Lílian Monks Duarte de Vargas
1. O artigo 8º, III, da Constituição Federal não assegura a substituição processual para os sindicatos;
2. A substituição processual autoriza aos sindicatos pela Lei 6.708 de 30/10/79 e 7.238 de 29/10/84, limitada ao associado, restringe-se às demandas que visem aos reajustamentos salariais previstos em lei, ajuizadas até 03/7/89, data em que entrou em vigor a lei 7.788/89;
3. A lei nº 7.788/89, em seu artigo 8º, assegurou durante a sua vigência a legitimidade do sindicato como substituto processual da categoria;
4. A substituição processual, autorizada pela lei 8.073 de 30/7/90 ao sindicato, alcança todos os integrantes da categoria e é restrita às demandas que visem a satisfação de reajustes salariais específicos resultantes de disposiç¨es previstas em lei de política salarial;
5. Em qualquer ação proposta pelo sindicato, com substituição processual, todos os substituídos serão individualizados na inicial e identificados para o início da execução, pela indicação do número da carteira profissional ou do documento de identidade civil (RG);
6. É lícito aos substituídos integrar a lide como assistente litisconsorcial, acordar, transigir e renunciar, independentemente da autorização ou anuência do substituto;
7. Na liquidação de sentença exeqüenda, promovida pelo substituto, serão individualizados os valores devidos a cada substituído, cujo depósito para quitação será levantada através de guias expedidas para esse fim, inclusive nas aç¨es de cumprimento.
8. Quando o sindicato for o autor da ação na condição de substituto processual, não serão devidos honorários advocatícios.
Ao contrário do esperado, porém, a edição do Enunciado suscitou ainda mais acesa polêmica a respeito dos limites da legitimidade ativa dos sindicatos.
O ponto fulcral do enunciado, como está a denotar o seu primeiro item, é a negativa de que o art. 8º, inciso III da Constituição Federal assegure a substituição processual para os sindicatos.
Uma das primeiras objeç¨es ao entendimento expresso no Enunciado provém dos que acompanharam os debates entre os deputados constituintes quando votaram esse artigo constitucional. O Departamento Intersindical de Apoio Parlamentar, com apoio das atas das discuss¨es na Assembléia Constituinte, sustenta que a aprovação teria sido inequivocamente no sentido da plena garantia da substituição processual1.
Ainda que a fonte do direito não seja a vontade do legislador - mas sim o fruto dessa vontade, a lei -, é certo porém que a vontade do legislador constituinte tem significativa importância e deve ser levada em consideração.
Na base desse raciocínio, contraditoriamente estaria uma abstrata proteção ao direito individual, como se este ficasse limitado pela ação coletiva. Tal equívoco decorre da presunção de que a ação individual pudesse ser utilizada com plenitude em meio a uma realidade bastante adversa aos assalariados, quer pela prolongada recessão, quer pela inexistência de mecanismos legais de proteção ao emprego.
A esse respeito, é de se lembrar a lição de Wagner Giglio2, de que se "é certo que o art. 5º,inciso XXXV da Constituição Federal assegura o direito de ação, também é certo que ninguém está obrigado a mover ação, ou a praticar qualquer outro ato, posto que não há lei que o determine (Constituição Federal, art. 5º, inciso II). Em outros termos, a lei faculta a utilização do direito de ação. (...) Acontece que é o Sindicato que move a ação, em nome próprio, e não a pessoa física do integrante da categoria. E a entidade de classe age autorizada por lei. Assim, nem o substituído é constrangido ao exercício da ação, nem ao substituto pode ser vedada a utilização desse direito, que lhe é constitucionalmente garantido. Aceitar a tese de que a ação do substituto violaria direito do substituído corresponderia à proibição da substituição processual "tout court"."
Por outro lado, se questiona a respeito da imediata aplicabilidade da norma constitucional.
Assim, como já sucedeu com outros dispositivos constitucionais, o art. 8º, III seria meramente programático, ainda que tal entendimento encontre dificuldades ante os claros termos do parágrafo 2º do art. 5º da Carta Magna. Por economia, entre tantos autores que defendem tal ponto de vista, citamos o ilustre Prof. Francisco Meton Marques de Lima.
.De qualquer forma, a leitura do Enunciado nº 310 denota que, no pensamento do Col. TST, imprescindível lei específica que autorize a substituição processual.
Alguns autores, reconhecendo a falta de normas que regulem a matéria, preconizam a aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor. Edilton Meireles, citando Ada Pelegrini Grinover, entende que "na ação coletiva a que foi legitimado o sindicato, nos termos do art. 8º inciso III, Const., que ainda não encontrou assento próprio na legislação específica, deverá reger-se pelo estatuído no Cap. IV do Título III do Código (de Defesa do Consumidor) (Grinover, "Da Coisa Julgada no Código de Defesa do Consumidor" in "Livro de Estudos Jurídicos" Ed. Instituto de Est. Jurídicos, RJ, 1990, p. 391)" e, portanto, "às aç¨es coletivas de natureza trabalhista, para defesa de interesses coletivos ou individuais homogêneos, aplicam-se subsidiariamente as normas da Lei 7.347/85 e do Código de Defesa do Consumidor (Lei Nº 8.078/90), face a inexistência de legislação específica e por força dos arts. 1º, IV e 21 daquele diploma legal (que trata das aç¨es civis públicas) c/c os arts. 8º da C.F. e 769 da C.L.T.).
