ACORDOS DE
REDUÇÃO DE JORNADA E SALÁRIO
Luiz Alberto
de Vargas
Aparentemente
deslocado e incongruente com tantos avanços no campo social previstos no artigo
sétimo da Constituição Federal, consta um dispositivo que não prevê qualquer
direito ao trabalhador, mas, ao contrário, estabelece a possibilidade de
redução do salário através da redução da jornada de trabalho por meio de
negociação coletiva. Para muitos, é apenas mais um dispositivo “flexibilizante”, a propor, como tantos, a redução do valor
real dos salários como forma de incentivo ao capital para aumentar a oferta de
empregos.
Esta, porém,
é uma visão simplificadora. Antes de tudo, diga-se, que a redução concomitante
de jornada e salário, em tese, não implica em transferência
do valor do salário para o capital. Na prática, reduzindo-se ambos os termos da
equação, tem-se que TODOS perdem: o trabalhador, pois perde parte de sua renda;
o empresário, pela diminuição do que poderia ser produzido; o governo, com a
queda na arrecadação de impostos; o país, com o decréscimo na renda nacional e
o encolhimento do mercado de consumo. Ou seja, é uma idéia tão ruim que somente
faz sentido em meio
a uma crise tão severa que a torne alternativa a uma realidade ainda pior: a do
fechamento em massa de postos de trabalho. Numa lógica de redução de custos
típica de períodos de crise, para o empresário, tentado pela crise econômica pela
“solução final” das demissões em massa, a redução temporária de, por exemplo,
um quarto dos salários de quatro empregados representaria a mesma economia decorrente
do desemprego de um trabalhador. Mantendo dessa forma, o posto de trabalho, o
empresário se beneficia pela manutenção do empregado já testado e treinado,
além de economizar os custos da despedida. Ainda que amarga para o trabalhador,
tal pode representar a preservação do emprego. Trata-se de medida
necessariamente temporária, para épocas de turbulência, apostando-se em uma
futura retomada da economia, com a normalização das relações econômicas e no realinhamento
de salário e jornada de trabalho.
Outro pilar
da proposta foi o de condicionar a redução de jornada e salário à existência de
acordo coletivo de trabalho. Ou seja, sem a concordância da entidade sindical
representativa dos empregados, não pode haver a redução salarial. Assim,
assegura-se, que tão drástica solução somente seja adotada quando for do
interesse também dos trabalhadores, em situações excepcionais, como último
recurso com o desemprego em massa. Em segundo lugar, a submissão à negociação
coletiva significa, corretamente, que a redução de jornada e salário não pode
ser adotada em geral (como seria o caso de, por exemplo, pela edição de norma
legal), mas somente em casos restritos, de forma setorial e seletiva. É o caso
cristalino em que a chamada “função social negociada” da negociação coletiva
mostra todo seu significado.
Demorou mais
de vinte anos para que tal previsão constitucional fosse testada, o que ocorre,
agora, em meio à grave crise econômica. Surgiram inúmeros acordos sindicais de
redução de jornada e salário, endossados até mesmo pelos mais combativos setores
do movimento sindical. Quando já se verificam os primeiros sinais de
recuperação econômica no Brasil, pode-se já dizer que tais acordos
foram importantes instrumentos de preservação do emprego e da própria atividade
econômica.
Com o
reaquecimento da economia, várias empresas estão antecipando o fim dos acordos
de redução de jornada e salário, retomando-se os níveis de produção e o
pagamento do salário integral e, até mesmo, anunciando-se novas contratações.
Vinte anos
depois, constatamos que o legislador constituinte estava certo ao prever um
dispositivo de emergência para situações de crise, apostando na negociação
coletiva e na racionalidade dos agentes sociais.