A TERCEIRIZAÇÃO E O ENUNCIADO 331 DO TST. BREVES CONSIDERAÇÕES

 

Luiz Alberto de Vargas e Almir Goulart da Silveira

 

 

A chamada "terceirização" é um fenômeno mundial,  de tendência irreversível, com profundo impacto nas relações do  trabalho, que está a merecer uma atenção mais acurada de todos os  que estudam o Direito do Trabalho.

A escala terceirizante é avassaladora e hoje  estende-se por amplos setores da economia, atingindo  especialmente os serviços de vigilância, telefonia, transporte,  alimentação, administração de pessoal, manutenção, jurídicos,  comunicação social, etc.

A redução dos custos empresariais, conforme se  anuncia, é espetacular, assim como também o é a redução dos  empregos diretos, não chegando os empregos novos a compensar  integralmente a extinção dos antigos postos de trabalho.

Assim, por exemplo, a empresa Springer Carrier,  fabricante de ar condicionado, enxugou de 3.100 funcionários para  apenas 970 empregos diretos, com redução calculada em 20% no  custo dos serviços (dados do livro "Terceirização", de Jerônimo  Souto Leiria, pg. 68). Segundo a mesma fonte, cerca de 1.000  antigos empregados foram absorvidos pelas empresas fornecedoras  de mão-de-obra que, agora, não trabalham apenas para a Springer  Carrier ,mas também para outras empresas.

O outro lado da euforia empresarial é a grave  preocupação dos trabalhadores, quem  verdadeiramente "paga a  conta" da terceirização com a redução substancial de seus  empregos e salários.

 

 

TERCEIRIZAÇÃO: TENDÊNCIA IRREVERSÍVEL DO ATUAL  ESTÁGIO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO SOB O CAPITALISMO

 

Em primeiro lugar, ressalte-se a ociosidade dos  que, embora com justa razão, censuram a adoção da terceirização  pelas empresas nacionais em escala crescente pelos seus evidentes  efeitos danosos sobre o mundo do trabalho, como o desemprego, a  supressão de postos de trabalho, a redução da massa salarial, a  não integração do trabalhador na empresa, etc. Ainda que corretas  tais imprecações, é fato que a terceirização advém do ingresso em  uma nova fase das relações de produção, que não se deterá ante  considerações de ordem moral ou jurídica. Em tal fase, o  capitalismo é alavancado por uma avançada e caríssima tecnologia  que, ao mesmo tempo que, relativamente ao poder aquisitivo dos  consumidores, encarece enormemente o produto,  dispensa em nível  jamais visto a mão-de-obra, resultando politicamente a  "dispensabilidade" de extensos setores populacionais.

Nesse contexto, surgem as "conseqüências caóticas  do desemprego estrutural" de que fala Kátia Arguello,em seu  artigo "Informatização e Cidadania - Elementos para uma reflexão  sobre o Dieito do Trabalho": redução salarial, desmobilização  sindical, alta rotatividade de mão-de-obra, diminuindo o poder  político da classe trabalhadora (a tendência será ficar de "bico  calado" para garantir o emprego), os direitos trabalhstas devem  sofrer retrocessos, adaptando-se às condições impostas pelo  "progresso" (isto já é realidade nos países centrais).

Falando mais claramente, em sua nova fase, o  capitalismo assume teórica e praticamente a impossibilidade  econômica de garantir já não o bem estar, mas agora sequer a  sobrevivência de todos. Assim, a compreensão mais aguda do  fenômeno da terceirização exige a aceitação de que, nos marcos do  atual sistema social, o processo de terceirização é inevitável e  sua implantação em prazo mais longo ou mais curto ou com maior ou  menor impacto sobre os trabalhadores é o que está em pauta de  discussão em um desafio aos atores sindicais que, ao contrário de  negar o processo, devem capacitar-se para participar ativamente  da negociação que provavelmente assumirá o centro das relações  coletivas no país nos próximos anos.

 

- TERCEIRIZAÇÃO À LUZ DO DIREITO:

 

Em segundo lugar, há também um questionamento de  natureza jurídica a ser enfrentado, qual seja, o perfeito  equacionamento do que efetivamente é ou o que não é legalmente  possível e socialmente tolerável no processo de terceirização,  dado o pressuposto de suas características economicamente  inevitáveis.

