O POUCO RE
(CONHENHECIDO) TRABALHO DA O.I.T.
A Organização Internacional do
Trabalho (OIT) foi criada em 1919, logo após o término da Primeira Guerra
Mundial, como parte do Tratado de Versalhes, sendo, portanto, bem mais antiga
do que a própria ONU, consagrando uma das mais bem sucedidas expressões do
internacionalismo que caracterizou a política do século XX. Gerada por pressões
dos sindicatos de trabalhadores, à época em franca ascensão, a OIT teve, como
uma de suas principais consignas, a de que a paz somente seria duradoura
se os frutos do progresso econômico fossem melhor distribuídos entre os
parceiros sociais, beneficiando a todos, em especial aos trabalhadores.
Dizia-se que aqueles que lutaram durante a guerra também tinham direito a
participar do progresso viabilizado pela paz.
Assim, nasce a OIT, com forte
influência da social-democracia européia e de outras correntes políticas de
conteúdo humanista, sendo contemporânea do surgimento do “constitucionalismo
social” (México, 1917; Alemanha 1919), período em que vários países
incorporaram a suas cartas políticas importantes direitos e garantias sociais,
buscando criar um patamar mínimo de bem-estar assegurado a seus trabalhadores.
Por meio das Conferências Internacionais e, em especial, por meio das Convenções
(tratados internacionais sobre direitos sociais), a OIT teve destacada
participação no processo, sempre buscando que tais direitos fossem adotados
pelo maior número possível de países, evitando-se, assim, uma indesejável competição econômica internacional pelo
barateamento da mão-de-obra. Tal preocupação, no início do século passado,
mostrou-se profética, já que, nos albores do século XXI, em plena era da
globalização econômica, assiste-se o aviltamento do valor do trabalho como
conseqüência da desenfreada competição entre os países pela redução dos custos
produtivos.
Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial,
assistiu-se um período de expansão econômica sem precedentes (denominada, por
muito, de “trinta anos gloriosos do capitalismo”), período em que foram
construídos os Estados de Bem-Estar Social, hoje tão hostilizados pelo
pensamento neoliberal. Mais uma vez, a OIT jogou destacado papel na
universalização e consolidação dos direitos sociais como parte indissolúvel dos
direitos humanos internacionalmente reconhecidos.
Em outro ponto, a OIT antecipou o
século XXI: desde sua criação, todas as decisões e todas as instâncias
deliberativas sempre adotaram o mecanismo tripartite, ou seja, resultaram da
participação de representantes dos governos, dos trabalhadores e dos
empregadores dos países membros. Pode-se, assim, nesta
forma democrática de participação e deliberação, rastrear as origens do “diálogo social” que,
modernamente, é adotado em grande parte de países, inclusive no Brasil.
A propósito do Brasil, é de se
lembrar que os direitos trabalhistas contidos na legislação laboral sempre
fizeram parte da agenda internacional da OIT, sendo que a promulgação da CLT,
em 1943, representou um notável esforço de atualização do legislador
brasileiro, colocando o Brasil, à época, no nível dos mais avançados em direito
social. Nomes de vulto em nosso direito laboral, como Arnaldo Süssekind e Mozart Victor Russomano
representaram o Brasil junto aos órgãos diretivos da OIT, sendo que o último
chegou ao posto de Presidente do Conselho de Administração.
Após um período de certa
letargia, própria do unilateralismo que dominou a cena internacional após a
queda do Muro de Berlim, a OIT retoma, hoje, seu protagonismo,
adotando, como objetivo estratégico, a superação da pobreza por meio da
promoção do Trabalho Decente e de uma globalização justa. Entre suas
prioridades está, também, a eliminação do trabalho infantil e do trabalho
escravo.
No Brasil, ao contrário de outros
países latino-americanos, como a Argentina, por exemplo, o trabalho da OIT
ainda é pouco conhecido e divulgado. Dele pouco se sabe. Muito menos se estuda
nos bancos acadêmicos. Apesar de ser o Brasil signatário de sete das oito
Convenções Fundamentais da OIT (somente a Convenção 87 não está ratificada) e,
por força de nossa Constituição, as normas constantes de convenções ratificadas
serem parte integrante de nosso ordenamento jurídico, são
bem poucas as sentenças judiciais que mencionam o direito internacional do
trabalho. Pode-se cogitar de várias razões para a pouca aplicação prática das
normas internacionais no Brasil, desde uma tradicional auto-suficiência de
nossos doutrinadores nacionais até barreiras lingüísticas (já que o português
não é um dos idiomas oficiais na OIT).
Ademais, no caso do nosso país,
muitos dos direitos que são objeto de proteção pela OIT, consistem em garantias
já asseguradas pelo texto constitucional, razão por que deixam de ser invocados
pelas partes em um processo judicial.
Ressalta-se, ainda, que a
legislação pátria guarda destaque em alguns temas, como, por exemplo, a faixa etária da proibição do trabalho
infantil, que é superior àquela estabelecida pela OIT.
Contudo, a legislação,
jurisprudência e doutrina no Brasil ainda têm muito a estudar e crescer com
relação à aplicação das normas internacionais, de forma a buscar a completa implementação de seus ditames, uma vez que o aspecto
relevante da atenção às disposições da OIT é assegurar a universalidade e
efetividade de direitos tidos como fundamentais na esfera do trabalho.
No momento em que o Brasil adota
uma postura mais ativa no cenário internacional, chegando a postular uma
cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, parece mais que oportuno
que se promova uma maior difusão do trabalho da O.I.T.
e, em especial, das normas internacionais do trabalho, com o objetivo de
torná-las, para além de sua existência formal, uma realidade cotidiana em nosso
meio laboral.
Patrícia Heringer e Luiz Alberto
de Vargas
Juízes do Trabalho no TRT-RS