Prescrição de ofício? [1]
A prescrição “é a transformação
de um ato contrário ao direito (o descumprimento da prestação) em estado
jurídico”, pelo passar do tempo. Inexiste previsão de sua declaração pelo
juiz, sem provocação da parte beneficiada, na legislação dos demais países. [2]
A justificativa para tanto é simples. Tratando-se a prescrição de uma forma de
extinção da pretensão do credor, sua alegação pela parte demandada é
facultativa e renunciável, não sendo, geralmente, razoável o conhecimento de
ofício pelo juiz de alegações não produzidas - e, talvez, até mesmo não
desejadas - pela parte. Fala-se "geralmente" porque podem existir
situações em que se discuta para além dos estritos interesses particulares das
partes, estando em jogo o interesse
público.
Nossa legislação tem se mostrado
atenta a tais situações, alterando-se periodicamente no sentido de ampliar as
hipóteses de conhecimento de ofício da prescrição quando se discute direitos
não patrimoniais.
Em um breve histórico sobre
as mais recentes alterações do tema é útil, a transcrição do cuidadoso resumo
de Jaqueline Mielke Silva e José Tadeu Neves Xavier:
“O Código Civil de Bevilaqua, em seu
artigo 166, dispunha "o juiz não pode conhecer da prescrição de direitos
patrimoniais, se não foi invocada pelas
partes". Assim, numa coerência com a colocação do tema
da prescrição como
questão de mérito, o juiz somente poderia conhecê-la se a
parte a alegasse,
uma vez que sendo direito disponível, caberia ao seu titular
optar por
exercê-la ou não.”
“Em 1973 o legislador processual
civil voltou ao tema, estabelecendo em seu artigo 219, parágrafo 5°, que:
"não se tratando de direitos patrimoniais, o
juiz poderá, de oficio, conhecer da prescrição e decreta-Ia
de imediato".
“Posteriormente, com o advento do
Código Civil de 2002, a questão voltou à
tona, sendo regulada no artigo 194 deste diploma normativo,
nos seguintes
termos: "o juiz não pode suprir; de oficio, a alegação
de prescrição, salvo
se favorecer a absolutamente incapaz". Houve, portanto,
já neste momento, a
derrogação do disposto no artigo 219, parágrafo 5°, do Código
de Processo
Civil. Neste sentido, inclusive, foram as conclusões da III
Jornada de
Direito Civil do STJ: "Ementa n° 155: O artigo 194 do
Código Civil de 2002,
ao permitir a declaração ex officio da prescrição de direitos
patrimoniais
em favor do absolutamente incapaz derrogou o disposto no
parágrafo 5° do
art. 219 do CPC". [3]
Entretanto, em uma alteração completamente estranha à linha
de tais aperfeiçoamentos, o legislador
aprovou, através da Lei 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, alteração no
parágrafo quinto do art. 219 do CPC, dispondo que: "o juiz pronunciará, de oficio, a
prescrição", e, por conseqüência, revoga o disposto no artigo 194 do
Código Civil (art. 3° da Lei n° 11.280 de 16 de fevereiro de 2006)”. Assim, pela letra fria da lei,
aplica-se a prescrição também em hipóteses de direito patrimonial, tendo-se por
revogado o artigo 194 do Código Civil.
Não se pode deixar de criticar tal modificação, porque
representa uma injustificável extensão a todos os devedores de obrigações
patrimoniais de regra que, até então, somente se reconhecia a situações de
evidente vulnerabilidade do demandado ou em favor de entidades de direito
público.
