04.0731 (ED) do TRT 4ª. Região, 8ª Turma, Rel. Wilson
Carvalho Dias)
[23] CARMO, Júlio Bernardo. “Embargos de
declaração – visão geral e prequestionamento no
âmbito do processo do trabalho” in in
MOURA EÇA, Vitor Salino (coord), ob. cit., p. 90-124.
[24] HORTA, ob. cit., p. 40.
[25] Em tal sentido, a Orientação
Jurisprudencial 142 da SDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho.
[26] Esta, pelo menos, a praxe da maioria
das Turmas do TRT da 4ª. Região.