É preciso,primeiramente, diferenciar as várias  formas que os processos de terceirização "latu sensu" podem  assumir, em especial após a edição do Enunciado nº 331 do T.S.T.:

a) a agência de colocação ou "merchandage", onde o  intermediário consegue colocação para o trabalhador em troca de  parte de sua remuneração, em que a referida  colocação em troca  de parte da remuneração, é proibida pelo art. 69 do Código Civil,  já que reduz o trabalhador à mercadoria.

b) a intermediação de mao-de-obra também chamada  "leasing" de pessoal ou  locação de mao-de-obra diferencia-se da  "merchandage" na medida que, ao contrário desta, a empresa  locadora,  permanece como empregadora permanente ao longo da  prestação do trabalho, ainda que ocorra a delegação do poder de  comando da empregadora para a tomadora dos serviços. Tal como no  "merchandage", a utilização do trabalho humano como simples  mercadoria, é por si mesmo evidente e, por isso, o Direito  brasileiro veda tal contratação, infelizmente com uma exceção,  que, no entender da melhor doutrina e jurisprudência, deve ser  restritivamente interpretada: o trabalho temporário, previsto na  Lei 6019/74. Tal possibilidade restringe-se aos casos de  necessidade transitória de substituição ou de acréscimo  extraordinário de serviço e limita-se a um período máximo de 90  dias, sob pena de formação de vínculo empregatício diretamente  com o tomador dos serviços.

c) a prestação de serviços, na forma de empreitada  ou locação de serviços. Após o Enunciado nº 331,pode-se incluir  jurisprudencialmente nesta última espécie os serviços de  vigilância referidos na Lei nº 7.102/83 e os de conservação e  limpeza. O destaque aos serviços de conservação e limpeza, tudo  indica, é uma ênfase excessiva a esse determinado tipo de  terceirização, ao passo que a inclusão dos serviços de vigilância  justifica-se para esclarecer certa confusão doutrinária e  jurisprudencial que os equiparava aos serviços temporários.

A empreitada, segundo Mascaro Nascimento, é um  contrato de resultado, não de atividade e é disciplinada pelo  art. 1.237 do Código Civil. O empreiteiro pode fornecer somente o  trabalho ou este e os materiais.  Já a locação de serviços,  prevista no art. 1.216 do Código Civil, se restringe hoje a  transações interempresariais que visem a execução de serviços  especializados ligados a atividade-meio da empresa tomadora.  Tanto em um como em outro caso, a legalidade ou não da  terceirização passa pelo crivo do art. 3º da C.L.T., ou seja,  mister é que inexista pessoalidade e subordinação entre o tomador  dos serviços e o trabalhador, sob pena de configuração de vínculo  empregatício com aquele.

Assim, vários são os elementos a considerar como  requisitos para a legalidade da contratação terceirizada:

- relação entre empresas idôneas, com capacidade  econômica indubitável. Nesse caso, como bem diz Maria Aparecida  Moretto, no livro "Terceirização" de Jerônimo Souto Leiria, "o  terceiro deve ser real, ter capital real e mão-de-obra regulada  de acordo com a lei". É imprescindível que a empresa contratada  assuma os riscos do negócio e tenha condições econômicas de  honrar seus compromissos com os trabalhadores.

- se restrinja a serviços especializados, como os  de vigilância, asseio e conservação, refeições, assistência  técnica, etc., não se justificando, portanto, quaisquer serviços,  o que exclui, por definição, a utilização de mão-de-obra não  especializada, do que, de outro lado, por si só já elenca o nível  de retribuição dessa mão-de-obra (especializada) como um  excelente indício a respeito da licitude da terceirização.

- que os serviços terceirizados sejam  sempre  ligados a atividade-meio da empresa,nunca a atividade-fim.