A incompatibilidade desta norma de processo civil ao
processo do trabalho é manifesta. O artigo 769 da CLT determina a aplicação
meramente subsidiária do direito processual comum ao processo do trabalho e,
mesmo assim, somente naquilo que não for incompatível com as normas
trabalhistas.[4] Por um lado,
não existe, omissão legislativa que justifique, a utilização de “fonte
subsidiária”, nos termos do art 769 da CLT, para se declarar de ofício a
prescrição. Por outro lado, sendo os direitos sociais assegurados
constitucionalmente, a decretação de prescrição "ex officio"
representa uma indevida restrição à efetividade dos mesmos. [5]
Como lembra o juiz mineiro Aroldo Plínio Gonçalves, a existência de períodos
prescricionais extensos se justificam pelo "estado de sujeição"
do trabalhador durante o contrato.[6]
Não se pode alegar singelamente que o instituto da prescrição
visa a assegurar a estabilidade das relações jurídicas, pois, em realidade,
promove-se alteração que importa em significativo desequilíbrio no tratamento
jurídico das obrigações. De forma prática, pode-se dizer que a novidade
legislativa impede que a parte renuncie, expressa ou tacitamente, ao direito de
alegar a prescrição em juízo. Consagra
a nova regra uma pouco compreensível tutela dos interesses patrimoniais da
parte devedora, em nome da segurança das relações contratuais. Levado tal
raciocínio a extremos, pode-se temer que, em futuro próximo, outras alterações
legislativas determinem que outras formas de obrigações (como a quitação ou a
compensação), também sejam conhecidas de ofício pelo juiz. Estar-se-ia
agravando a situação atual, em que se obriga o magistrado a desempenhar também
uma função tutorial dos interesses do devedor.
Tal proteção injustificável ao devedor, atenta contra o
princípio da igualdade das partes perante o processo, o que permite o
questionamento da constitucionalidade da norma em questão.
Nesse mesmo sentido, a Juíza do Trabalho no Paraná Emilia
Simeão Albino Sako. Diz ela que o princípio de “não retrocesso social”
pode ser lembrado. Aponta algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, sobre o
art 60 § 4º da Constituição, em Adins. Em uma destas foi apresentada a
vinculação com o artigo 7º, ao tratar-se de matéria previdenciária relativa ao
salário maternidade. [7]
É de se lembrar que, no processo
trabalhista, o princípio protetivo se aplica ao demandante, normalmente credor
de prestações de natureza alimentar - e não ao devedor. Se a norma faz sentido
no processo civil, de modo que o devedor fique "liberado do ônus de
alegar a prescrição" [8] ,
certamente não se reconhece qualquer sentido social em assegurar ao reclamado
trabalhista, devedor de prestações alimentícias, o mesmo benefício criado para
o devedor comum.
A alteração normativa atenta contra os próprios fundamentos do Direito do Trabalho,
como lembra o Juiz Jorge Luis Souto Maior: “A Justiça do Trabalho tem a função
precípua de fazer valer esses direitos. Sua celeridade, sem esta perspectiva,
não é nada. Não há, portanto, nenhum sentido em se transformar o juiz
trabalhista em sujeito cuja atividade, por iniciativa própria, sirva para
aniquilar os direitos trabalhistas. A norma é incompatível e, consequentemente,
não vincula o juízo trabalhista. A sua aplicação no processo do trabalho,
portanto, constitui grave equívoco também sob a ótica meramente positivista”. [9]
Também apontando a incongruência da prescrição de ofício no
processo trabalhista, o Juiz do Trabalho em Campinas, Manoel Carlos Toledo
Filho, em convincente observação diz: “É que a incompatibilidade em questão
não se configura somente através da colisão de normas explicitamente
contraditórias: ela também se perfaz pela dissonância de sistemas, pela
dissensão de perspectivas, pela divergência de objetivos. Por isto mesmo que,
no Código de Processo do Trabalho Português, dispõe o inciso 3 de seu artigo 1º
que "as normas subsidiárias não se aplicam quando forem incompatíveis com
a índole do
processo regulado neste título". [10]
Mesmo os que admitem a aplicabilidade ao processo do
