ADOÇÃO DO
CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO
Debate-se intensamente a conveniência da adoção imediata no país de um conjunto de alterações constitucionais que, segundo seus proponentes, modernizariam a legislação trabalhista e o sistema de relações coletivas.
Nesse acalorado debate, muitas vezes envolvido pelo alarido dos meios de comunicação de
massa, muitas afirmações são feitas sem
maiores ponderação.
Propõe-se aqui refletir sobre algumas
dessas afirmações que, tantas vezes,
são trazidas como arrimo dos
entusiastas de reformas constitucionais imediatas no campo do direito individual e coletivo.
Muitos autores, criticando a
"rigidez" da legislação
material do trabalho, propugnam a
flexibilização dos direitos trabalhistas,
como se pratica, por exemplo, hoje, na
Europa, na forma de contratos coletivos que admitem reduções salariais em troca da manutenção de emprego.
Uma análise dos últimos dados
estatísticos apresentados pelo IBGE nos
dá conta do preocupante nível que
atinge hoje o subemprego e trabalho clandestino no país, bem como a queda significativa da participação dos
trabalhadores na renda nacional.
Propostas como a que ora se analisam, admitindo uma redução ainda maior dos níveis de proteção ao trabalho,
parecem desconhecer tal realidade, na
medida que, na prática, abrem caminho
para a super-exploração da mão-de-obra nacional com a liquidação das conquistas trabalhistas consagradas em lei.
Além do mais, a flexibilização que se
propõe,hoje, no Brasil, não tem
paralelo com a flexibilização na Europa, pois
os trabalhadores europeus sempre estiveram em um patamar salarial muito superior aos dos trabalhadores do
Terceiro Mundo e representa aceitar-se
a contratação abaixo dos patamares mínimos
que os princípios constitucionais de dignidade do trabalho podem admitir, seguindo os passos de economias
como a da China, cujo maior bem de
exportação é o aviltamento do trabalho humano aquém dos limites éticos que a sociedade humana pode admitir.
Outra afirmação, bastante repetida, é
que a CLT é instrumento legal
envelhecido, fruto do autoritarismo getulista,
e, assim, estaria a merecer imediata substituição por uma legislação mais enxuta.
A CLT atual também é fruto da luta
dos trabalhadores brasileiros, não
apenas pelas alterações do projeto
inicial, como também na luta pela aplicação prática de cada dispositivo legal. Tratar a CLT como um
arcaismo de índole fascista é
desconhecer a histórica luta dos trabalhadores. Por outro lado, falar em sua revogação por estar superada somente
faz sentido quando se fala em melhorar
a condição das classes trabalhadores
brasileiras, o que implica em sua superação por uma norma mais benéfica.
A CLT, embora tenha cinqüenta anos,
ainda está longe de ser um texto
superado. Infelizmente, os direitos nela
previstos ainda são o sonho não realizado de boa parte dos trabalhadores brasileiros, que não tem CTPS
assinada, trabalham sob condições
insalubres ou periculosas, não percebem salário mínimo, laboram bem mais de oito horas por dia sem perceber
horas extras. Muito ainda há que se
fazer para estender a proteção prevista
em lei para todos os trabalhadores. A Fiscalização Trabalhista é ineficiente e a Justiça do Trabalho,
infelizmente ainda morosa. Os
sindicatos pouco contribuem para melhorar esse
quadro, sendo por isso altamente duvidoso que possam, num futuro possível, sem a norma legal e os aparatos
estatais de exigibilidade do
cumprimento da lei, possam sozinhos enfrentar com eficiência o espezinhamento massivo e deliberado dos
direitos trabalhistas mais elementares.
Assim, atrás dos sistemáticos ataques a
um suposto "pecado original"
da CLT, está, além da miopia de sua função
histórica, o propósito evidente de flexibilizar os direitos trabalhistas, de forma a permitir a contratação
ABAIXO dos patamares mínimos de
proteção legal. Lembre-se que a contratação
acima do que estipula a lei, não somente é possível como ainda é, do ponto de vista social, desejável.
Por fim, critica-se asperamente o
princípio tutelar do Direito do
Trabalho, já que limitador da autonomia
contratual privada.
Falar-se em autonomia contratual
pressupõe partes iguais, não apenas
formalmente, mas materialmente. A CLT foi
criada sob a nítida compreensão de que, em se tratando do contrato de trabalho, as partes NÃO são iguais, mas
desiguais. Ultimamente, o próprio
Direito Civil, o mais igualitarista dos ramos do Direito, já admite a desigualdade real das partes, contemplando institutos que, como faz a CLT, buscam
reequilibrar a relação contratual
marcada pela desigualdade. Parece um retrocesso inaceitável voltarmos a falar em autonomia contratual nos
marcos do superado liberalismo. O
contrato coletivo de trabalho não pode
ser a simples reintrodução da exclusiva aplicação das leis do mercado no âmbito das relações de trabalho.
PROPOSTAS:
Coerentemente com o que foi exposto,
propõe-se:
a) que qualquer proposta de modificação
da CLT tenha como pressuposto a
manutenção dos patamares atuais de
proteção aos trabalhadores, sendo inaceitáveis quaisquer tentativas de flexibilizar os direitos
trabalhistas atuais, mormente os
contidos no art. 7º da Constituição Federal;
b) que, dada as condições do país, a
lei ainda é o instrumento mais eficaz e
universal de proteção, sendo admissível
o contrato de trabalho somente no que melhore as condições de trabalho nela previstas;
c) que, conforme o princípio da
hierarquia dinâmica das fontes formais
de direito do trabalho, qualquer contratação
intersindical não revoga a lei naquilo que for mais benéfico ao obreiro;
d) que a superação da CLT somente faz
sentido quando se propõe a codificação
das leis trabalhistas, proposta
histórica do movimento sindical;
e) que soa inconsistente qualquer
proposta de modificação dos direitos
sociais constitucionais quando não se
discute, conjuntamente, um patamar mínimo de direitos ainda não conquistados e/ou implementados pelos
trabalhadores brasileiros, que inclui,
entre outros:
- estabilidade no emprego, a partir do
primeiro ano de tempo de serviço;
- amplo direito de greve, inclusive
para servidores públicos;
- direito de organização sindical no
interior das fábricas;
- substituição processual ampla;
- direito de informação que não se
restringe aos dados do balanço das
empresas, mas fundamentalmente visa a antecipação
das políticas de investimento, de automação, de administração, etc.
- proteção em face da automação, regulando-se o artigo XXVII da Constituição Federal.
Luiz Alberto de Vargas
Luís
Carlos Pinto Gastal
Juízes do Trabalho - Pelotas