A PROIBIÇÃO DE DESPEDIDA IMOTIVADA
NO NOVO TEXTO CONSTITUCIONAL
Luiz Alberto de Vargas[1]
Em boa hora, vem a Assembléia Nacional Constituinte de aprovar, no texto da nova Constituição
Brasileira, o princípio da
limitação ao poder empresarial de despedida, inserindo-se em uma concepção mais moderna das
ralações de trabalho e adotada, com sucesso, já em
vários países.
Mais do que um avanço na legislação do trabalho, a proibição da despedida imotivada representa, em um
país flagelado por altas
taxas de desemprego e com deficiente sistema de seguro
social, vital instrumento de preservação da ordem social e econômica.
Ainda que a inscrição do
principio no texto constitucional represente
uma vitória de antiga reivindicação dos juslaboristas e do movimento sindical brasileiro,
a formulação adotada pela Assembléia Nacional Constituinte não foi clara e
objetiva como seria de se esperar, sendo fruto do arranjo
causuístico de última hora e
encerrando as imperfelções próprias de uma votação realizada "às carrelras". Além de
deixar o substancial para a regulamentação em lel complementar — a própria
garantia do emprego —, o
texto aprovado mostra-se contraditório ao misturar conceitos distintos, corno os de estabilidade e de indenização
compensatória.
Necessário, aqui, que
se analise os motivos que levaram a tão
dúbio texto, ao mesmo tempo em que se rejeitou a proposta aprovada na Comissão de Sistematização,
de notória superioridade.
O texto da Comissão de Sistematização:
O art. 13 do Projeto
aprovado na Comissão do Sistematização
previa:
"São direitos
sociais dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visam a melhoria de sua
condição social:
I -- garantia do
direito ao trabalho mediante relação do emprego estável, ressalvados:
a) ocorrência de falta grave comprovada judicialmente;
b) contrato a termo, não
superior a dois anos, nos casos de transitoriedade dos serviços ou
da atividade da empresa;
c) prazos definidos em contratos de experiência não superiores a noventa dias,
atendidas as peculiaridades do trabalho a ser executado;
d) superveniência
de fato econômico intransponível, técnico ou de
infortúnio da empresa, sujeito à comprovação judicial, sob pena
de reintegração ou indenização, a critério
do empregrado."
Há proibição, portanto, da demissão sem justo
motivo econômico, tecnológico,
financeiro ou disciplinar, o que esgota as possibilidades
do despedimento por qualquer outro motivo
que não o de mera conveniência subjetiva e pessoal do
empregador ou — a mais comum nos tempos de hoje — o da indústria da rotatividade de mão-de-obra.
ou seja, a demissão de um empregado
mais antigo para substitui-lo por outro com manor salário.
São infundados,
portanto, os temores de que a aprovação do projeto
representaria insuportável ônus econômico às empresas ou fator de
desestruturação do poder hierárquico empresarial. Previa o art. 10, além da possibilidade de demissão por motivo
disciplinar (já prevista
na legislação protetiva aos membros
de CIPA), a justa
causa por motivos de infortúnio empresarial e
incapacidade financeira, não
exigindo, assim. que o emprego fosse
mantido além da capacidade econômico-financeira do empregador.
A esse respeito, houve
preocupação do projeto Bernardo Cabral
com a sobrevivência das pequenas e médias empresas que se evidencia pela exclusão do
âmbito da medida daquelas que possuíssem
menos de 10 empregados.
Ademais, a avaliação dos motivos
ensejadores de justa causa seria feita pala Justiça do Trabalho, o que seria
por si só uma garantia
de moderação e eqüidade na
interpretação da estabilidade limitada
aprovada no texto.
Quanto à idéia de que
haveria demissões ou falência em massa, esta não passe de mais um aspecto da tradicional
histeria que acometo
a elite brasileira,
que tem-se caracterizado historicamente como das mais refratárias às
mudanças sociais. Assim, o Brasil foi dos últimos países a abolir a
escravatura, há cem anos
passados. mesmo assim após intensa pressão internacional, o
que não impediu
que um tresloucado parlamentar afirmasse. no plenário da Câmara dos Deputados,
que, em decorrência da Lei Áurea, "a
Nação singrava o perigoso mar do comunismo internacional". Da mesma forma,
quando da aprovação da "lei do descanso remunerado", entre outras
sandices, falou-se que, longe do ambiente sadio das fábricas, os operários ficariam entregues aos seus instintos animais e se
tornariam alcoólatras
irrecuperáveis.
Na verdade, o Projeto
rejeitado pela Constituinte não representava nenhum risco de caos econômico ou social ao
país, mas, bem ao contrário. uma maior
estabilização das relações de trabalho, com reduzidas conseqüências sobre a folha
de pagamento das empresas. A esse respeito, diga-se que, em nosso pais, a
participação da mão-de-obra no faturamento das empresas não é superior a 19%, bem
abaixo da Índia (49%), África do Sul
(51%), Hong Kong (48%), Japão (35%) e Estado Unidos (40%).