trabalho, reconhecem que esta produzirá situações de difícil solução. Conforme o
Juiz Luciano Athayde, já referido, alteradas as bases normativas que
sustentavam a impossibilidade de decretação da prescrição ex-officio pelo
julgador, a nova regra criará desconforto aos seus intérpretes e aplicadores:
"Não relevo ou ignoro que a aplicação da
nova regra no Processo do Trabalho trará algum desconforto aos seus intérpretes
e aplicadores. O Direito do
Trabalho, objeto central da jurisdição trabalhista,
reveste-se de um
acentuado caráter social, razão pela qual - na dinâmica de
sua aplicação - é
de seu supor que a atuação impositiva da lei no particular
deverá trazer
somente dissabores aos trabalhadores, normalmente postulantes
perante a
Justiça do Trabalho. Mais grave. Sabemos que, dentro das
características das relações do trabalho no Brasil, está a quase que absoluta
impossibilidade de pleitear direitos enquanto em vigor o contrato de trabalho,
em razão da ausência de regra geral garantidora de estabilidade e do alto risco
da despedida do
trabalhador por seu empregador, quando colocado este na
posição de réu na
Justiça do Trabalho”. [11]
Por outro lado, desde quando
estaria em vigor a nova disposição? A resposta à indagação consta na obra
coletiva organizada pelo Prof José Maria Rosa Tesheiner: “Questiona-se,
portanto, se o juiz pode decretar de ofício a prescrição, em ações ajuizadas
antes da entrada em vigor da Lei 11.280/06. A resposta é afirmativa, porque as
normas atributivas de poderes ao juiz têm eficácia imediata".[12] Ora, esta é uma norma de direito
material ou direito processual? Recorde-se que apenas a segunda tem aplicação
imediata.
Ainda que a prescrição seja instituto de direito material, [13] parece
claro que a regra em questão, é de direito processual e, portanto, se aplica aos
processos em curso. Assinale-se que estamos tratando de sua alegação pela parte
no processo – e não de regra de direito material.
Contudo, onde está o conceito exato
de “normas atributivas de poderes ao juiz”? A nova norma processual, em
realidade, estabelece ao juiz o DEVER de conhecer de ofício a prescrição não
alegada pelo réu, o que ressalta o ineditismo e magnitude da mesma, tornando
ainda mais claro que a incompatibilidade ao processo do trabalho.
Ainda outra questão deve ser melhor examinada, relativamente
aos novos procedimentos, resultante
da alteração processual, inclusive no processo civil. Luiz Rodrigues Wambier,
Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina salientam que: “Não
obstante o legislador não tenha feito tal ressalva, no caso do § 5° do art.
219, entendemos que deverá o juiz antes de
pronunciar prescrição, intimar o autor da ação, para
manifestar-se a
respeito. É que pode ter ocorrido uma das causas de suspensão
ou interrupção
da prescrição (CC, arts. 197 a 204), sem que tal informação
tenha chegado
aos autos. Assim, a autorização que com a Reforma foi dada ao
juiz, para que
reconheça a ocorrência da prescrição, não o isentará de
verificar, com
cautela, se efetivamente ocorreu a prescrição”. [14]
A
ouvida da própria parte autora, especificamente sobre o tema, é essencial
porque o juiz não pode esperar que esta antecipe seu entendimento sobre
possível causa que exclua a prescrição. As regras processuais são claras, eis
que “nem o art 282 do CPC e nem o art 840 da CLT, assim o exigem. (...)
estará ferindo o devido processo legal e transferindo patrimônio ao réu sem
qualquer pedido e atentando contra o princípio do contraditório e da ampla
defesa”. [15]
Aqui cabe uma ponderação: no processo do trabalho, onde não
se justifica o desequilíbrio processual em favor do devedor (antes pelo
contrário, justifica-se o princípio protetor ao credor), não deveria o juiz do
trabalho também conhecer de ofício a ocorrência de uma das hipóteses de
suspensão ou interrupção da prescrição, como por exemplo, o ajuizamento de
reclamatória anterior pelo autor, já arquivada?
Verifica-se, assim, que, acaso a
nova norma seja aceita no processo do trabalho, as dificuldades procedimentais não serão poucas.
