FATOS E
JURISPRUDÊNCIA reflexões iniciais
1.Jurisprudência e Revisão
O Poder Judiciário como um todo e o Judiciário
Trabalhista em particular tem sido alvo de constantes ataques por parte da
imprensa, mas nenhum deles é mais eficiente do que a acusação de que os
processos demoram tempo demasiado. A eficiência decorre de um fato singelo: é
verdade!
Ainda que os juízes sejam uns dos menores
responsáveis pela morosidade, deve-se reconhecer que o tempo que um processo
trabalhista demora é excessivo e, considerada a natureza alimentar dos bens em
disputa, inaceitável. Em várias Regiões do País, em média um processo demora um
ano na primeira instância, o que, se está muito longe de ser rápido, não se pode
entender como demasiadamente longo, porém nos julgamentos de recursos ordinários
os prazos ultrapassam muito um ano.
A revisão de uma sentença parte, ou deve
partir, de um
trabalho já realizado pela primeira instância,
que enfrentou o exame da prova, delineou as questões jurídicas em debate,
encontrou uma razão de decidir e se posicionou sobre os valores em conflito. O
acórdão não é, ou não deveria ser, o refazimento de tal trabalho, mas exatamente
a revisão de alguns pontos de um trabalho jurídico já existente. Acrescente-se
que no segundo grau não há audiências, nem testemunhas, nem perícias, nem
despachos interlocutórios. Também não se diga que a decisão de segunda instância
é mais “aprofundada” do que a da primeira instância. Muito pelo contrário,
processualmente, a sentença de primeiro grau baliza a decisão de segundo grau,
no sentido que esta concorda ou discorda da primeira; acresce ou retira itens da
sentença recorrida; endossa ou não argumentos jurídicos trazidos pelo juiz de
primeira instância ou pelas partes.
O acórdão analisa apenas alguns aspectos da
sentença, talvez os mais relevantes, socialmente, ou seja, aqueles que foram
objeto do recurso, salvo os recursos de ofício, os quais já são questionados nos
debates constitucionais sobre reformas do Poder Judiciário. Esses pontos
destacados pelas partes tendem a ser repetidos em todos os recursos. O trabalho
de segunda instância, assim, torna-se muito mais importante quanto à fixação de
orientação jurisprudencial sobre pontos que as partes transformaram, por força
da repetição, em matéria de interesse geral do que seria a simples revisão, caso
a caso, dos aspectos tornados controvertidos em cada
sentença.
Neste trabalho de padronização, os tribunais se
alimentam do trabalho pioneiro dos muitos mais numerosos juízes de primeira
instância, os quais primeiramente enfrentaram a matéria e, assim, preparam o
caminho para a construção desta síntese jurisprudencial.
Deste modo, urge um debate mais profundo sobre
a melhor concepção da natureza do procedimento revisional. Desde logo, assume-se
o risco de afirmar que a revisão da sentença não é o refazimento da mesma como
se a Turma do Tribunal se transformasse em juiz singular. Antes de tudo, porque
essa transmigração é impossível. Por melhor que os registros de ata reproduzam
os depoimentos de partes e testemunhas, jamais poderão transmitir a realidade
complexa ocorrida na sala de audiência que somente o juiz, “in loco” pode
captar.
2. Máquinas e
computadores
Mesmo que as audiências fossem gravadas em
vídeo e áudio, não seria possível superar, através de tais tecnologias, o
distanciamento inevitável da verdade que somente com o contato interpessoal,
face a face, se pode atingir. Além disso, a sentença não pode dizer tudo, ou
quase diz nada, porque não pode reproduzir fielmente o contexto de onde foi
produzida, ou seja, qual a natureza verdadeira, humana, do conflito e quem são
exatamente os personagens que compuseram o drama que desemboca em um processo.
Não fossem esses fatores essenciais para o julgamento de uma lide, melhor seria
a substituição de todos os juízes, seja de primeiro ou segundo grau, por
computadores de última geração, muito mais rápidos e isentos de “falhas” à luz
de algum tecnicismo desumanizador.
