Entre as preocupações centrais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), está a ampliação da consciência mundial de que, em tempos de globalização, já não basta a criação de postos de trabalho quando estes contiverem um padrão mínimo que assegure condições dignas ao trabalhador. Fala-se, assim, em “trabalho decente” ou “trabalho digno”, como aquele que, além do aspecto meramente remuneratório, proporcione ao trabalhador um mínimo de segurança, estabilidade e bem estar. Sem dúvida, um dos principais pontos aqui envolvidos diz respeito ao da segurança e saúde no trabalho.
No Brasil, apesar da extensa legislação existente,
longe estamos de uma situação ao menos aceitável em termos de prevenção de
acidentes de trabalho e de doenças profissionais.
Trilhando caminho diverso do adotado em outros
países, optou-se, por uma débil fiscalização das condições de trabalho
combinada com uma pífia penalização econômica do empregador que descumpre as
normas de proteção à saúde no trabalho. Tudo se passa como se as conseqüências
das moléstias e acidentes laborais não recaísse sobre toda a sociedade, já que
será às custas da Previdência Pública que promoverá a assistência médica e
previdenciárias aos trabalhadores vitimados. E, assim, não se tratam as questões de segurança e medicina do
trabalho como de interesse público, mas de direito meramente individual, a ser resolvido por uma indenização
pecuniária. Deveria se pensar no acidente do trabalho e na doença profissional
como questões centrais de interesse público, instrumentalizando a fiscalização
do trabalho com normas rígidas, em que pesadas multas pudessem ser impostas sem
possibilidade de recurso desacompanhado do depósito prévio das mesmas. Além disso, como já é feito em outros
países, o descumprimento por parte do empregador das normas protetivas à saúde
do trabalhador, expondo-o a riscos de lesões por acidente do trabalho ou
moléstia profissional, deveria estar
sujeito à responsabilização penal, em casos de culpa ou dolo. Por fim,
como incentivo aos bons empregadores, seria construtiva uma legislação que
estabelecesse reforços positivos (como deduções nas cotas previdenciárias) às
empresas que mantivessem ambientes laborais saudáveis, reduzindo
significativamente os riscos laborais.
Uma das mais sérias distorções de nossa legislação é
a monetarização dos danos à saúde e à segurança do trabalhador através de
adicionais remuneratórios (adicional de insalubridade e adicional de
periculosidade). Os valores previstos como retribuição ao trabalhador são
irrisórios: 10%, 20% ou 40% sobre o salário, em caso de insalubridade
(respectivamente para condições insalubres mínimas, médias ou máximas); 30%
sobre o salário, em caso de periculosidade.
Além do mais, a caracterização de tais condições
insalubres ou periculosas fica, na prática, na dependência de pedido de
providências ao Ministério do Trabalho pelo sindicato profissional ou de ação
judicial movida pelo próprio empregado ou pelo seu sindicato (art. 195 da CLT),
quando seria de se esperar que tal ocorresse em vistorias periódicas
obrigatórias realizadas pelo Ministério do Trabalho.
Por fim, o próprio processo trabalhista enfatiza,
por expresso comando legal, a verificação individualizada e circunstanciada das
condições laborais, exigindo que, para cada decisão judicial condenatória ao
pagamento de adicional de insalubridade ou de adicional de periculosidade, seja
necessária a feitura de laudo elaborado por técnico especializado nomeado pelo
Juiz.
Nesse contexto, ganha destaque a atuação desse
técnico, no caso o perito judicial, pelo qual passa, na realidade, a
possibilidade de ressarcimento pelo trabalhador pelos danos ou pelos riscos
sofridos ao longo do contrato de trabalho.
Apesar da importância desse profissional, não se preocupou o legislador
em criar um quadro de peritos judiciais qualificados que, como servidores
públicos, tivessem. assim, as necessárias estabilidade e independência para
exercerem tarefas de levantamento das
condições laborais em processos em que se discute a existência de insalubridade
ou de periculosidade no ambiente de trabalho.
Assim, os juízes do trabalho somente podem contar
com peritos particulares que se disponham a realizar seu trabalho sem receber
adiantamento de despesas e, mesmo, sem a garantia do pagamento de seus
honorários.
Fecha-se o ciclo e, lamentavelmente, se constata
que, no Brasil, na prevenção dos riscos no ambiente de trabalho ainda estamos
longe do “trabalho digno” preconizado pela OIT.
Luiz
Alberto de Vargas – Juiz do Tribunal Regional do Trabalho.