O Juiz do Trabalho em Minas Gerais, Vitor Salino de Moura Eça,
lembra que: “A doutrina e a jurisprudência não costumam admitir a prescrição
intercorrente no processo do trabalho. Entretanto o instituto existe e,ao menos
no plano teórico, pode ser aplicado por um Juiz. Será que a prescrição
intercorrente pode ser declarada de ofício também? E mais, nas causas civis
processadas perante a Justiça do Trabalho, pode o julgador declarar de
ofício a prescrição intercorrente? Tudo indica que a resposta
seja positiva,
exceto a prescrição intercorrente que corre contra a Fazenda
Pública, pois
nos casos de execução fiscal há norma especial. O § 4°, do
art. 40, da Lei
n° 6.830/80 preceitua que a prescrição intercorrente somente
seja declarada
após a oitiva do poder público”. [16]
A própria atuação do Ministério
Público, através da Procuradoria do Trabalho, teria algumas novidades. O
Juiz do Trabalho no Rio Grande do Norte, Luciano Athayde Chaves pondera que, em
caso de se reconhecer vigência da norma em questão ao processo do trabalho, se
alteraria significativamente a jurisprudência, inclusive alternado-se o entendimento
da Orientação Jurisprudencial n. 130 da Subseção de Dissídios Individuais 1 do
Tribunal Superior do Trabalho: "PRESCRIÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO.
ARGÜiÇÃO. CUSTOS LEGIS. ILEGITIMIDADE. Ao exarar o parecer na remessa de
oficio, na qualidade de custos legis, o Ministério Público não tem legitimidade
para argüir a prescrição em favor de entidade de direito público, em matéria de
direito patrimonial (arts. 194 do CC de 2002 e 219, § 5º, do CPC)".
De qualquer modo, um questionamento mais profundo é cabível.
A defesa dos órgãos públicos, freqüentemente, é apontada na grande imprensa e
outros canais dedicados à crítica destrutiva, como insuficiente. Exatamente,
neste particular, outro pensamento é mais frutífero para a sociedade toda. Pode
algum órgão público ter maior interesse em ver reconhecida a prescrição, de
ofício ou não, ao invés de deixar chegar-se a uma decisão final que ateste o
mais completo cumprimento da legislação social do trabalho?
No
processo do trabalho, uma outra particularidade também é bem visível. Aqui,
renove-se observação mais ampla e sábia de Sebastião Geraldo de
Oliveira, Juiz no TRT de Minas Gerais: “Pode-se argumentar, também, que se o
reclamado não argúi a prescrição, ocorre a renúncia tácita, na forma prevista
no art. 191
do Código
Civil, que estabelece: "A renúncia da prescrição pode ser expressa
ou
tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a
prescrição
se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do
interessado,
incompatíveis com a prescrição". [17] Indagamos, deste modo, sobre a situação do
empregador que tenha juntado recibos dos longos anos do contrato, tendo
sustentado o correto pagamento de todas as parcelas. Não se percebe que o juiz
possa deixar de examinar tais documentos e simplesmente pronunciar uma
prescrição, implicitamente renunciada.
Os ensinamentos do Direito Civil não são desconhecidos. O
artigo 191 do novo Código Civil reproduz o anterior artigo 161. Ambos, com
redação quase idêntica, indicam que a renúncia da prescrição não pode
prejudicar terceiros. Surge a dúvida em
relação à prescrição não argüida pelo devedor insolvente ou em vias de
insolvência, prejudicando o cumprimento da obrigação de terceiro. Oportuno
salientar que Câmara Leal, por três vezes, em duas páginas, sustenta a
possibilidade de que terceiro possa impugnar a renúncia, tácita ou expressa, da
prescrição, sustentando prejuízo próprio. Desta Câmara Leal que, segundo outros
autores, exige-se, além do prejuízo, a prova de conluio entre o devedor e o
beneficiário da renúncia da prescrição. Além disso, tal é apenas aquele capaz
de inviabilizar o cumprimento do crédito deste terceiro. [18]
Inviabilizar é diferente e algo mais do que a simples diminuição do patrimônio.
Enfim, mesmo com esta interpretação restritiva, na Justiça do Trabalho, no caso
de falência, pode não ser pequeno o número dos outros credores prejudicados. De qualquer modo, por óbvio, aqui já
se estaria examinando a eventual possibilidade de outra ação destes outros
credores, talvez ação rescisória, com seus requisitos específicos.