Não se pode cometer a injustiça de pensar que
exista claramente uma concepção, sobre o papel das diversas instâncias de
julgamento, que busque transformar os juízes de primeiro grau em simples
carimbadores de decisões padronizadas, uma espécie de “longa manus” dos
verdadeiros juízes: os de instância superior. Tampouco, se acredita que exista juiz de
segundo em nosso país que ainda esteja emocional e psicologicamente preso às
suas antigas funções de primeiro grau, quanto a instrução da prova, diligências
procedimentais, bem como aquelas relativas ao exame de cada questão fáctica
inclusive de menor consequência processual.
Efetivamente, estamos diante de um debate
poucas vezes enfrentado com a definição das exatas finalidades e pressupostos
filosófico-jurídicos de cada julgamento, valendo como exemplo, quase único, o
belo e rico texto da Juíza do Trabalho de Campinas Fany Fajerstein sob o título
“A Causa e a Greve: um Problema de Epistemologia Jurídica”, publicado in
“Democracia e Direito do Trabalho, Editora LTr, Coordenador Luiz Alberto de
Vargas.
Acredita-se que o julgamento de segunda
instância não pode importar em “zerar” o trabalho do primeiro grau, mas
essencialmente em revisar esse trabalho, apoiando-se nele e, principalmente,
respeitando e construindo o espaço de atuação e decisão próprio de cada
instância. Não se deve transformar o juiz de primeira instância em “cérebro
auxiliar” dos tribunais.
Não é razoável esperar-se que juiz de primeiro
grau deva “pensar” de acordo como pensaria o juiz de grau mais elevado, o qual,
por sua vez, por ocasião do Acórdão, deveria transportar-se mentalmente, no
tempo e no espaço, a fim de proferir uma nova sentença, tal como o faria se
fosse, em tal época e lugar, o juiz de primeiro grau. Esse “deslocamento
espaço-temporal”, que não se defende, até porque seria impossível, seria tão
mais facilitado quando mais “fiel” fosse o juiz de primeiro grau aos valores e
aos conceitos dos tribunais ou mesmo “incorporasse” o “espírito” do pensamento
dominante nos tribunais, o que, de qualquer modo, seria mais fácil se houvesse
apenas um.
3. Revisão e equilíbrio social
Em uma análise mais geral, percebe-se que se
tem multiplicado decisões de segundo grau que anulam todo o processado, com
todos os prejuízos irreparáveis que isso representa, simplesmente porque se o
juiz de segundo grau estivesse no lugar do juiz “a quo” agiria diferente. A
situação tem se agravado a tal ponto que na Reforma do Poder Judiciário, em um
dos Sub-Relatórios, que antecederam o Relatório do então Deputado Federal
Aloysio Nunes Ferreira, de autoria do Deputado Federal José Roberto Batoquio,
constou que:
“ao reformar decisão o tribunal deve resolver o
mérito, mesmo que a decisão recorrida se tenha omitido sobre as alegações das
partes ou seja nula, ressalvada a necessidade de produzir-se prova”.
Mesmo quanto a prova, certa peculiariedade deve
ser considerada. Indeferir uma testemunha da parte não significa necessariamente
cerceamento de prova se o conjunto probatório já está fartamente delineado.
Seria preciso acreditar que a testemunha traria tamanha contrariedade ao
conjunto probatório que abalaria complemetamente a convicção de algum juiz. Tal
prova, da extremada relevância da testemunha não ouvida, deve ser robusta e
incumbe à parte que alega. Não se pode presumir que a testemunha não ouvida,
potencialmente, traria elementos novos e imprescindíveis ao feito, sem qualquer
necessidade de prova, admitindo-se com isso que o juiz de primeira instância
exorbitou.
Na maioria esmagadora dos casos, quando o
processo retorna para nova instrução, ou a parte desiste da oitiva da testemunha
ou seu depoimento se mostra irrelevante. A parte, enfim, conseguiu o que
prentendia: procrastinar o feito. Parece bem fácil entender a raiz psicológica
de tais anulações: a testemunha que não se ouve, saí das possibilidades
cognitivas do juiz de segundo grau ! Trata-se de um caso em que o “cérebro
auxiliar” age “infielmente”, sonegando elementos de convicção ao juiz
“deslocante” de segundo grau, quando este for realizar seu trabalho de
“revisão/desconstrução” da sentença de primeiro grau.