Como bem diz Alice Monteiro de Barros, no artigo  "A Terceirização e a Jurisprudência"(Revista do Direito do  Trabalho", nº 80, pg. 11): "Entendo que "terceirizar",  descentralizar, delegar tarefas canalizadas para a atividade-fim  do usuário das mesmas, além dos limites previstos na Lei  nº6.019/74 e Lei nº7.102/83 merece repúdio da melhor doutrina e  dos Tribunais, que denunciam as conseqüências anti-sociais dessa  contratação, em face do aviltamento das relações laborais. É que  os empregados perdem as possibilidades de acesso à carreira e  salário da categoria. Essa situação se agrava quando os  trabalhadores exercem suas atividades nas mesmas condições e lado  a lado, com empregados do quadro, registrados pela tomadora, que  remete à prestadora de serviços o numerário para repassá-los aos  obreiros. A situação traduz séria violação ao princípio  constitucional da isonomia".

 - que a prestação do serviço seja efetivamente  dirigida pela empresa locadora, ou por outra, que os  trabalhadores sejam subordinados aos empregados desta  subordinados, e, em nenhuma hipótese, aos prepostos da empresa  locatária.

 

- EFEITOS SOCIAIS DA TERCEIRIZAÇÃO:

 

Aqui, duas considerações são imprescindíveis para  a exata compreensão do fenômeno:

1. ainda que juridicamente possível a  terceirização - e aqui não se cogita de fraude ou ilegalidade -  seus efeitos são socialmente danosos e, se é inevitável a sua  ampliação por todos os ramos da economia - urgente que o  legislador cogite de criar mecanismos de proteção aos  trabalhadores que minorem o devastador impacto das práticas  terceirizantes sobre as relações trabalhistas e sindicais.

2. se existe, no dizer de Caio Mário da Silva  Pereira, "ainda muito resta na zona da prestação civil de  serviços", seria fechar os olhos à realidade não perceber que a  terceirização se presta como excepcional pretexto para fraudes à  legislação trabalhista protetiva, não sendo demasiado dizer que a  grande maioria das relações terceirizadas que são apreciadas pelo  Poder Judiciário não se constituem em verdadeira relação de  natureza cível, mas simples mascaramento de relação empregatícia  que visa fraudar direitos dos trabalhadores.

Tais afirmações chocam-se  frontalmente com os  argumentos dos entusiastas da terceirização, que entre os  benefícios da prática terceirizante chegam a arrolar a  "redistribuição de renda" e a "criação de empregos e empresas  mais estáveis" ("Terceirização, Jerônimo Souto Leiria, pg. 54).

Entretanto, parece inequívoco que os maiores  atrativos para as empresas situa-se justamente na redução dos  custos com pessoal, como fica claro em outras passagens da mesma  obra, que pretende ser, nada mais nada menos, do que uma  verdadeira cartilha empresarial de terceirização:

"o mais lógico e estratégico - devido ao custo da  mão-de-obra e sua administração, além dos reflexos econômico-jurídico-trabalhista-previdenciário - é terceirizar todas as  atividades não essenciais" (...)

"a médio e longo prazos, a contratação de  terceiros implica também uma economia significativa de recursos.  O terceiro, está provado, sempre encontra soluções mais criativas  e menos onerosas para o seu negócio" (pg. 27)

"aspectos positivos da terceirização: (...)

diminuição do passivo trabalhista;

diminuição das reclamatórias trabalhistas" (pg.  54)

Registre-se, aqui, uma aparente contradição dos  adeptos da terceirização: se esta se restringe, sob pena de  configuração de fraude, aos serviços especializados ligados à  atividade-meio da empresa tomadora, como se pode cogitar de  diminuição dos custos de pessoal se, a par do custo dos  trabalhadores especializados contratados pela empresa interposta  (que presumivelmente receberão salários mais elevados compatíveis  com sua especialização), devem ser computados os custos  administrativos e o lucro da empresa locadora de serviços.

Duas respostas são possíveis, ambas passíveis de  serem enquadradas como "soluções criativas": a primeira,   apontada por Jerônimo Leiria, mais adiante, na mesma obra já  citada, ou seja, através da  ganhos de escala obtida por elevados  índices de produtividade (Octávio Bueno Magano, pg. 113); a  segunda, logo adiante, repelida pelo mesmo autor, a da fraude  praticada contra os empregados, na prática   "modalidade de  exploração do trabalho humano que se pode afirmar se ocorrer  aviltamento de salário".