Se, portanto, quanto aos empregados do setor privado há razoáveis dúvidas quanto à necessidade de legislação que regulamente a norma constitucional, já em relação aos servidores públicos, a questão é pacífica, uma que estes constituem a única categoria que conta com uma norma legal específica, que categoricamente lhe assegura a substituição processual. No caso, o art. 240, letra "a" da Lei 8.112/90 não dá margem a qualquer dúvida:
"Art. 240- Ao servidor público civil é assegurado, nos termos da Constituição Federal, o direito à livre associação sindical e os seguintes direitos, entre outros, dela decorrentes:
a) de ser representado pelo sindicato, inclusive como substituto processual"
Assim, além dos interesses próprios da entidade e coletivos da categoria profissional, o sindicato dos servidores públicos defende também o interesse individual, em caráter de substituto processual.
A clareza de tal norma deve servir de paradigma aos parlamentares na cogitada votação do anteprojeto sobre a matéria, enviando pelo Poder Executivo, quando se espera ponha-se fim à discussão sobre a legitimação ativa dos Sindicatos em geral. Como escreveu o então Ministro Walter Barelli na exposição de motivos do Anteprojeto, a substituição processual atenderá o objetivo de "tornar a relação de trabalho mais democrática no sentido de combinar o reforço da defesa coletiva do empregado com a dignidade da pessoa de cada trabalhador".
Por outro lado, a legitimação dos sindicatos de servidores públicos insere-se em um processo de "consolidação e expansão da negociação coletiva que datam da década de 60" e que tem sido intitulado de "processo de contratualização na função pública ou de intensificação da incidência do momento consensual, que consiste essencialmente, consoante palavras de Salvador Gay, na regulação de alguns procedimentos negociais que, diferentemente da consulta, estão destinados a desembocar em acordos entre os funcionários públicos e a administração, acordos esses que possuem um determinado tipo de eficácia jurídica a respeito da potestade dessa última na ordenação das condiç¨es de emprego daqueles"
Assim, o reconhecimento da legitimação ativa dos sindicatos de servidores públicos deve ser entendida como mais um passo na direção da maior participação dos trabalhadores públicos nas decis¨es que lhe dizem respeito.
Finalmente, a título de cabal demonstração que a polêmica longe está de resolver-se pela edição do Enunciado nº 310, em recente decisão o Supremo Tribunal Federal, reiterando pronunciamento anterior7, posicionou-se de forma inteiramente contrária ao entendimento consubstanciado no referido Enunciado:
"O art. 8º, III, da Carta Magna em vigor, todavia, confere ao sindicato "a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em quest¨es judiciais ou administrativas". Essa norma, em cotejo com a do art. 5º, XXI, da mesma Lei Maior, revela-se de caráter especial, afastando qualquer óbice ou condição estabelecida na norma geral.
Daí resulta que o sindicato, constituindo-se em entidade associativa de atuação específica no campo das relaç¨es trabalhistas, para a defesa "dos direitos e interesses coletivos ou individuais" da categoria por ele representada, "inclusive em questão judiciais e administrativas", não dependa da expressa autorização de seus filiados para representá-los em juízo. No particular, portanto, o sindicato recebeu tratamento distinto do conferido às "entidades associativas" em geral, pelo art. 5º, XXI, da Constituição, que a elas atribui "legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente", "quando expressamente autorizadas".
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* Luiz Alberto de Vargas é Juiz do Trabalho, Presidente da 1ª J.C.J. de Pelotas e Lílian Monks Duarte de Vargas é funcionária da 3ª J.C.J. de Pelotas, diretora do Sindijustra-RS.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS:
1- RESENDE, Ulisses Riedel de, "Como fica a substituição processual" , Jornal do Diap, Maio/Junho-90, pg. 3.
2- GIGLIO, Wagner. "A Substituição Processual Trabalhista e a Lei nº 8.073" in Revista LTr, vol. 55, nº 2, fevereiro/91, pgs. 152/4.
3- MARQUES DE LIMA, Francisco Meton. "Por que o Sindicato representa e substitui processualmente a categoria e não só os associados". Suplemento Trabalhista LTr 91-461/90, 1990.
4- MEIRELES, Edilton. "As aç¨es coletivas no processo do trabalho. Normas aplicáveis do Código de Defesa do Consumidor" in Revista LTr, vol. 57, nº 9, setembro/93, pgs. 1079/1083.
5- Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 3.549/93 de autoria do Poder Executivo (Mensagem nº 2/93).
6- PEDREIRA, Pinho. "A problemática da negociação coletiva dos servidores públicos". Revista LTr, vol. 54, nº 3, março/90, pg. 269.
7- Acórdão publicado na Revista Síntese Trabalhista, nº 42, dezembro/92, pg. 29/55, voto do Min. Sepúlveda Pertence, em MS nº20.936, impetrante Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Energia Elétrica do Distrito Federal: "Tenho, pois, por iniludível, assim, que no art. 8º, III, efetivamente não se tem representação, nem substituição processual voluntária, como no âmbito do art. 5º, XXI, mas, sim, autêntica substituição processual "ex lege", por força direta e incondicionada da própria CF".
8- Acórdão do Supremo Tribunal Federal, processo STF MI 3475/400, por unanimidade de votos, que rejeitou preliminar de ilegitimidade ativa "ad causam", publicado na Revista LTr 58-9/1057.