Assinale-se, desde logo, que nesse sentido, a atuação das
empresas “prestadoras” e as “tomadoras” de serviço haverá de ser
analisada com cuidado. O local mais apropriado para suas postulações são os
próprios autos principais. É preciso lembrar que, nesse caso, a legitimidade da
atuação do terceiro decorre de seu interesse jurídico no feito – e não
meramente econômico. Neste particular, é interessante certo dado histórico
sobre proposta da Comissão Revisora, para a redação do art 499 § 1º do CPC: “o
terceiro só poderá recorrer se for titular de relação jurídica suscetível de
sofrer a influência da decisão”. Deste modo, estaria mais claro que o
terceiro prejudicado, habilitado para atuar nos autos, deveria ser titular de
outra relação e não apenas ter interesse. [19]
Outra questão a ser ponderada é a
das possíveis
conseqüências nos recursos ordinários de se aceitar tal norma processual no
âmbito da Justiça do Trabalho. No
Segundo Grau é bem freqüente serem examinados apenas alguns dos muitos
pedidos de uma reclamatória trabalhista. Ao se examinar um destes pedidos não
se poderia adentrar em exame de prescrição que limitasse a condenação dos
demais. Este reconhecimento da prescrição de ofício, em segundo grau, teria
alguma delicadeza, pois, “se o apelo, no entanto, apenas impugnou um dos
capítulos da sentença, os demais transitaram em julgado. (...) se o Tribunal,
de ofício, reconhecer a existência de prescrição, esta decisão apenas pode
abranger o capítulo da sentença objeto de devolução ao órgão ad quem, sob pena
de desconstituição da coisa julgada por vias transversas”. [20]
Por fim, diga-se que tal modificação legislativa se dá em um
conjunto de alterações no processo civil que, certamente, não pretendiam
atingir o processo do trabalho.
Exemplo disso é o indeferimento da petição inicial em
processos repetitivos. [21] Neste caso, inclusive, se sugere
que seu
uso ocorra, no máximo, “de modo extremamente comedido”. É salientado que
inexistia e, talvez permaneça inexistindo, a exata definição do que sejam “casos
idênticos”. O tempo somente seria abreviado se a decisão repetida pelo
primeiro juízo fosse no mesmo sentido de todas as demais decisões das outras
instâncias. Acrescente-se que a atuação dos Tribunais, nestes casos, seria
bastante “complexa”, pois, deveria examinar tais questões sobre a
viabilidade do trancamento da ação, talvez, antes mesmo do exame de mérito. [22]
Lembre-se, ainda, que, no processo
trabalhista, não há o exame prévio da petição inicial, como ocorre no processo
comum. A experiência
pessoal de quase vinte anos em sala de audiência alicerça muitas convicções.
Freqüentemente, era fácil notar que trazer o empregador ou seu representante
para uma mesa, de diálogo conciliatório ou julgamento, já tinha um profundo
significado para a superação das marcas negativas de um contrato de trabalho
desfeito. Talvez, a determinação legal de notificação ao empregador, antes de
qualquer exame prévio sobre a peça inicial, tenha outro fundamento.
Provavelmente, algumas lições mais profundas sobre o “direito de ação”
teriam utilidade maior do que se imagina. A relevância deste outro instituto,
não totalmente diverso, não pode ser menosprezada.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB ajuizou ação direta de inconstitucionalidade da totalidade da Lei 11.277 relativa ao indeferimento da petição inicial, desde logo. Aponta o choque com vários incisos do artigo quinto da Constituição. Argumenta que as conseqüentes “sentenças vinculantes” estariam sendo prolatadas sem a “participação das partes” em restrição ao próprio “direito de ação”. [23]
Ainda sobre o indeferimento da petição inicial, dissemos: “Não é abreviando ou
simplificando os embates das idéias que se aperfeiçoará o funcionamento do
Poder Judiciário. Neste sentido, é extremamente perigosa certa Proposta (...)
no sentido de que se "permite o indeferimento da inicial com julgamento de
mérito, quando o pedido estiver em confronto com súmula do STF, dos Tribunais
Superiores ou do Tribunal a quem o recurso será interposto". [24]
Tal como a prescrição de ofício, o
indeferimento da petição inicial mostra-se incompatível com o processo
trabalhista.