Este fato, o de que a mão-de-obra brasileira é das mais baratas do mundo,
evidencia-se, também, pela análise do salário mínimo pago no Brasil
(cerca de 45 dôlares) em relação a países como o Peru (60
dólares), Colômbia (85 dólares), Nicarágua (152 dôlares),
Argentina (140 dôlares), Itália (500 dólares) e França (620 dólares).
Tal remuneração mínima
é paga a, pelo menos, 1/3 do efetivo da força de trabalho do país da oitava economia
industrial do planeta.
As conseqüências:
Em realidade, a aprovação de mecanismos do
proibiçáo da despedida arbitrária
apenas impedirá a continuidade da prática empresarial
conhecida de reduzir custos através da demissão de empregados que alcancem, por força de leis salariais, faixa remuneratória
superior a do mercado.
Aos idólatras do "livre jogo de
mercado", é de se lembrar que o Direito do Trabalho foi construído sob o postulado
básico de que a força de Trabalho não pode se submeter às leis de mercado como um produto qualquer, sujeito às flutuações do preço e às práticas especulatórias.
Tratando-se do único melo de subsistência do trabalhador e de sua família,
justifica-se que o Estado Intervenha em nome do bem-estar social para
que tal "preço' (o salário) permaneça relativamente estávei e seja, ao menos, minimamente suficiente para tão
nobre finalidade.
Nesse contexto. é dever de Estado evitar que toda uma
política remuneratória, de profundo conteúdo social,- possa ser frustrada pelo mero exercício da vontade
empresarial, abstraindo-se as graves repercussões que acarreta o desemprego em massa.
Muito se fala da
função social da empresa, e, aliás. é sob
este argumento que se procura justificar as políticas desenvolvimentistas que privilegiam setores produtivos através de
incentivos fiscais, empréstimos com juros subsidiados e, ultimamente,
inversões de vulto em empresas, ainda que quase concordatárias. Este nada mais é do que umn aspecto
pouco lem
brado do "estatismo", tão paradoxalmente criticado pelos setores empresariais, ultimamente. Pouco se fala,
em contrário, da responsabilidade do empresário ao gerir o
empreendimento na dimensão do social, além da mera preocupação com os
lucros, em manter o nivei de emprego e o
dos salários- Sendo a miséria, a fome e a marginalidade subprodutos do desemprego, não pode o Estado
negligentemente permitir que "o livre jogo do mercado" produza tão graves mazelas sociais, e, muito menos, que estas possam ser desencadeadas pela ação
unilateral, potestativa e
incondicional do empresário.
O texto aprovado no plenário da Constituinte:
Dentro desse enfoque. a formulação obtida
polo plenário da Assembléia Nacional Constituinte é tecnicamente deficiente e anômalo, ao incluir indevidamente a
possibilidade de uma indenização "compensatória"
à garantia do emprego -como se houvesse compensação
possível à perda do emprego. Nesse ponto, a solução adotada não poderia ser mais infeliz. 0 bem a ser protegido é justamente
a relação de emprego, a ser preservada
contra a despedidã arbitrária. A idéia de uma indenização "compensatória" do
rompimento motivado do vínculo empregaticio subverte inteiramente o conceito, ao facultar novamente — ao invés de proibir —
a despedida. Obtém, assim, pela alquimia enganosa das soluções de ocasião, o risco de erigir-se como
garãntia constitucional o DIREITO DE DESPEDIR, quando buscava-se, justamente, a limitação desta possibilidade, em nome do direito à vida e à dignidade de milhões de trabalhadores.
Proposta de regulamentação via lei ordinária:
Entendemos, entretanto,
que ainda há tempo para que, através de lei complementar - se corrijam os rumos sinalizados pelo
texto constitucional aprovado, uma vez quo a indenização compensatória não está regulamentada e não exclui
outros direitos-
É necessário que o legislador ordinário separe nitidamente os conceitos,
reservando à indenização compensatória apenas para os casos em que o
empregado injustamente demitido opte por ela em substituição à
reintegração que lhe seja assegurada em lei.
Por outro
lado, tal indenizãção não pode limitar-se a
apenas mais 30% dos depósitos do FGTS, mas deve ser no valor de, no mínimo, um salário por ano trabalhado- Além disso. a lei deve cometer ao Ministério do Trãbalho a função de, sem prejuízo de revisão judicial, autorizar,
caso a caso, demissões por motivo de fato
econômico intransponível ou infortúnio empresarial, que. em qualquer hipótese,
não poderão ser de número superior a
percentual fixo do número de
trabalhadores de uma empresa.
Caberá ao Ministério do Trabalho
assegurar o cumprimento de norma que proiba a admissão de empregado por salário inferior ao de outro, despedido há menos de um ano, na mesma função.
Adotadas tais medidas. acreditamos que, em
essêncla, estar-se-á resgatando a proposta mais adequada à realidade do país e
das mais modernas concepções do
Direito do Trabalho.
[1] Estas idéias forem apresentadas na XII Conferência Nacional da OAB, realizada em outubro do 1988, em Porto Alegre.