Leis Claras e 40 horas
Os
Parlamentos têm, cada vez mais, dificuldades de construírem consensos, em suas
votações. A saída para os impasses que ocorrem nos processos legislativos tem
sido a edição de normas pouco claras, com abuso de conceitos genéricos e de
afirmações dúbias. Entre nós, o exemplo mais marcante ocorreu nos debates
constituintes. É significativo porque foi revelado, com total sinceridade pelo
coordenador daquele debate e posterior votação. Como lisamente confessado, na
época, por aquele que se tornou um dos mais destacados parlamentares
constituintes, deixou-se propositalmente para o Judiciário a precisa
delimitação de direitos em temas tão relevantes como o da função social da
propriedade, o direito universal à educação e à saúde, o início da vida, entre
outros.
Também
em matéria trabalhista assistimos o mesmo fenômeno. Eram intensas as
controvérsias sobre a limitação da jornada na Constituição de 1988. Um tema,
quase secundário, diante desta maior relevância era quanto ao momento do repouso
semanal. Diante da dificuldade de sua fixação, dentre os dias da semana,
aprovou-se simplesmente que seria “preferencialmente” aos domingos,
Constituição, artigo sétimo, inciso quinze. Não são pequenas as dificuldades
geradas por essa heterodoxa forma de produção legislativa, em especial para o
Poder Judiciário. No exemplo citado, não foram poucos os processos, com pedidos
de liminares, sobre abertura ou não de certos estabelecimentos em dias de
domingos e feriados. O exemplo destacado é bem visível e não imaginamos que o
leitor tenha qualquer dificuldade de compreender e concordar. Difícil, sim,
será direcionar seu descontentamento. Contra o Parlamento ? Contra a legislação
posterior ? Contra os Juizes, que analisam ainda depois ? Ou, contra os eleitores,
que elegeram parlamentares com idéias bem diferentes entre si ? Ou, antes disto
tudo, contra a sociedade que se tornou complexa ?
Por
certo, inúmeras situações igualmente podem dificultar a elaboração de leis
claras. São fenômenos que exigem análise mais profunda, para além destas
linhas. A própria lei tem, ao longo da história, funções distintas. Já foi
simples declaração de direitos. Já foi apenas compilação dos costumes antes
existentes. Já foi, um pouco mais, regramento mais detalhado das práticas gerais
já usuais. Somente, após certas evoluções, passou a ser a determinação de
modificação da realidade social, o que é menos fácil. Talvez, possa-se pensar
que tais dificuldades de concreção dos direitos previstos nas normas legais
seja uma realidade quase inevitável no processo de incorporação de milhões à
dignidade, próprio das democracias modernas, em especial de países ainda não
suficientemente desenvolvidos. Fala-se em explosão de litigiosidade e de
protagonismo do Judiciário quando, talvez, esteja-se contemplando apenas uma
faceta menor, um efeito secundário do desejável progresso social.
Outra
situação mais recente também merece registro. Com a Constituição de 1988 e
movimentos semelhantes em outras Regiões do Mundo, viu-se a inclusão de milhões
nas democracias, conquistando sua cidadania. Notadamente, em países não
desenvolvidos, ocorreu o que, por vezes, é denominado de explosão de
litigiosidade, o que é correto em termos de números, mas, frequentemente tem
implícito certo desacerto histórico porque menospreza a evolução social. De
toda sorte, não parece irrelevante expressar o desejo profundo de milhares de
juízes brasileiros que aspiram por mais clareza e transparência na edição das
normas legais, tornando, não apenas mais fácil, mas, principalmente, mais
seguro e mais produtivo, seu trabalho cotidiano de assegurar a supremacia na
ordem jurídica e a afirmação dos direitos da cidadania, em consonância com tão
caro princípio da ciência da legislação trabalhista, qual seja a sinceridade,
citado por Plá Rodrigues, em sua obra “Princípios do Direito do Trabalho”.
Noticiam
os jornais que, em breve, o Parlamento nacional apreciará o projeto de
limitação da jornada de trabalho em quarenta horas. Acaso aprovado tão
relevante projeto, muitas controvérsias atuais estarão solucionadas e superadas
historicamente. Hoje, muitos são os processos com delicadas questões de regime
compensatório do trabalho em certos dias, intervalos insuficientes entre duas
jornadas, banco de horas com dificuldade de distribuição das quarenta e quatro
horas semanais, cálculo das horas extras prestadas aos sábados de tarde e dias
de repouso, entre outras. Esperamos que, pela relevância da matéria, os
direitos ali previstos sejam claros e afirmativos, deixando pouca margem para
dúvidas e para interpretações cerebrinas, que terminem por negar o elevado
propósito do legislador.
Estamos
diante de possibilidade incomum de grande avanço social. Outros Países já deram
este passo, valendo a lembrança dos dados mundiais, divulgados também na Revista
da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, número 58, segundo semestre
de 2009, páginas, 30 a 36, com inúmeros Países, tanto mais quanto menos
desenvolvidos do que o nosso, adotando limites semanais próximos a quarenta
horas ou menos. Finamente, chegou à hora do Brasil também dar esse passo
decisivo rumo ao progresso, com sinceridade.
Luís
Carlos Gastal
Luiz
Alberto de Vargas
Ricardo
Carvalho Fraga
Juízes
do Trabalho