A primeira resposta, sem dúvida legal, implica na  aceitação de que tais ganhos de escala recaiam basicamente no  elemento mais "flexível" dos custos de produção, ou seja,  justamente a remuneração de mão-de-obra. Na prática, significa  que a "utilização criativa" da mão-de-obra importa na redução  significativa dos postos de trabalho, na redução da massa  salarial paga e o aproveitamento intensivo do trabalho humano. Ou  seja, mais resultado com  menos trabalhadores, ainda que o   patamar individual dos salários possa ser maior, milagre somente  possível pela intensificação do ritmo de produção e,  consequentemente, pelo significativo aumento da exploração da  mão-de-obra. É conhecida a "fórmula japonesa": um trabalhador  ganha por dois e produz por três".

A segunda resposta, que poderíamos chamar de  "brasileira" - em oposição à "japonesa" - consiste em  simplesmente driblar, por meios lícitos ou ilícitos, as normas  legais ou normativas, contratando uma empresa que, no exercício  de sua "criatividade", consegue arregimentar trabalhadores  mediante salários inferiores aos patamares da categoria  profissional da empresa contratante. Chamaríamos meio lícito a  contratação de empresa interposta que, pela mudança de  enquadramento sindical, pagasse seus empregados salários  inferiores aos empregados substituídos pela terceirização. Ainda  que moralmente e socialmente condenável (fraude, no dizer de  Octávio

ueno Magano), tal prática não está ainda proibida em  lei. Entretanto, é possível ser ainda mais "criativo", através da  contratação de empresa que, por deixar de recolher os encargos  sociais, por exemplo, realiza seus serviços por um custo bem  inferior aos que teria a empresa contratante se ela própria os  realizasse.

Ocorre assim que tanto em uma como noutra  hipótese, estaremos diante da redução de postos de trabalho e,  consequentemente, da massa salarial distribuída. Na primeira  hipótese, pelo fenômeno da intensificação da exploração da  mão-de-obra. Na segunda hipótese, pela adoção de mecanismos para  contornar as normas trabalhistas protetivas ou pelo puro e  simples inadimplemento.

 

- POSSIBILIDADES DE FRAUDE CONTRA OS DIREITOS DOS  TRABALHADORES:

 

O equacionamento das duas questões deve ser  necessariamente diferente, ainda que, relativamente a ambas,  ressaltem as inconveniências sociais da terceirização.

Relativamente à fraude, parece extremamente  oportuno o magistério de Maurício Godinho Delgado, em seu artigo  "Responsabilidade trabalhista do tomador da obra ou serviço (LTr,  55-10/1181). Sustenta o autor, em resumo, com base nos princípios  da prevalência hierárquica dos direitos laborais do país e na  vedação jurídica do abuso de direito, ser de corte objetivo  (independentemente de cogitações sobre dolo ou culpa ou da  existência de cláusulas contratuais entre as empresas) a  responsabilidade subsidiária do tomador da obra ou serviço por  ato de terceiro, no caso a empresa locadora relativamente aos  débitos trabalhistas de seus empregados.

Cita-se também Alice Monteiro de Barros (ob. cit.,  pg. 12): "Igualmente intolerável é "terceirizar" misteres a ex-empregados da empresa, que ali exerceram tais atribuições, e  agora na condição de supostos prestadores deixam, num passe de  mágica, de serem empregados e transformam-se em empregadores, em  patrões deles mesmos, quando é sabido que esses trabalhadores, na  sua grande maioria, não possuem capacidade jurídico-econômica de  organização própria, através da qual possam desenvolver seu  impulso de livre iniciativa. A hipótese traduz relação de emprego  mascarada".