Em resumo, pode-se afirmar, ainda nos primeiros debates, sujeito a eventual convencimento, diante de mais convincentes argumentos:
-a pronúncia da prescrição de ofício prevista no parágrafo quinto do art. 219 do CPC. é incompatível com o processo do trabalho;
-ainda que o número de vezes que a situação possa ocorrer não seja presumivelmente expressivo, o raciocínio central sobre os postulados do Direito do Trabalho pode estar deixando de ser observado;
-por ora, não se percebe nenhum aperfeiçoamento social que possa ser alcançado com a acolhida desta duas recentes normas de direito processual do trabalho, seja a prescrição de ofício, seja o indeferimento da petição inicial.
Luiz Alberto de Vargas
Ricardo Carvalho Fraga
Juizes do Trabalho no TRT-RS [25]
[1]
Ao final do presente,
algumas considerações, ainda mais iniciais, sobre “processos repetitivos”,
tendo sido elaborado para debate em Seminário organizado pelo Sindicato dos
Advogados no Espírito Santo em novembro de 2006.
[2] A afirmativa é de J.N.Valério Vargas, “Decretação da Prescrição de Ofício – óbices jurídicos, políticos, sociais, lógicos, culturais e éticos”, Revista LTr, São Paulo: setembro de 2006, p. 1071/1078. Ali, noticia que duas exceções teriam sido os Códigos Civis da Romênia e Polônia.
[3] Jaqueline Mielke Silva e
José Tadeu Neves Xavier, “Reforma do Processo Civil”, Porto Alegre: Verbo
Jurídico, 2006, p. 224. Os autores são Professores na Femargs, www.femargs.com.br.
[4] Em sentido contrário, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Juiz do Trabalho em São Paulo, que taxativamente sustenta a aplicabilidade do novo § 5º do art 219 do CPC ao processo do trabalho, não aceitando que exista incompatibilidade com os artigos 8º e 769 da CLT.
[5]Neste particular, pouca
tranqüilidade surge com o conhecimento de Projeto de Lei 7152 apresentado em
2006 pelo do Deputado Luiz Antonio Fleury, prevendo a utilização do direito
processual comum “inclusive na fase recursal ou de execução”, ainda que
existente norma em sentido contrário, com o único requisito de que se
alcançasse “maior celeridade ou efetividade”.
[6] Aroldo Plínio Gonçalves,
“A Prescrição no Processo do Trabalho”,
Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1987.
[7] Emília Simeão Albino Sako, “Prescrição de Oficio - § 5º do art 219 do CPC – a impropriedade e inadequação da alteração legislativa e sua incompatibilidade com do Direito e o Processo do Trabalho”, Revista LTr, São Paulo: agosto de 2006, p. 966/973. Neste estudo, estão referidas as manifestações de José Augusto Rodrigues Pinto e Ilse Marcelina Bernardi Lora, nos números de abril e maio, respectivamente, da mesma Revista LTr, favoráveis à adoção da nova regra, inclusive no Direito do Trabalho.
[8] José Maria Rosa Tesheiner,
“Nova Sistemática Processual Civil”, Caxias do Sul: Plenum, 2006. p. 53.
[9] Jorge Luis Souto Maior,
“Reflexos das Alterações do Código de Processo Civil no Processo do Trabalho”,
Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre: HS Editora, julho de 2006, p. 35. O
mesmo texto está publicado na Revista LTr, agosto de 2006.
[10] Manoel Carlos Toledo Filho,
“O Novo Parágrafo 5º do art 219 do CPC e o Processo do Trabalho”, acessado em
agosto de 2006 no site www.anamatra.org.br
opção “artigos”.
[11] Luciano Athayde Chaves, “A
Recente Reforma no Processo Comum – Reflexos no Direito Judiciário do
Trabalho”, São Paulo: LTr, 2006, p. 135 e seguintes.