4. Tribunais e celeridade
A reforma de qualquer decisão judicial, mesmo
de primeiro grau produz um certo desequilíbrio social e gera uma incerteza
jurídica. Sendo assim, as razões jurídicas de reforma deveriam ter tal
transcendência que suplantassem as da decisão do primeiro grau, a ponto de
justificar o rompimento do equilíbrio produzido pela decisão revisanda. A
mencionada incerteza se expressa concretamente na comunidade onde a sentença
deverá ser executada. Num contexto em que somente algumas sentenças serão
recorridas, fica evidente o desequilíbrio produzido pela reforma. Reformada deveria ser a sentença que não
resolvesse razoavelmente a demanda, que aplicasse mal a lei ou contrariasse
jurisprudência dominante do Tribunal.
Em realidade, cada vez mais, em todo mundo
desenvolvido vem se impondo um novo trabalho aos Tribunais. Como o julgamento de
“todos os casos” é impossível, o julgamento do Tribunal deve ser, cada vez mais,
um julgamento exemplar, que busque formar e cristalizar uma orientação
jurisprudencial.
Se discute muito o paradigma da Suprema Corte
americana, que se exime de julgar todos os casos, mas que escolhe
escrupulosamente que casos elegirá para serem modelares para toda a
jurisprudência estadounidense. Na Europa, também, cada vez se discute mais sobre
o esgotamento da capacidade operativa dos Tribunais Constitucionais para darem
conta de todas as questões de constitucionalidade. A experiência recente da
Itália parece indicar que, cada vez mais, a solução é tornar o juiz de
instâncias inferiores mais responsável pela decisão, remetendo-se a ele a
decisão dentro de determinados parâmetros e reservando-se a decisão pelo
Tribunal Constitucional para casos especiais.
Na medida em que avance nestes novos rumos
melhor o primeiro grau poderia cumprir seu papel e compreender o efetivo papel
dos Tribunais, quanto à formação e cristalização da jurisprudência, inclusive
com a edição de súmulas, as quais, certamente, passariam a representar apenas a
cristalização de alguma jurisprudência anterior razoavelmente cristalizada, sem
trazer surpresas ou incompreesões quando editadas. Medite-se que mesmo os
projetos de reforma constitucional dos Deputados Jairo Carneiro e Aloysio Nunes
Ferreira, com os quais se tem profundas e inúmeras divergências, inclusive no
específico das súmulas vinculantes, no mínimo, cuidavam de que houvesse anterior
jurisprudência antes destas.
Nesta visão sobre o exato papel de cada
instância tampouco seriam frequentes as reformas com escassa argumentação contra
os fundamentos jurídicos dos primeiros julgamentos. Por exemplo, relativamente
aos julgamentos de primeiro grau que decidiam pela inconstitucionalidade da base
de cálculo do salário mínimo do adicional de insalubridade, desde o início
haveria decisões de segundo grau refutando seus fundamentos. Haveria muitas
linhas enriquecento o debate, em todas as instâncias, máxime por se tratar de
matéria constitucional. Sendo assim, hoje, quando o próprio STF reconheceu a
inconstitucionalidade do cálculo do adicional de insalubridade com base no
salário mínimo, já teríamos tido antes uma chance de refletir melhor sobre a
matéria e adotar um posicionamento mais enriquecido, a favor ou contra, que
representasse um maior avanço doutrinário.
Estas compreensões são cada vez mais
necessárias inclusive para que se consiga maior celeridade processual, com
redução significativa do tempo de demora no julgamento dos processos. Medite-se
que recente Projeto de Lei sobre sumaríssimo, neste momento, já aprovado na
Câmara dos Deputados e remetido ao Senado Federal dispõe que nestas lides de
valor inferior não se lavrará Acórdão, mas simples Certidão, quando a sentença
tiver sido mantida por seus próprios fundamentos.
Acredita-se, pois, em uma resposta definitiva
da Justiça do Trabalho aos seus detratores. Na quase totalidade das Regiões,
seguramente, quase sempre, teríamos os julgamentos de primeiro grau antes de um
ano e os de segundo grau antes de meio ano.
LUIZ ALBERTO DE
VARGAS
RICARDO CARVALHO
FRAGA