 

- RESPONSABILIDADES SOCIAIS DOS EMPRESÁRIOS:

 

Como já se disse em trabalho anterior ("Sobre a  polêmica da flexibilização laboral no Brasil de hoje", Luiz  Vargas, ), uma análise da planilha de custos empresariais no  Brasil hoje "indicará certamente que a participação da mão-de-obra é bastante pequena se comparada aos encargos tributários e,  em especial, aos financeiros. Ademais, se a crise existe e as  empresas tem dificuldades em manter os padrões remuneratórios, não  se pode pretender resolver a questão pela fórmula simplista de  arrochar ainda mais os salários ou admitir a demissão em massa.  Sabe-se que o custo social de cada desempregado ou subempregado é  altíssimo, onerando os serviços sociais e a Previdência.

Todos os cidadãos, com seus impostos, sustentam a  infraestrutura necessária ao desenvolvimento das empresas  (estradas, usinas de energia elétrica, bancos de fomento, etc.).  Em  troca dos lucros que auferem, compete aos empresários gerarem  os empregos e promoverem  a distribuição de renda através dos  salários. Na medida que os empresários voltam-se à sociedade e  alegam não poderem mais manter os mesmos níveis de emprego e/ou  salário, é no mínimo de senso comum que se cogite de rediscutir a  questão sob a óptica de TODA A SOCIEDADE, ao invés de se reduzir a  problemática a uma mera demanda sindical. A participação dos  trabalhadores nos lucros (e não somente nos prejuízos), a gestão  democrática aberta à comunidade, a discussão sobre a  essencialidade ou não dos produtos, os direitos dos consumidores e  o respeito às normas ambientais  são temas de uma pauta de  negociações que devem envolver toda a comunidade, sendo a  manutenção de empregos e/ou salários e, eventualmente, a  participação do Estado nos custos dessa manutenção,  um dos  fatores a considerar, sempre no intuito maior de assegurar a  função social da propriedade empresarial, e não meramente o lucro  das empresas."

Tal raciocínio deve ser aplicado "in totum" quando  se cogita da  terceirização como forma de "modernização  administrativa" em busca de eficiência e competitividade. Ainda  que, como já se disse, tais alterações sejam inevitáveis, impõe-se que se encontre parâmetros para tais mudanças, de forma que  sobre as costas dos trabalhadores não recaia o peso maior dessas  reformas, com profundas repercussões sobre toda a sociedade.

A principal idéia que deve ser destacada é que a  terceirização, mesmo quando não constitui qualquer ilegalidade ou  fraude, em si mesmo traduz um descompromisso empresarial com os  trabalhadores e com a sociedade, tendo o Estado o dever de impor  limites a tal prática, restringindo-a àqueles setores econômicos  em que as empresas, por imperiosa necessidade de sobrevivência na  competição de mercado, não tem outra opção que não a redução de  seus gastos com pessoal. Nesses casos, o equilíbrio deve ser  restabelecido pela mão-de-obra absorvida pelas empresas  prestadores de serviço, de modo que não haja redução da massa  salarial envolvida. A penalização fiscal - ou restrição aos  benefícios e incentivos fiscais  - das empresas que dispensam  mão-de-obra parece uma providência urgente no Brasil, onde o  desemprego e o subemprego tomam proporções alarmantes.

Compete ao Estado, igualmente, exercer rígida  fiscalização sobre os processos de terceirização através do  Ministério do Trabalho, de modo a evitar fraudes.

No plano normativo, moralizador seria a adoção de  dispositivo legal que proibisse que o empregado do prestador de  serviço percebesse remuneração inferior aos empregados da empresa  tomadora em função equivalente ou,pelo menos, dos pisos  normativos quer da categoria profissional prevalente quer da  categoria profissional diferenciada, se este for o caso.

Além disso, não parece coerente que a estrutura  organizacional de uma empresa seja profundamente alterada sem que  o sindicato dos empregados tenha ciência prévia de tais  modificações, nem possa participar do processo. Ao contrário, a  negociação sindical é o grande caminho pelo qual os efeitos  perniciosos da terceirização podem ser minorados.

 

- REPERCUSSÕES DA TERCEIRIZAÇÃO NOS SINDICATOS:

 

Aqui a importância de perceber, na sua inteireza,  os maléficios que a terceirização desenfreada, sem critérios e  sem acompanhamento da sociedade e do Estado, tem causado nas  relações sindicais.