[12] ob. cit., idem
[13] Quanto ao fundamento do instituto da prescrição, Washington de Barros Monteiro diz que: “não
faltou quem visse mera criação política. Aliás, de modo geral, as pessoas não
versadas em direito têm uma concepção errônea sobre a prescrição, considerando-a
repugnante à moral e contrária à justiça”. Mais adiante, já quase ao tratar
das inúmeras causas que impedem ou suspendem a prescrição, afirma ser “meio
talvez antipático de extinguir-se a obrigação”. (Washington de Barros Monteiro, “Curso de Direito Civil”, São Paulo:
Saraiva, 1º Volume, 1989, p. 284 e
294).
[14] Luiz Rodrigues Wambier,
Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, “Breves Comentários à
Nova Sistemática Processual Civil”, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2006, p. 45.
[15] Texto já mencionado de J.N.Valério Vargas, “Decretação da Prescrição de Ofício – óbices jurídicos, políticos, sociais, lógicos, culturais e éticos”, Revista LTr, São Paulo: setembro de 2006, p. 1071/1078.
[16] Vitor Salino de Moura Eça,
“Revista Justiça do Trabalho”, Porto Alegre: HS Editora, agosto de 2006, p. 55.
[17] Sebastião Geraldo de
Oliveira, “Prescrição nas Ações Indenizatórias Decorrentes de Acidente do
Trabalho ou Doença Ocupacional”, Revista Legislação do Trabalho, São Paulo:
LTr, maio de 2006, p. 534. Nesta publicação, consta o número do Projeto de Lei
específico.
[18] Antonio Luis da Câmara
Leal, “Da Prescrição e Da Decadência”, Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 62 e
63.
[19]
A informação de Barbosa Moreira é renovada no belo estudo do bacharelando na
Universidade Federal do Espírito Santo, Gilberto Fachetti Silvestre, no texto
“O Terceiro Juridicamente prejudicado e seu meio de impugnação de decisão
judicial – o recurso de terceiro”, acessado no endereço http://jus2.uol.com.br/doutrina
em outubro de 2006. O mesmo estudo lembra os ensinamentos de Liebman sobre
terceiros “indiferentes”, “interessados praticamente” (ou
economicamente) e “juridicamente interessados”.
[20] Gustavo Filipe Barbosa
Garcia, “Novidades sobre a Prescrição Trabalhista”, São Paulo: Editora Método,
2006, p. 21 e 32.
[21] A esse respeito, Estevão
Mallet, de modo lúcido, diz: “Incompatível
com o processo do trabalho é a regra do artigo 285-A, do Código de Processo
Civil, que confere ao juiz a prerrogativa de, quando houver proferido sentença de improcedência em
outros casos idênticos, dispensar a citação do reclamado, bastando que reproduza sua anterior decisão. No processo do
trabalho, a citação se faz independentemente de prévia cognição judicial, por
ato de serventuário, na forma do artigo 841, caput, da Consolidação das Leis do
Trabalho. O exame da matéria controvertida pelo juiz se dá em audiência, depois
de já citado o reclamado.” (“O Processo do Trabalho e as Recentes
Modificações do Código de Processo Civil”, Revista Júris Plenum, Caxias do Sul:
Plenum, agosto de 2006, p. 25).
[22] Estudo já mencionado de
Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia
Medina, “Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil”, São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 67, 69 e 71.
[23] Trata-se da ADI 3695, de
março de 1996, distribuída ao Ministro Cezar Peluso, cuja peça inicial foi
consultada na íntegra no site www.stf.gov.br nas opções “iniciais” e “Adi”, em outubro de 2006.
[24] Tratava-se do projeto
apensado ao PL n. 3.804/93, na CCJ da Câmara, com Parecer do
relator, Paulo Magalhães, pela aprovação, conforme dados do Boletim AMB
Informa, número 66, de 30 de setembro de 2004, p. 3, item 5, conforme
registramos no livro “Avanços e Possibilidades do Direito do Trabalho”,
Coordenadores os mesmos, São Paulo: LTr, 2005, p. 196, capítulo “Quais
Súmulas?”.
[25] Este texto teve acréscimos e outras contribuições de Dea Cristina Teixeira Oliveira.