Sempre que um setor da empresa é desativado e, em  lugar dele, surge uma empresa prestadora de serviços, todo um  contigente de trabalhadores é deslocado de uma categoria  predominante  (da empresa tomadora) para uma categoria acessória  (da empresa prestadora), ainda que os serviços permaneçam os  mesmos e o resultado final continue a ser apropriado pelo  empregador primitivo.

A desorganização sindical é evidente,  enfraquecendo-se o poder de barganha dos trabalhadores, pelo seu  fracionamento em várias categorias profissionais no âmbito da  mesma unidade produtiva. Ainda que o fato seja inquestionável, é  interessante demonstrar que não passa desapercebido pelos  entusiastas da terceirização, que não se mostram constrangidos em  alardear tais "vantagens" para os empresários. Jerônimo Souto  Leiria,por exemplo, não se faz de rogado ao afirmar:

"Uma questão delicada, mas que, no momento atual  não pode ser relegada a segundo plano, está relacionada com os  movimento reivindicatórios dos trabalhadores que, às vezes,  acabam em operações do tipo "tartaruga" ou mesmo em paralisações.  Em mais de uma ocasião, ficou demonstrada a adequação estratégica  da terceirização.Dessa forma, com os serviços de vigilância,  telefonia, alimentação, transporte, pessoal, entre outros, já  terceirizados, as empresas obtêm a agilidade necessária para pôr  fim a conflitos internos e externos. Com a contratação de  terceiros, portanto, é muito mais fácil o controle da atividade-fim e de seu cronograma de produção" (ob. cit. pg. 28)

E adiante, citando "aspectos positivos da  terceirização", menciona:

"Relação com os sindicatos

Diminuição do corporativismo

Desmobilização para greves" (ob.cit. pg. 54)

 

Portanto, como repousar sobre a negociação  coletiva as esperanças de que os processos de terceirização  passem pelo crivo do interesse social se os próprios sindicatos  estão ameaçados por esse processo, sem que até o momento nem os  doutrinadores, nem o movimento sindical tenham esboçado qualquer  reação a uma evidente estratégia empresarial de pulverização do  poder de negociação dos trabalhadores através de uma política de  bizarra pluralidade sindical ao livre alvedrio dos empregadores.

Parece da maior relevância que, em obediência ao   princípio constitucional de unicidade sindical, estabeleça-se que  os empregados da empresa prestadora de mão-de-obra são  enquadrados na categoria profissional dos empregados da empresa  tomadora, ou,quando não for possível, ao menos são beneficiados  pelos mesmos índices de reajustamento salarial e as mesmas  cláusulas normativas que aproveitam os empregados da empresa  tomadora, enquando seu trabalho for por esta finalmente  apropriado.

 

- TERCEIRIZAÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO:

 

A terceirização, atualmente, está presente no  serviço público, na forma de convênios e contratações, o que  ocorre em vários setores como Pagamento de Benefícios de  Aposentados, Procuradoria-Geral do INSS, entre outros.

Seria importante que se elencasse alguns  convênios, que, de certa forma, significam a terceirização e,  conseqüentemente, a privatização, neste caso, da Previdência  Social no Brasil. Vejamos, então:

a. A celebração de protocolo de intenções, entre o  INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL-INSS e a Associação Nacional  dos Funcionários do Banco do Brasil- ANABB, visando entre outros,  como principal objeto, o "levantamento do cenário real da  situação dos benefícios do INSS e a adoção de medidas que visem  corrigir as distorções constatadas" (Convênio declarado nulo pela  Presidência do INSS, através da Portaria nº 1.682 de 20/11/91);

b. Convênio firmado entre o INSS e o Banco do  Brasil S/A., tendo como objeto a cobrança administrativa dos  créditos do INSS, compreendendo a implementação de sistema de  parcelamento e cobrança dos débitos administrativamente apurados  e cadastramento dos devedores, de forma a permitir maior eficácia  na cobrança administrativa e judicial";

c. Convênio firmado entre o INSS e a Confederação  Brasileira de Aposentados e Pensionistas - COBAP, no qual deverá  esta "prestar serviços ao Instituto, de natureza técnico- operacional, para atender, em caráter emergencial, e atualização  de procedimentos administrativos nas áreas de arrecadação e  seguro social, mediante solicitação expressa deste";

d. Contrato de Prestação de Serviços firmado entre  o INSS e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, no  qual este, dentre os objetos do referido, constam:

- recebimento, análise e encaminhamento da  documentação relativa à habilitação, concessão e manutenção de  benefícios previdenciários, para homologação dos respectivos atos  pelo INSS;

- inscrição de contribuintes individuais;

- recebimento de contribuições devidas pelos  contribuintes individuais e pela própria ECT;

- pagamento de benefícios;

- recadastramento de benefícios previstos durante  Programa de Revisão de Benefícios Rurais, para elaboração da base  de endereços completos dos benefícios da área rural;

e. A nível do Setor Jurídico do INSS, existe hoje  o Cadastro de Advogados Autônomos - CAA, com critérios definidos  pela Resolução/INSS nº 185, de 10/11/93 (DOU 03/11/93), na qual  tal implantação visa "a contratação de advogados com  conhecimentos na área previdenciária e fiscal, com vistas à  prestação de serviços jurídicos no âmbito do INSS".

f. Mas, o que mais nos preocupa, certamente, é a  edição das Resoluções INSS/DAF 170, de 30/8/93 (DOU 10/9/93),  modificada posteriormente pela Res. nº 203, de 27/4/94 (DOU  29/4/94), às quais dispõem sobre convênio com sindicatos e  entidades de aposentados para processamento de benefícios  previdenciários e acidentários e a realização de exames médico-periciais". Observação: Tal Resolução, ao ser publicada, incluía  entre os conveniados as empresas; o pagamento de benefícios;  realização de perícias médicas. Tais itens foram excluídos pela  Res. 203, cabendo aos conveniados apenas a assistência aos seus  associaidos em assuntos previdenciários.

Ainda, para ilustrar como argumentação, o Jornal  ZERO HORA publicou em 13/02/94, no Caderno de Economia, pg. 3,  máteria que traz esclarecedores dados comparativos, demonstrando  os custos absurdos com serviços terceirizados (vide quadro).

 Assim, se a terceirização na iniciativa privada é  uma imposição da economia de mercado, mesmo com elevadíssimos  custos sociais, a terceirização no serviço público - onde ao  menos em tese não deveria se orientar pela lógica cega das forças  de mercado - é paradoxal. Exatamente quando o interesse público  determina a manutenção dos níveis de emprego, exatamente o setor  menos sucetível às pressões de mercado, o setor público,  capitaneia o processo de terceirização.

A argumentação de que o serviço público deve ser  enxuto de modo a facilitar o equilíbrio fiscal do Estado parece  não levar em conta quanto o Estado acaba por gastar com cada  desempregado, seja através do seguro-desemprego, da Previdência  Social, da Saúde Pública, dos programas emergenciais contra a  fome e a miséria e até mesmo com os órgãos de segurança pública,  tribunais e presídios, já que é na enorme massa de desempregados  que prolifera o crime e a marginalidade.

Nos termos do Enunciado nº 331, exclu

da foi a  possibilidade de configuração de vínculo empregatício entre o  empregado irregularmente contratado através de empresa interposto  e os órgãos de administração pública. A intenção é salutar e já  vinha sendo contemplada pela jurisprudência de primeira  instância, em face da proibição contida no art. 37 da  Constituição Federal. Entendia-se, entretanto, que a vedação  constitucional ao ingresso no serviço público sem concurso não  poderia obstacular o reconhecimento de vínculo empregatício, pela  incidência da hipótese dos arts. 2º e 3º da C.L.T., apenas  reconhecia-se a impossibilidade de prosseguimento da relação de  trabalho irregular, já que eivada de nulidade. Reconhecia-se,  porém, os direitos dos empregados à percepção dos salários e  vantagens devidas pelo tempo trabalho, como retribuição a força  de trabalho despendida ao longo da contratualidade.

A solução encontrada pelo Col. TST não parece a  mais feliz, já que, afastando a relação de emprego,  automaticamente afasta também a competência da Justiça do  Trabalho para apreciar as demandas, desresponsabiliza o Estado  pela inadimplemento das obrigações trabalhistas do prestador de  serviço para com seus empregados, além de admitir tacitamente que   estes percebam salário inferior aos servidores públicos que  eventualmente exerçam a mesma função. Cria-se a estranha  categoria dos "párias" do Direito do Trabalho, ou seja,  trabalhadores que tornam-se desprotegidos de toda a tutela legal,  abrindo-se larga porta para a fraude e toda sorte de  superexploração da mão-de-obra.

Além disso, como muito bem apanhou o Prof. Emílio  Rothfuchs Neto

"À primeira vista o Enunciado parece ter fechado a  porta dos fundos pela qual se admitiam servidores sem concurso no  serviço público, por intermédio de empresa interposta, e ficavam  desenvolvendo suas atividades no órgão até o momento em que,  ingressando em juízo, pleiteavam e obtinham o reconhecimento do  vínculo de emprego, passando a ser servidores públicos.

A partir de agora não mais se forma vínculo entre  a Administração Pública e os trabalhadores irregularmente  contratados através de empresa interposta.

Isto, entretanto, permite que o administrador  admita no serviço público pessoas sem concurso, que ficarão  prestando serviços através de empresa interposta, recebendo por  meio desta a remuneração oferecida pela adminstração pública, na  qual permanecerão por longo tempo, ainda qu sem se vincular para  efeito de permanência nesta situação.

Com isto o administrador poderá dar abrigo a seus  protegidos, sem concurso, mediante a contratação irregular por  empresa interposta, passando a prestar serviços e a receber  remuneração do órgão público, ainda que a este não se vincule  juridicamente, mas no mesmo esteja inserido de fato.

O Enunciado vedou a vinculação mas,  implicitamente, permitiu a contratação irregular do trabalhador,  sem concurso, que passará a ser remunerado indiretamente pela  administração pública" ("A terceirização e o TST", artigo  publicado em Zero Hora, 26/1/94, pg. 4).

A situação está a concitar a uma reformulação da  posição adotada pelo Col. TST,sob pena de legitimar-se  precisamente a imoralidade administrativa que se pensava coibir  através do advento da nova Constituição Federal.

A terceirização no setor público, seja na forma de  convênios, contratações, entre outras, têm sido onerosa aos  cofres públicos, diferenciando-se da terceirização no setor  privado.

A falta de concursos públicos, os pedidos de  demissão, as aposentadorias, as demissões servem e servirão como  argumento para perpetuação da terceirização e - o mais grave - a  privatização de um serviço público, como sendo o da previdência  social, a saúde, a educação, entre outros.

 

Conclusões:

 

A terceirização, matéria sumamente complexa e com  profunda repercussão social, política e econômomica, necessita  uma melhor definição através de lei, em cuja discussão logre-se o  envolvimento de todos os interessados, em especial os milhões de  cidadãos brasileiros, trabalhadores, que seram diretamente  atingidos por seus efeitos. A formulação encontrada pelo Col.  TST, nos termos colocados pelo Enunciado nº 331, ainda é  insuficiente e incompleta, além de,por sua natureza  jurisdicional, ser de cunho retrospectivo, e não prospectivo,  como o caso está a exigir.

No setor privado, ressalte-se a urgência de clara  regra legal garantindo o tratamento igualitário entre os  empregados das empresas tomadora e locadora de serviços,  evitando-se assim que a redução de custos da terceirização recaia  exclusivamente sobre o fator trabalho.

No setor público, rechaça-se qualquer  possibilidade de terceirização, por incompatível com a própria  finalidade do Estado - promoção do bem comum -, além de  significar porta aberta para todo tipo de fraude e corrupção, em  verdadeira "privatização" do lucro e "socialização" dos  prejuízos.

 

* Luiz Alberto de Vargas é Juiz do Trabalho,  Presidente da 1ª J.C.J. de Pelotas/RS e Almir Goulart da Silveira  é advogado do Sindicato dos Trabalhadores em Previdência e Saúde  no Estado de São Paulo.